Nesta semana lemos a Parashá Vaerá (literalmente "E Eu apareci"). Na realidade, o início desta Parashá é uma bronca que D'us estava dando em Moshé. No final da Parashá da semana passada, Shemot, Moshé e Aharon finalmente foram falar com o Faraó e, em nome de D'us, pediram para que o povo judeu fosse libertado para que pudesse ir ao deserto servi-Lo. A reação do Faraó foi bem diferente do que eles esperavam. Não apenas ele não concordou em enviar os judeus, mas tornou suas vidas ainda mais miseráveis. Até aquele momento o Faraó fornecia palha aos escravos judeus para que eles fizessem os tijolos, mas daquele momento em diante eles precisariam manter a mesma cota de tijolos tendo que providenciar sua própria palha. Portanto, a primeira visita de Moshé e Aharon ao palácio do Faraó pareceu ser contraproducente para o povo judeu. Os judeus criticaram Moshé, acusando-o de ter "entregado a espada na mão do Faraó para matá-los". Moshé ficou triste com o ocorrido e questionou D'us sobre a sua missão: "Por que Você fez mal ao Seu povo? Por que Você me enviou?" (Shemot 5:22). D'us então respondeu para Moshé: "Agora você verá o que Eu farei ao Faraó, pois através de uma Mão forte ele os enviará" (Shemot 6:1). O entendimento mais simples é que D'us estava tranquilizando Moshé, dizendo que tudo fazia parte de um plano maior. Porém, Rashi explica o versículo de outra maneira. D'us ficou bravo com Moshé, em especial por ter utilizado a expressão "Você fez mal ao Seu povo". D'us estava dizendo a Moshé que, por sua falta de Emuná, ele veria o que aconteceria com o Faraó, mas não veria o que aconteceria com os reis dos sete povos, após a entrada do povo judeu em Israel. A reação do povo judeu e de Moshé é natural e compreensível. Seres humanos estão limitados ao tempo e ao espaço. Nossa perspectiva sobre a vida é extremamente estreita, vemos apenas o "aqui e agora". É o que os nossos sábios chamam de "Síndrome do buraco da fechadura", isto é, vemos o mundo apenas pelo pequeno buraco de uma fechadura, nunca enxergando o contexto completo do que está acontecendo. O equivalente seria uma pessoa se aproximar de um quadro bonito. Se a pessoa chegar perto demais, terá apenas uma visão limitada da imagem. A única maneira de apreciar a imagem do quadro é se afastar para vê-lo por completo. Talvez este seja o significado de um ensinamento do Talmud (Brachot 10a), que analisa o versículo "Não há ninguém tão sagrado quanto D'us, pois não há outro além de Você, e não há Rocha como o nosso D'us" (Shmuel I 2:2). As palavras "Ein Tzur K'Elokeinu" (não há Rocha como o nosso D'us) é interpretada pelo Talmud como "Ein Tzaiar K'Elokeinu" (Não há Artista como o nosso D'us). O que o Talmud está nos ensinando? A história do Universo é como se fosse um mural e D'us está no meio do trabalho de pintar este mural. Mas não é apenas um mural que vai de parede a parede, e sim um mural que vai desde o início do universo até o fim dos tempos. Nossa existência limitada é como alguém que se aproxima de um pequeno pedaço deste gigantesco "mural" e tenta entender o que o "Artista" pretende transmitir. Certamente nunca conseguiremos entender o mural completo olhando apenas um pequeno pedaço. Foi o que aconteceu com os judeus no Egito, após o primeiro encontro de Moshé com o Faraó. A esperança havia voltado e o espírito do povo judeu havia se reerguido, após séculos de dificuldades e sofrimentos, para serem novamente quebrados pouco tempo depois. A situação deles não apenas não melhorou, mas ficou ainda pior. Porém, eles estavam observando um pequeno momento, apenas o pequeno buraco da fechadura, sem conseguir ver a imagem maior. Na realidade, o povo judeu estava fazendo a talvez mais antiga das perguntas: "Por que os perversos prosperam e os justos sofrem?". Parte da resposta é justamente saber que estamos apenas olhando um pequeno momento na linha do tempo e, por isso, ainda não conseguimos ver a imagem completa. Nos ensina o Midrash, em nome do Rav Yehoshua ben Levi, que a característica de D'us, que é Todo Poderoso, não é como a de alguém de carne e osso. Um cirurgião faz um corte com um bisturi, mas fecha o ferimento com pontos, ataduras e remédios. O cirurgião não consegue curar com o mesmo instrumento que ele utilizou para fazer o corte. O Todo Poderoso, no entanto, traz a cura com o próprio instrumento que Ele usou para trazer o sofrimento. Isso pode ser observado na história de Yossef, que foi vendido como escravo por causa dos seus sonhos, e foi elevado à realeza por causa dos sonhos. Se parássemos no meio da história de Yossef, acharíamos que os sonhos foram o motivo de sua queda. Mas, como o Midrash ressalta, por causa dos sonhos ele chegou a governar todo o Egito. A causa aparente do problema foi a maior fonte de cura. Outro exemplo marcante é tentar imaginar como foi viver a Inquisição espanhola. O que era ser judeu em Tishá Be Av de 1492? Naquela época, os judeus espanhóis tiveram que fazer uma difícil escolha: converter-se ao cristianismo ou abandonar imediatamente o país sem levar nada. Milhares e milhares de judeus passaram no teste e abandonaram a Espanha, deixando para trás tudo o que tinham, ao invés de se converterem ao cristianismo. Depois de tudo o que os judeus haviam contribuído para a sociedade espanhola, o que a Espanha fez aos judeus era uma horrível injustiça. Por exemplo, o Ministro das Finanças, que era judeu, havia dado uma grande parte do seu próprio dinheiro para financiar o governo dos reis Fernando e Isabel. O que os judeus daquela época estavam pensando? Provavelmente o mesmo que nós estaríamos pensando: "A Espanha vai receber o que merece! D'us retribuirá a maldade que ele fizeram, e veremos isso com os nossos próprios olhos!". Porém, ao invés disso, naquele mesmo dia, em Tishá Be Av de 1492, Cristóvão Colombo partiu e encontrou a maior riqueza que qualquer país havia descoberto nos últimos 500 anos. A descoberta da América, o "Novo mundo", com todas as suas valiosas matérias-primas, tornaram a Espanha um país muito rico e poderoso, a "superpotência" daquela época. Onde estava a Justiça Divina? Quase 100 anos depois, além do tempo de vida de qualquer um dos exilados judeus, o exército espanhol foi derrotado. Porém os exilados nunca viram isso. Eles foram às suas sepulturas pensando: "Esta é a Torá e esta é a sua recompensa? Esta é a Justiça do Todo-Poderoso, a Espanha conseguir esta grande vitória no mesmo dia em que nos expulsou?". No entanto, a ironia é que "com aquilo com que Ele nos feriu, Ele nos curou". A Espanha acabou trazendo para o povo judeu uma salvação gigantesca. Eles descobriram a América e, após 400 anos, os judeus puderam vir para a América, quando não havia outro lugar para ir, antes e depois do Holocausto. A América também foi o refúgio para milhares de judeus que deixaram a Rússia na virada do século, fugindo dos pogroms da Rússia czarista. A América salvou uma grande parcela do povo judeu. Quem é o responsável por toda esta salvação? O governo espanhol, atuando como instrumento do Criador do mundo. Mas isso levou quase 400 anos, desde 1492 até o final dos anos 1800, e ninguém vive 400 anos. As pessoas foram ao túmulo levando sua indignação. Explica o Rav Issachar Frand que esta é uma grande lição sobre a Supervisão Divina. "Não há Rocha como nosso D'us. Não existe Artista como o nosso D'us". Nossa vida ainda é um trabalho em andamento nas Mãos de D'us. A história ainda está sendo escrita. O povo judeu reclamou com Moshé: "Você piorou a situação! Agora, iremos sofrer ainda mais!". Eles não conseguiram perceber que o aumento do sofrimento salvou-os de 190 anos de escravidão. Ao invés de ficarem no Egito por 400 anos, conforme havia sido profetizado para Avraham, eles tiveram que permanecer lá apenas por 210 anos. O que parecia ser algo ruim se demonstrou ser uma enorme bondade. Mas muitos judeus foram às suas sepulturas sem nunca perceberem isso, porque olhavam a foto de perto e não podiam ver o quadro completo na extensão da história. É assim que D'us funciona, acima do tempo e do espaço, muito além do "aqui e agora". Nosso papel é manter a nossa Emuná, fugir da "Síndrome do buraco da fechadura", esperar e confiar na salvação de D'us. É muito difícil, especialmente quando estamos em um momento difícil, no meio de um sofrimento. Mas podemos ter a tranquilidade de saber que um dia tudo fará sentido. Por enquanto, ria das confusões, sorria por trás das lágrimas e continue lembrando que tudo acontece por um motivo maior. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |