Acabamos de passar pela Festa de Simchá Torá, na qual completamos o ciclo anual de leitura da Torá, e demonstramos o amor pelos ensinamos de D'us ao reiniciarmos imediatamente sua leitura. Portanto, nesta semana lemos a primeira Parashá da Torá, Bereshit (literalmente "No princípio"), que descreve a criação do mundo e dos primeiros seres humanos, Adam e Chavá. Eles foram criados e colocados no Gan Éden, um lugar paradisíaco, e D'us deu a eles um único mandamento: eles poderiam usufruir de todos os frutos que havia no Gan Éden, menos do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Infelizmente, poucas horas depois de terem sido criados, Adam e Chavá transgrediram o comando de D'us ao comerem do fruto proibido e foram duramente castigados, sendo expulsos do Gan Éden para sempre e perdendo o seu caráter imortal. Além destes castigos gerais, todos os envolvidos na transgressão, isto é, Adam, Chavá e a cobra, receberam castigos particulares, de acordo com a participação de cada um na transgressão. Mas como aconteceu este erro tão grosseiro, poucas horas depois de Adam e Chavá terem sido criados? Eles eram seres muito elevados, estavam muito próximos de D'us! O que os levou a tropeçarem tão rapidamente? Explicam os nossos sábios que Adam, ao receber o comando de D'us que o proibia de comer certo fruto do Gan Éden, quis acrescentar uma proteção extra ao comando de D'us. Ao transmitir a proibição para sua esposa, ele acrescentou também a proibição de tocar no fruto. Com isso, Adam estava fazendo uma proteção para a Mitzvá, pois se eles evitassem encostar no fruto, certamente nunca chegariam a comê-lo. Porém, a falha de Adam foi não ter explicado para Chavá que a proibição de encostar no fruto era apenas um cerco de proteção da Mitzvá. Ele transmitiu para Chavá como se fosse parte do comando de D'us, de forma que Chavá entendeu que morreria se comesse do fruto proibido ou se apenas encostasse nele. A cobra aproveitou-se desta pequena falha para enganar Chavá, empurrando-a para que ela encostasse no fruto. Como nada aconteceu, a cobra disse para Chavá: "Da mesma forma que nada aconteceu por você ter encostado no fruto, então certamente nada acontecerá caso você coma dele". Desta maneira a cobra conseguiu convencer Chavá a transgredir a vontade de D'us. Logo depois de ter comido o fruto proibido, Chavá levou para que Adam também comesse dele. Entendemos que Chavá quis comer do fruto proibido por ter sido enganada pela cobra e por achar que não havia nenhum problema. Mas por que ela também levou do fruto para que seu marido Adam comesse? Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que foi por uma motivação completamente egoísta. Chavá não queria morrer e deixar seu marido vivo, pois sabia que ele se casaria com outra mulher. Então ela levou o fruto para que ele também comesse e, caso ela morresse, ele também morreria. Porém, esta explicação de Rashi desperta um enorme questionamento. Chavá somente comeu do fruto proibido pois estava completamente convencida de que não morreria caso comesse. Então por que imediatamente após ter comido ela teve medo de morrer? O que mudou? A resposta está em uma interessante parábola. Havia um país no qual os governantes de cada província se reuniam periodicamente para discutir assuntos de interesse comum. Certa vez, em um destes encontros, um dos governantes de uma das menores províncias começou a contar que perto do seu palácio vivia um judeu, muito justo e temente a D'us, que podia prever o futuro. Muitas de suas profecias haviam se concretizado de forma completa e precisa. Quando o governante da maior província escutou aquilo, não conseguiu suportar a ideia de que um governante de uma província tão pequena se gabasse daquela maneira. Por isso, ele sugeriu que o judeu fosse trazido na próxima reunião, para que pudessem testar se a informação era verdadeira. Quando chegou a época da próxima reunião, o judeu foi convidado. Ele começou a tremer muito, imaginando que algo ruim pudesse estar sendo tramado. E ele estava certo. O governante da maior província, que era um homem extremamente orgulhoso, tinha preparado um plano secreto. Ele convidou o judeu, diante de todos, a subir no palco, e fez a ele uma simples pergunta: "Se você pode prever o futuro, então nos diga: quando será o dia da sua morte?". Se o judeu dissesse uma data qualquer, o governante orgulhoso sacaria do bolso uma arma e mataria o judeu, provando que ele estava errado. E mesmo se ele dissesse "Hoje", o governante esperaria anoitecer e o mataria, provando que ele havia errado a previsão. O judeu, apavorado, rezou para que D'us o iluminasse. De repente, ele respondeu: "Não sei a data exata, mas sei que vou morrer exatamente no mesmo dia que você". O governante colocou a mão no bolso para pegar a arma, mas sua mão paralisou. Os outros governantes, que sabiam do plano, o incentivavam, mas ele não conseguia se mexer. Após alguns longos minutos, o governante arrogante mandou o judeu descer do palco e ir embora. Quando os outros governantes vieram questionar o motivo pelo qual ele não havia aproveitado a oportunidade, ele disse: "Vocês são tolos? Não escutaram o que ele disse, que eu vou morrer no mesmo dia que ele? E se ele estiver certo?". Explica o livro "Lekach Tov" que esta é a força dos interesses que movem uma pessoa. Todo momento em que os interesses que moviam o governante era a inveja e o orgulho, ele se recusava a acreditar que o judeu realmente podia prever o futuro. Ele acreditava que era uma farsa, não podia aceitar que havia na província pequena algo melhor do que em sua enorme província. Porém, quando os interesses mudaram e passaram a ser a vontade que o ser humano tem de ficar vivo, então seu entendimento mudou de um extremo para o outro, e ele começou a acreditar que talvez realmente aquele judeu soubesse prever o futuro. Isto também explica a mudança de comportamento de Chavá. Em um primeiro momento, ela estava sendo movida pelo seu desejo de comer a fruta, conforme está escrito: "E a mulher viu que a árvore era boa para comer e era um deleite para os olhos" (Bereshit 3:6). Como seu interesse era o desejo de comer, ela se deixou enganar pelas palavras da cobra e realmente acreditou que nada aconteceria caso ela comesse do fruto proibido. Porém, imediatamente após ter comido o fruto, o interesse baseado no desejo desapareceu, e entrou na cabeça de Chavá a dúvida: "E se as palavras da cobra não forem verdadeiras? Neste caso, eu vou morrer! E se eu morrer, então meu marido se casará com outra mulher!". Portanto, naquele momento entrou em Chavá um novo interesse, o de não permitir que seu marido se casasse com outra mulher. Foi por isso que ela deu a ele o fruto proibido, para que ele também comesse e morresse. Esta mesma luta de interesses acontece o tempo todo dentro de nós. Quando a Torá nos ensina: "Não aceite suborno, pois o suborno cega os olhos dos sábios e perverte as palavras justas" (Devarim 16:19), normalmente pensamos que não é algo que se aplica a nós. Porém, quando a Torá nos proíbe de recebermos suborno, não se refere apenas a recebermos propinas em uma transação comercial ou um juiz receber um presente para julgar um caso de forma parcial. Suborno é tudo aquilo que nos desvia de fazer o que é correto. Suborno são os nossos interesses e desejos, que nos levam a procurar justificativas para nossas condutas incorretas. A verdade é que nossos atos e pensamentos são influenciados o tempo todos pelos nossos interesses. Se prestarmos atenção, perceberemos que estamos o tempo inteiro sendo subornados. Então como não cair no mesmo erro de Chavá? A resposta está em um importante ensinamento dos nossos sábios: "Faça para você um rabino e adquira para você um amigo" (Pirkei Avót 1:6). Amigo verdadeiro é aquele que quer o nosso bem e, ao nos ver tomando as decisões erradas, chama a nossa atenção. O amigo não compartilha dos mesmos interesses e subornos e, portanto, pode nos ajudar a enxergar a verdade. Da mesma forma, o rabino é alguém que nos olha "de fora" e, portanto, pode nos ajudar a tomar as decisões corretas. Além disso, o rabino tem o conhecimento das leis da Torá, e pode nos orientar e nos ajudar a tomarmos sempre as decisões corretas. Somente desta maneira, com muito aconselhamento e a constante busca pela verdade, poderemos garantir que não teremos apenas boas intenções, e sim que estaremos fazendo o que realmente é o correto. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |
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