Nesta semana lemos a Parashá Toldot (literalmente "Gerações"), que continua falando sobre a formação espiritual do povo judeu, através do nascimento dos filhos do nosso segundo patriarca, Ytzchak, como está escrito: "E estas são as gerações de Ytzchak, filho de Avraham; Avraham gerou a Ytzchak" (Bereshit 25:19). No final da Parashá da semana passada, Chaie Sara, Ytzchak havia se casado com uma mulher muito pura e correta, chamada Rivka, e a nossa Parashá recorda este casamento, como está escrito: "E Ytzchak tinha quarenta anos quando tomou por esposa Rivka, filha de Betuel, o arameu, de Padan Aram, irmã de Lavan, o arameu" (Bereshit 25:20). Entretanto, ao observarmos com atenção estes dois primeiros versículos da Parashá, há algo que contrasta muito. Um nos recorda que Ytzchak era filho de Avraham, um dos pilares do mundo, aquele que representava a bondade, a misericórdia e a honestidade. É um grande orgulho ser um descendente de Avraham e poder contribuir e dar continuidade a tudo o que ele construiu. Porém, a família de Rivka já havia sido descrita na Parashá Chaie Sara. Por que recordar novamente que ela era filha de Betuel e irmã de Lavan, dois trapaceiros, desonestos e perversos, que usavam toda a sua sabedoria e o seu poder para fazer o mal? Esta recordação não era uma vergonha para ela? Além disso, o versículo introdutório da Parashá traz uma aparente redundância ao afirmar que "E estas são as gerações de Ytzchak, filho de Avraham; Avraham gerou a Ytzchak". Não é óbvio que, se Ytzchak era filho de Avraham, então Avraham gerou a Ytzchak? Rashi explica a necessidade desta aparente redundância. Esta foi uma resposta da Torá aos zombadores da geração, que lançaram calúnias quanto à legitimidade da linhagem de Yitzchak. Mas qual era o argumento dos zombadores? Na Parashá Vaierá, a Torá descreveu um dos momentos difíceis da vida de Avraham. Após a destruição de Sdom, Avraham decidiu mudar-se para um novo lugar e foi viver na cidade de Guerar, na terra dos Plishtim. A beleza de Sara era tão chamativa que ela foi novamente sequestrada e levada ao palácio de Avimelech, o rei dos Plishtim, exatamente como havia acontecido no Egito. Porém, mais uma vez D'us protegeu Sara e castigou Avimelech com uma praga, fazendo com que ele não conseguisse nem mesmo encostar o dedo nela. D'us então apareceu para Avimelech em um sonho e mandou-o devolver imediatamente Sara para seu marido, Avraham, e pedir para que ele, que era um profeta, rezasse pela sua cura. E assim Avraham fez, rezou por Avimelech e ele se curou. Pouco tempo depois, Avraham foi agraciado com o nascimento de seu filho Ytzchak, um gigantesco milagre, já que ele tinha 100 anos, enquanto Sara tinha 90 anos e já tinha perdido há muitos anos a capacidade natural de gerar uma vida em seu ventre. Porém, ao invés de enxergarem a Mão de D'us neste milagre, o que disseram os zombadores da época? Eles alegaram que, uma vez que Sara não havia concebido por muitos anos enquanto estava casada com Avraham, mas engravidou imediatamente após passar a noite no palácio de Avimelech, então Yitzchak havia sido claramente gerado por Avimelech, e não por Avraham. É por isso que a Torá precisou reiterar que Yitzchak era filho de Avraham. Mas por que a Torá achou necessário refutar os zombadores? O que a opinião deles importa para nós? Além disso, os detalhes da gravidez de Sara e o momento no qual ela deu à luz Yitzchak foram amplamente abordados na Parashá Vaieirá. Então por que apenas na Parashá desta semana, que começa com Yitzchak já com sessenta anos de idade, a Torá se incomodou em reafirmar que Ytzchak era filho de Avraham? Explica o Rav Yochanan Zweig que a Torá precisou vir derrubar o argumento dos zombadores pois eles realmente tinham uma lógica que parecia válida. Após a reiteração de Avraham como pai de Yitzchak, a Torá relata que Yitzchak teve dois filhos, Yaakov e Essav. Yaacov escolheu o caminho do bem e da espiritualidade, e passava o tempo todo se dedicando ao estudo da Torá e ao aprimoramento dos seus traços de caráter, semelhante a Avraham e Ytzchak. Já Essav escolheu o caminho do mal e do materialismo excessivo, e passava o tempo todo caçando e enganando as pessoas. O comportamento de Essav reforçava as alegações dos zombadores, pois era difícil entender como alguém que era biologicamente parente de Avraham pudesse ser tão perverso. Portanto, os zombadores argumentaram que Yitzchak só poderia ser filho de Avimelech, pois em seu comportamento Essav se parecia muito mais com Avimelech do que com Avraham. Essav foi o progenitor de Amalek, que é descrito na Torá como "e ele não temeu a D'us" (Devarim 25:18). Este é o mesmo atributo com o qual Avraham definiu o povo dos Plishtim, como está escrito: "E Avraham disse: 'Pois eu pensei: Certamente não há temor de D'us neste lugar'" (Bereshit 20:11), dando ainda mais credibilidade à teoria de que Avimelech, rei dos Plishtim, era o avô de Essav. Portanto, nesta conjuntura, a Torá considerou necessário refutar as acusações maliciosas dos zombadores, que ameaçavam minar a herança e a santidade do povo judeu. Isso só foi feito quando Ytzchak tinha 60 anos, pois foi quando Essav nasceu. Se pararmos para refletir sobre o argumento dos zombadores, aprenderemos algo incrível sobre a nossa espiritualidade. Da mesma maneira que uma pessoa herda materialmente as características de seus pais, poderíamos pensar que isso também acontece espiritualmente. Simplificando um pouco as complexas questões genéticas, pais loiros de olhos azuis vão ter filhos loiros de olhos azuis. Da mesma forma, esperaríamos que pais Tzadikim tivessem filhos Tzadikim. Era isso o que os zombadores acreditavam. Porém, isso não se aplica espiritualmente, pois não existe herança de espiritualidade. É verdade que uma criança que cresceu em uma casa equilibrada, sendo influenciada por bons atos o tempo todo, tem mais chances de fazer escolhas corretas na vida. Porém, em última instância, todos os seres humanos exercem seu livre arbítrio. Por isso encontramos muitos casos de filhos de Tzadikim que se desviaram do caminho. Apesar da retidão de Ytzchak, um verdadeiro "Korban" de D'us, seu filho Essav se tornou um tremendo perverso. O contrário também pode acontecer, isto é, filhos de pessoas perversas podem se superar e se tornar pessoas de destaque em bondade. Foi justamente o que aconteceu com a nossa matriarca Rivka, que veio de uma casa de trapaceiros desonestos. É por isso que a Torá faz questão de recordar quem eram os parentes dela. Não para envergonhá-la, ao contrário, para dar a ela os devidos méritos. Rivka veio de uma casa com maus exemplos. Certamente sua educação foi completamente corrompida. Ela tinha tudo para ser uma pessoa desonesta e egoísta. Porém, Rivka conseguiu quebrar os traços de caráter negativos que estavam intrínsecos nela. Ela fez as escolhas corretas na vida e se tornou uma das matriarcas. E ela conseguiu fazer mais do que anular suas más características, ela teve a força de usar os maus traços de caráter com os quais havia sido educada para fazer o bem. Os trapaceiros conseguem "entrar na cabeça" de suas vítimas e, de forma muito sábia, enganá-las. Já Rivka conseguia "entrar na cabeça" das pessoas para entender como ajudá-las da melhor forma possível, onde elas realmente precisavam. Fica desta Parashá, portanto, um ensinamento muito importante: não há nada garantido na educação dos nossos filhos. Por isso, além de obviamente nos esforçarmos para transmitir a eles o temor a D'us e o amor pelas Mitzvót, principalmente através do exemplo pessoal, precisamos também rezar muito por eles, pedindo a D'us que os iluminem em suas escolhas de vida. Podemos orientá-los, ensiná-los e educá-los, mas no final das contas a escolha será apenas deles mesmos. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |