| Nesta semana lemos a Parashat Noach, que descreve o que talvez seja a maior catástrofe que já se abateu sobre a humanidade. Poucas gerações após a criação do mundo, o ser humano já havia se corrompido e se desviado dos caminhos de D'us, a ponto de merecer que o mundo inteiro fosse destruído por meio de um Dilúvio. Apenas a família de Noach encontrou graça aos olhos de D'us para ser poupada e repovoar o mundo. Porém, mesmo Noach não estava em um nível espiritual tão elevado. Apesar de Noach ter sido chamado pela Torá de "Tzadik", de acordo com uma das explicações de Rashi (França, 1040 - 1105) ele seria um nada comparado a Avraham Avinu. Também Rashi descreve que Noach era "pequeno em Emuná, que confiava e, ao mesmo tempo, não confiava em D'us", pois ele não conseguia demonstrar sua Emuná em seus atos. Mas talvez o evento que mais represente a limitação espiritual de Noach aconteceu após o Dilúvio. Em vez de focar no que seria bom para a humanidade, Noach pensou em saciar seus desejos e plantou um vinhedo. Ele então se embebedou e ficou nu em sua tenda, sendo desonrado por seu filho Cham. Quando seus outros dois filhos, Shem e Yefet, escutaram o que havia ocorrido, eles imediatamente se importaram com a honra do pai e não quiseram deixá-lo exposto, conforme está escrito: "E pegou Shem e Yefet a vestimenta, colocaram-na sobre os ombros de ambos e caminharam de costas, cobrindo a nudez de seu pai" (Bereshit 9:23). Mas, se prestarmos atenção nos detalhes deste versículo, perceberemos que há um aparente erro de concordância verbal. Deveria estar escrito "e pegaram", já que se refere a Shem e Yefet, mas está escrito "e pegou". O que este "erro" nos ensina? Além disso, Rashi explica que por este ato de Chessed com seu pai, Shem recebeu como recompensa que seus descendentes, o povo judeu, receberiam a Mitzvá de Talit com Tsitsit, enquanto Yefet mereceu como recompensa a sepultura para seus descendentes, como está dito: "Eu darei a Gog um local de sepultura" (Yechezkel 39:11). Mas qual é a relação entre estas recompensas, o sepultamento dado aos descendentes de Yefet e o Tsitsit dado aos descendentes de Shem, e o ato de cobrir a nudez do pai? De acordo com o Rav Zalman Sorotzkin zt"l (Lituânia, 1880 - Israel, 1966), normalmente D'us utiliza o atributo de "Midá Kenegued Midá" (medida por medida) quando nos recompensa por nossos atos. Mas em que sentido as recompensas neste caso foram Midá Kenegued Midá? Nossos sábios explicam que em várias Mitzvót nas quais D'us nos impõe uma obrigação, Ele também nos garante os meios para cumpri-la. Por exemplo, quando D'us nos ordenou a Mitzvá de colocar uma proteção no telhado ("Maake"), estava garantindo que nos daria um teto; quando Ele nos ordenou colocar Mezuzá nas portas, estava garantindo que nos daria um lar; quando Ele nos ordenou fazer Brit-Milá, estava garantindo que nos daria filhos homens; e quando Ele nos ordenou colocar Tsitsit, estava garantindo que nos daria roupas. Assim, quando foi prometido a Mitzvá de Tsitsit aos descendentes de Shem, isso também incluía uma garantia de roupas para cobrir a nudez de seus descendentes, Midá Kenegued Midá por ele ter se preocupado com a nudez do seu pai. E também Yefet recebeu sua recompensa Midá Kenegued Midá, pois na guerra de Gog Magog os descendentes de Yefet merecerão sepulturas, o que também é uma forma de cobrir a nudez e não permitir que o corpo do falecido fique exposto. Porém, por que esta diferença entre as recompensas de Shem e de Yefet? Por que um receberia a recompensa para descendentes vivos, através de roupas, enquanto o outro receberia a recompensa para seus descendentes mortos, através do enterro do corpo deles? Se o ato foi exatamente o mesmo, já que ambos o fizeram juntos, conforme está explícito no versículo, então por que a recompensa não foi a mesma? Há uma lição incrível nesta diferença entre as duas recompensas. Mesmo que duas pessoas cumpram exatamente a mesma Mitzvá, as recompensas que elas receberão podem ser completamente diferentes. Shem e Yefet fizeram exatamente o mesmo ato, mas como Shem fez com Kavaná e entusiasmo, com vitalidade e alegria, sua recompensa veio Midá Kenegued Midá: uma roupa usada por uma pessoa viva que está obrigada a cumprir a Mitzvá de Tsitsit. Yefet também cumpriu a Mitzvá, mas não por sua iniciativa. Ele a cumpriu apenas seguindo seu irmão, e sem entusiasmo, fazendo como um hábito, sem o mesmo fervor. Como ele fez o ato, receberá também sua recompensa. Porém, ela será Midá Kenegued Midá: não uma roupa de um vivo, mas a cobertura da terra sobre os mortos. Há também mais um ponto de Midá Kenegued Midá: como Shem se apressou no cumprimento da Mitzvá, também recebeu sua recompensa com rapidez, pois já no momento da entrega da Torá seus descendentes receberam a Mitzvá de Tsitsit. Mas Yefet, que foi lento, só receberá sua recompensa muito mais tarde, na guerra de Gog e Magog, que ocorrerá no final dos tempos. Sobre a grandeza do esforço no cumprimento das Mitzvót, o Rav Meir Rubman zt"l (Israel, século 20) acrescenta algo incrível. A Guemará (Chaguigá 9b) registra uma discussão entre dois sábios. Bar Hei Hei perguntou o significado do versículo "Então novamente vocês discernirão entre o justo e o perverso, entre aquele que serve a D'us e aquele que não O serve" (Malachi 3:18). O questionamento de Bar Hei Hei é que neste versículo existem aparentemente duas redundâncias: "o justo" aparentemente é o mesmo que "aquele que serve a D'us", enquanto "o perverso" é aparentemente o mesmo que "aquele que não O serve". Por que esta redundância? Hilel explicou que "Aquele que serve a D'us" e "aquele que não O serve" referem-se ambos a Tzadikim, mas o versículo está sugerindo que há uma distinção entre eles, semelhante à diferença entre aquele que revisa seu estudo cem vezes e aquele que o revisa cento e uma vezes. Mas Bar Hei Hei questionou a resposta de Hilel: uma pessoa é chamada de "aquele que não serve a D'us" apenas por não ter revisado mais uma vez seu estudo? Hilel respondeu que sim, e que podemos aprender isso observando o comportamento dos condutores de jumentos. Um condutor pode ser contratado para viajar até dez quilômetros por uma moeda. Porém, se a pessoa quiser que ele viaje onze quilômetros, fará isso somente por duas moedas. Por que? Pois o normal é viajar dez quilômetros. Fazer mais do que isso já exige muito mais esforço. A Guemará está nos ensinando que fazer qualquer coisa além do que é o normal, o que estamos acostumados, é considerado uma diferença significativa. Esta Guemará, mencionada pelo Gaon MiVilna ao seu amigo de juventude, está nos revelando algo maravilhoso: mesmo que uma pessoa tenha se esforçado muito e revisado cem vezes, e seja considerado um Tzadik, ainda assim ele está muito distante daquele que estudou cento e uma vezes. Estudar cem vezes é considerado pela Guemará como o normal. Cento e uma vezes já necessitou de um esforço adicional. Comparado ao segundo, o primeiro é chamado de "aquele que não serve a D'us". Vemos o quanto é precioso o esforço adicional. Assim como será muito perceptível a diferença entre um justo e um perverso, também será igualmente perceptível a diferença entre dois justos. Aquele que se esforçou a mais do que o normal é chamado de "aquele que serve a D'us", enquanto aquele que não fez nenhum esforço extra é chamado de "aquele que não serve a D'us". Essa diferença é justamente o que separa a grandeza da Mitzvá de Shem daquela de seu irmão Yefet, apesar de ambos terem realizado o mesmo ato. Como Shem se esforçou na Mitzvá e estava no nível de "aquele que serve a D'us", a Torá enfatiza sua grandeza ao dizer: "E pegou Shem e Yefet". Mesmo que ambos tenham pego, apenas Shem é mencionado em destaque. Pois a grandeza não vem de talento nato, mas do esforço além do normal. A diferença entre uma pessoa comum e uma extraordinária pode ser apenas "uma vez a mais". O hábito cria o comum, mas a superação cria o excepcional. Na vida, dê mais um passo. Pode fazer toda a diferença do mundo. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |