Nesta semana lemos a Parashá Mishpatim (literalmente "Juízos"), que nos ensina muitas leis, algumas "Bein Adam LaMakom" (entre a pessoa e D'us), mas a maioria "Bein Adam Lehaveiro" (entre a pessoa e seu companheiro), como compensação por danos diretos e indiretos, empréstimo de dinheiro, devolução de objetos perdidos, ajuda com um animal de carga caído e o cuidado com pessoas sensíveis, como viúvas e órfãos. A Parashá começa com as seguintes palavras: "E estes são os juízos que você colocará diante deles" (Shemot 21:1). Rashi, comentarista da Torá, questiona o motivo pelo qual a Torá não escreveu simplesmente "Estes são os juízos". Por que a letra "E" foi acrescentada? O que incomodou Rashi é o fato de a Torá não ser um documento humano, e sim um documento Divino, e cada pequeno detalhe da Torá têm um nível de perfeição acima do entendimento humano. Rashi está nos ensinando com a sua pergunta, portanto, que a Torá é tão profunda que até mesmo uma única letra "a mais" contém muitos ensinamentos de vida. Rashi explica que a letra "E" veio para conectar os assuntos desta Parashá com o que havia sido dito anteriormente. No final da Parashá da semana passada, Itró, a Torá listou os Dez Mandamentos que foram entregues ao povo judeu no Monte Sinai. Portanto, esta é a conexão promovida pela letra "E": da mesma forma que os Dez Mandamentos foram entregues no Monte Sinai, assim também todas as leis ensinadas na Parashá desta semana foram entregues no Monte Sinai. Porém, este ensinamento parece desnecessário, já que o mesmo conceito já foi transmitido na Parashá Behar, que começa ensinando sobre a Mitzvá de Shemitá, o ano Sabático. A Parashá Behar começa com as seguintes palavras: "E disse D'us para Moshé no Monte Sinai" (Vayikrá 25:1). Rashi questiona a necessidade desta "introdução" para a Mitzvá de Shemitá, e explica que assim como com a Mitzvá de Shemitá, seus princípios gerais e seus detalhes mais sutis foram todos ensinados no Monte Sinai, da mesma forma todas as Mitzvót, com seus princípios gerais e seus detalhes mais sutis, também foram ensinados no Monte Sinai. Portanto, por que foi necessário repetir este mesmo conceito no início da Parashá Mishpatim? Poderíamos pensar que todos os princípios éticos e morais da Torá são, na realidade, ensinamentos do coração das pessoas. Isso nos levaria à conclusão equivocada de que no Monte Sinai somente foram ensinadas as Mitzvót "Bein Adam LaMakom", como a Mitzvá de Shemitá, mas que as Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró", que são mais fáceis de serem entendidas intelectualmente, foram inventadas por pessoas. Uma única letra "a mais" nos ensina que também as Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" foram transmitidas por D'us no Monte Sinai. Porém, deste ensinamento surge uma interessante pergunta: na prática, qual é a diferença se as Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" foram entregues no Monte Sinai ou se tivessem sido inventadas por pessoas que, preocupados com a humanidade, tivessem criado estas regras para que as pessoas tivessem uma vida melhor e mais harmônica? Por que foi tão importante a Torá enfatizar que as Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" são Divinas e não humanas? Existem algumas respostas para este questionamento. Em primeiro lugar, se cumpríssemos as Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" apenas por serem "regras para um bom convívio social", não receberíamos nenhuma recompensa espiritual por cumpri-las. A palavra "Mitzvá" significa "comando", implicando que há alguém que está comandando e alguém que está sendo comandado a fazer algo. É justamente isso que traz méritos no cumprimento das Mitzvót, o fato de estarmos cumprindo a vontade de D'us. Pelo fato de as Mitzvót serem Divinas, recebemos uma recompensa cada vez que as cumprimos. Mesmo que a consequência das Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" seja a criação de um mundo mais justo, harmonioso e solidário, em última instância cumprimos as Mitzvót porque D'us nos ordenou, não porque as consequências são boas. Além disso, também o fato de as Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" serem Divinas, elas revelam detalhes da bondade e da misericórdia de D'us e, portanto, nos ensinam a nos comportarmos como Ele em nossas bondades. Por exemplo, a Parashá nos ensina algumas leis relacionadas ao furto de objetos e animais. Em relação ao furto de animais, assim está escrito: "Se alguém furtar um boi ou um cordeiro e o abater ou vender, pagará cinco bois pelo boi ou quatro cordeiros pelo cordeiro" (Shemot 21:37). Mas por que há esta diferença, de pagar quatro vezes no caso de um cordeiro e cinco vezes no caso de um boi? Rashi explica que quando alguém rouba um animal grande, como um boi, simplesmente amarra-o e vai puxando o animal. Já alguém que rouba um animal pequeno, como o cordeiro, coloca-o sobre os ombros e sai correndo carregando o animal, algo extremamente vergonhoso para o ladrão. D'us considera essa vergonha já como parte do pagamento pelo crime de furto e, por isso, aquele que roubou o cordeiro paga menos do que aquele que roubou o boi. Esta Mitzvá demonstra a sensibilidade de D'us com as pessoas e com a honra delas, mesmo em se tratando de um ladrão, e nos ensina a termos sensibilidade com as pessoas. Finalmente, há um terceiro ponto muito importante, ressaltado por uma interessante história trazida pelo Talmud (Avodá Zará 24a), sobre Dama ben Netina, um não-judeu que vivia em Ashkelon. Os rabinos queriam comprar dele joias de valor e beleza extraordinários, para substituir as pedras que faltavam no peitoral do Cohen Gadol. O preço era de 600 mil moedas de ouro. Porém, as joias de Dama estavam guardadas em um baú trancado e a chave do baú estava sob a cabeça do seu pai, que dormia profundamente. Dama preferiu não perturbar seu pai, mesmo que isso significaria perder aquela venda milionária. Um ano depois, D'us o recompensou e uma vaca vermelha nasceu no seu rebanho. Esse tipo de vaca era extremamente raro e, na época do Beit Hamikdash, o povo judeu usava as cinzas da vaca vermelha para purificação espiritual. Os rabinos vieram a Dama para comprar sua vaca vermelha. Ele lhes disse: "Sei que vocês me pagariam qualquer quantia que eu pedisse, mas só lhes pedirei a quantia que perdi no negócio das joias por ter respeitado meu pai". Esta história é um maravilhoso ensinamento de até onde devemos nos esforçar para cumprir a Mitzvá de honrar nossos pais. Porém, há algo que muitas vezes passa desapercebido quando escutamos esta história. Quando Dama ben Netina definiu o valor de sua vaca vermelha, ele utilizou a expressão "a quantia que perdi por ter respeitado meu pai". Segundo sua visão de mundo, existia a possibilidade de perder algo quando fazemos o que é correto. Porém, esta não é a visão da Torá. A história do Rav Eliahu Dov Kloi zt"l contrasta com a história de Dama ben Netina, pois é possível perceber que não há nenhuma perda ao cumprirmos uma Mitzvá. Seres humanos são limitados e falíveis, mas D'us é infinito e perfeito. Saber que as Mitzvót são Divinas nos dá a tranquilidade de que, mesmo se em um primeiro momento parece que estamos perdendo algo cumprindo uma Mitzvá, na realidade não há nenhuma perda. Nunca perdemos nada fazendo Mitzvót, em especial ajudando os outros, respeitando e sendo sensíveis às necessidades de cada pessoa. Este é o incrível ensinamento trazido por uma única letra "a mais" na Torá. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |