Nesta semana lemos a Parashá Haazinu (literalmente "Escute"), que é um Cântico de louvor a D'us feito por Moshé antes do seu falecimento. Moshé convoca o céu e a terra como testemunhas de suas advertências ao povo judeu para que as futuras gerações não se desviassem, com as possíveis consequências negativas caso eles transgredissem. As próprias testemunhas aplicariam a punição ao povo, como dizemos no Shemá Israel: "E a fúria de D'us se acenderá contra vocês, e Ele fechará os céus, e não haverá chuva, e a terra não dará o seu produto" (Devarim 11:17). O Cântico de Moshé termina descrevendo a alegria que virá com a Redenção Final. Esta alegria prevista no final da Parashá se conecta com a próxima parada do Calendário Judaico: a Festa de Sucót. A partir do próximo domingo de noite começaremos a reviver a "Festa das cabanas", também conhecida como "A época da nossa alegria". É uma Festa na qual nos alegramos muito, cantamos e dançamos. Mas como encaixar a alegria de Sucót em um mundo que está passando por um momento tão difícil? Estamos vivendo uma época de polarização política, tensões raciais, incerteza econômica, desigualdade e todo tipo de intolerância. Além disso, alterações extremas do clima e a longa convivência com o coronavírus nos deixaram angustiados. Como a Festa de Sucót nos ajuda a navegar nesses tempos tão caóticos? A Festa de Sucót é descrita como sendo "a época da nossa alegria", cumprindo as palavras do versículo "Se alegrem na Festa [de Sucót]... e terão apenas alegria" (Devarim 16:14-15). Mas qual é a chave para a felicidade? É realista ser alegre, mesmo quando não temos vontade? É possível ser feliz diante de tantas dificuldades que estamos enfrentando? Nossos sábios trazem uma resposta simples, mas extremamente profunda: "Quem é rico? Aquele que está feliz com sua porção" (Pirkei Avót 4:1). Isso nos ensina que, diferente do que a cultura ocidental prega, a felicidade não é um "acontecimento" gerado externamente, baseado em experiências emocionantes, nem uma "pílula mágica" que podemos ingerir quando queremos. Felicidade é um estado de espírito. Ao dominar a arte de apreciar e desfrutar conscientemente o que você já tem, você sempre estará feliz. A Festa de Sucót é representada por duas importantes Mitzvót: habitar por uma semana em uma Sucá, uma cabana feita com uma cobertura temporária, completamente exposta às intempéries, e os Arbaat HaMinim, as quatro espécies agrícolas. Como estes "símbolos" nos ajudam a chegar a um estado de alegria? A Torá declara: "Você deve habitar em cabanas por sete dias" (Bamidbar 23:42). Fora dos nossos confortos habituais, a Sucá muda nosso foco para anseios espirituais maiores, que definem nossa essência humana. É bom ter uma boa casa, um bom carro e boas roupas. Mas, às vezes, caímos no erro de considerar este mundo uma "morada permanente", ou seja, tratamos as atividades materiais como o propósito final da vida. Mover-se para uma habitação frágil e temporária, desprovida de confortos e conveniências, nos lembra que a verdadeira alegria interior é uma questão espiritual, que vem com o reconhecimento de que este mundo é temporário. A capacidade de se elevar acima das considerações materiais é algo inerente ao povo judeu, um povo "errante", desarraigados de seus lares por milênios. Os judeus passaram a confiar na alegria mais profunda do mundo espiritual, independente das posses materiais. Durante Elul, Rosh Hashaná e Yom Kipur, subimos uma escada espiritual, trabalhando para nos conectar com o "prazer supremo", de experimentar o espiritual e se conectar com D'us. No topo da escada está Sucót. Chegamos a uma realidade na qual não precisamos de ar condicionado ou de uma cama confortável, nem portas trancadas ou um sistema de alarme. Nós só queremos estar com D'us. E é isso que a Sucá nos proporciona. Uma Sucá, para que seja Kasher, requer ao menos duas paredes inteiras e mais uma terceira parede parcial. Isto seria um paralelo de um braço, representado por uma parede inteira; o antebraço, representado pela segunda parede inteira; e uma mão, representada pela terceira parede parcial. Na Sucá, estamos completamente imersos nos braços de D'us. É como acampar sob as estrelas, conectando-se com algo além de nós mesmos. É estar exatamente onde queremos estar, totalmente cercados pela experiência alegre da conexão Divina. Sucót é descrita como "A Festa da colheita, no final do ano, quando você recolhe seus produtos do campo" (Shemót 23:16). Explica o Rav Eliyahu Dessler zt"l (Império Russo, 1892 - Israel, 1953) que a justaposição da "alegria material" da colheita com a "alegria espiritual" de Sucót ensina que a alegria material deve ser um trampolim para a alegria espiritual. Porém, o segredo é que os prazeres materiais não devem ser o objetivo final. Em vez disso, utilizamos nossos bens materiais, como nosso dinheiro, carro ou casa, de maneira a elevá-los para um propósito maior. Dessa forma, esses dois elementos trabalham juntos, transformando nossa alegria em um nível mais alto e completo. Este é um grande diferencial entre o judaísmo e outros caminhos espirituais. Ao longo da história, diversas abordagens foram propostas para o antagonismo entre o material, representado por atos mundanos como comer, dormir, ter relações íntimas, etc, e a iluminação espiritual que tentamos alcançar. Vemos que o mundo acaba adotando como filosofia de vida os extremos. De um lado estão os ascetas, pessoa que rejeitam os prazeres materiais, dedicando-se a privações e flagelações, encarando o prazer físico como um "mal necessário" que deve ser evitado sempre que possível. São pessoas que escolhem se retirar e meditar sozinhas no topo de uma montanha. Em muitas religiões, o relacionamento íntimo é visto como uma expressão da natureza pecaminosa do ser humano e, portanto, a pessoa verdadeiramente "espiritual" deve permanecer celibatária. No outro extremo estão os hedonistas, pessoas cuja filosofia é defender a busca por prazeres como um propósito de vida, abraçando o materialismo como um fim por si só. As olimpíadas gregas, nas quais os competidores participavam nus, as festas romanas onde tudo era permitido e os esportes de gladiadores demonstram a idolatria do prazer material. A Torá traça um caminho do meio, sem idolatrar nem rejeitar a realidade material. Elevando-se acima disso, a Torá vê o mundo físico como o portal para prazeres mais elevados e transcendentais, onde cada elemento e cada momento são revestidos com um potencial para despertar seu lado espiritual. Ao invés vez de negar e se retirar da vida material, a espiritualidade no judaísmo vem através da interação com o mundo material de forma que o eleva. Por exemplo, recitamos uma Berachá antes da comida, como meio de nos conectarmos ao espiritual. No Shabat nós bebemos vinho, não para ficarmos bêbados, e sim como uma forma de santificação. De fato, o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) explica que o propósito do mundo material, como as riquezas e as ciências, é para fins de ações nobres, como a aquisição de sabedoria e refinamento de caráter. O Rav Chaim Volozginer zt"l explica o versículo "Conheça a D'us em todos os Seus caminhos" (Mishlei 3:6) como um comando para que os impulsos materiais sejam direcionados a um propósito elevado. A colheita simboliza a ideia de que qualquer que seja nosso envolvimento nas atividades mundanas do cotidiano, seja interagindo com a família ou na fila do caixa do supermercado, podemos nos realinhar com essa grande verdade espiritual parando para nos perguntar: neste momento, o que posso fazer melhor para elevar o nível desta atividade? Será que consigo ser mais gentil ou mais paciente? Como posso incorporar mais pontos de reflexão e gratidão para elevar essa atividade a um nível espiritual mais alto? Esta é a grande oportunidade de Sucót. Em um mundo cheio de distrações caóticas, Sucót é o leme espiritual para ajudar a navegar nas ondas tempestuosas, focando nosso olhar em dimensões mais profundas. SHABAT SHALOM E CHAG SAMEACH R' Efraim Birbojm |