Nesta semana lemos novamente duas Parashiót juntas: Behar (literalmente "No Monte") e Bechukotai (literalmente "Nos Meus estatutos"). A Parashá Behar traz a importante Mitzvá de Shmitá, o Ano Sabático, um dos pilares do nosso entendimento de que nosso sustento vem de D'us, não do nosso esforço. Já a Parashá Bechukotai fala sobre as Brachót e maldições que podem recair sobre o povo judeu, que variam de acordo com o nosso comportamento e o nosso comprometimento com a Torá e com as Mitzvót. Na Parashá Behar, a Torá traz um versículo interessante: "O que a terra produzir durante o Shabat da terra será alimento para vocês… e para os seus animais e as feras que estão em sua terra" (Vayikrá 25:6-7). Durante a Shemitá, a Torá declara que todos os produtos da terra se tornam "Hefker", isto é, sem dono e, portanto, não se pode ter nenhum proveito financeiro da produção agrícola. Porém, estes versículos nos ensinam que o proprietário pode utilizar os frutos da terra para suas próprias necessidades alimentares e também para alimentar seus animais, desde que permita o mesmo acesso a qualquer outra pessoa ou animal. Porém, há algo que chama a atenção neste versículo. A Torá usa a expressão "Lachem", que significa "para vocês", antes de mencionar "Livhemtecha", que significa "para os seus animais", colocando a alimentação do dono antes da alimentação de seus animais. Porém, esta ordem parece contradizer uma Halachá ensinada pelo Talmud (Brachót 40a): "É proibido uma pessoa comer antes de alimentar seus animais". O Talmud aprende este ensinamento das palavras do versículo: "E Eu darei erva no seu campo para os seus animais, e você comerá e se fartará" (Devarim 11:15). Primeiro a Torá ordenou dar alimento aos animais e somente depois nos permitiu comer e nos fartar. Então por que na nossa Parashá esta ordem foi invertida, e D'us nos deu a permissão de comer os frutos no ano de Shemitá antes de mencionar alimentar os nossos animais? Uma questão semelhante é levantada pelo Rav Naftali Amsterdam zt"l (Lituânia, 1832 - Israel, 1916) na Parashá Chukat, quando D'us ordenou a Moshé: "Fale à rocha, e ela dará sua água. Você dará de beber à congregação e aos seus animais" (Bamidbar 20:8). Por que D'us ordenou que as pessoas fossem servidas antes dos seus animais? O Rav Avraham HaLevi Gombiner zt"l (Polônia, 1635 - 1682), mais conhecido como Maguen Avraham, responde esta última pergunta através de outro importante acontecimento na Torá. Quando Avraham Avinu mandou seu servo Eliezer procurar uma moça para se casar com Yitzchak, ele precisou empreender uma longa viagem. Quando chegou ao seu destino, conheceu Rivka, que estava ao lado de um poço. Ela primeiro deu água a Eliezer e somente depois ofereceu água aos seus camelos. O Maguen Avraham concluiu deste evento que a obrigação de servir primeiro os animais se aplica apenas às comidas, e não às bebidas. Porém, o Rav Yochanan Zweig traz outra resposta, mais abrangente, que pode explicar todos os questionamentos sem a necessidade de fazer uma distinção entre comidas e bebidas. De acordo com o Rav Zweig, quando uma pessoa tem apenas uma porção de alimento, não há dúvida de que ela deve comê-la antes de oferecer aos seus animais. A exigência da Torá de dar primeiro aos animais somente se aplica quando há comida suficiente para os dois e, portanto, existe a responsabilidade de alimentar os animais antes. Outra exceção também ocorre quando a comida não pertence ao dono do animal, isto é, se alguém está dando o alimento de presente. Neste caso, a pessoa que está oferecendo o presente não tem responsabilidade sobre o animal do outro. De fato, poderia até ser considerado desrespeitoso alimentar o animal de uma pessoa antes de alimentar o seu dono. Por isso, durante o ano de Shmitá, quando os produtos da terra não pertencem ao agricultor, mas são um presente de D'us, então o dono pode comer antes de dar aos seus animais. De modo similar, quando D'us deu água para o povo de Israel, de forma milagrosa, Sua responsabilidade estava em primeiro lugar com as pessoas, e só depois com os animais delas. Isso também explicaria a conduta de Rivka com Eliezer. Era ela que estava fornecendo a água, ela era a doadora. Logo, sua responsabilidade era com o ser humano em primeiro lugar, e não com os animais dele. Portanto, não é necessário nem mesmo diferenciar entre comida e bebida para responder os questionamentos. Estamos em uma geração que infelizmente perdeu um pouco o seu equilíbrio e a noção correta das prioridades. Pessoas falam abertamente, sem nenhum tipo de vergonha ou constrangimento, que preferem ajudar um animal do que ajudar um ser humano. Pessoas dedicam horas de voluntariado para ajudar animais abandonados, mas não dedicam nem um minuto para ajudar crianças abandonadas. Sentem dó de um cachorro de rua, mas passam diariamente por dezenas de mendigos dormindo na rua e se alimentando de lixo e não se comovem. Sinal de que perdemos o foco do que é o principal e o que é secundário. Os nossos traços de caráter são chamados de "Midót", palavra que também significa "Medidas". Qual é a conexão entre traços de caráter e medidas? D'us nos deu uma certa medida de cada característica para utilizarmos da forma correta. São ferramentas para podermos cumprir o nosso papel espiritual neste mundo. Porém, como as nossas características são "sob medida", quando as utilizamos da maneira errada, então esta "Midá" faltará onde ela seria efetivamente necessária. D'us nos deu uma certa medida de amor, para que possamos utilizar com os outros seres humanos. Por exemplo, cumprindo a Mitzvá de "Ame ao próximo como a si mesmo". Porém, muitas pessoas canalizam seu amor aos animais e plantas, e isto faz com que falte o amor pelos outros seres humanos. Não por coincidência, a "Lei do Reich de Proteção Animal", precursora da atual "Sociedade protetora dos animais", foi promulgada na Alemanha, em 1933, pelo partido nazista, o mesmo partido que assassinou a sangue frio milhares de mulheres, idosos e bebês inocentes. Como as pessoas canalizavam seu amor nos animais, então faltou amor e empatia com os seres humanos. O Rav Moshe Feinstein zt"l (Império Russo, 1895 - EUA, 1986) foi o maior legislador da sua geração e, por isso, recebia diariamente dezenas de cartas com as mais variadas perguntas de Halachá. Certa vez, um homem judeu escreveu ao rabino contando que ele e sua esposa não conseguiam ter filhos e, por isso, a esposa havia desenvolvido um forte vínculo emocional com seu cachorro de estimação, tratando-o como um "filho adotivo". O homem sentia que isso estava afetando o equilíbrio emocional e espiritual do lar, e pediu orientação ao rabino sobre como proceder. O Rav Moshe respondeu com extrema sensibilidade, reconhecendo que o apego ao animal era compreensível diante do sofrimento do casal. No entanto, ele foi claro ao afirmar: "O amor por um animal não pode substituir o amor entre seres humanos ou entre pais e filhos. Há uma diferença essencial entre o valor da vida humana e a vida de um animal". O Rav Moshe Feinstein não proibiu aquele casal de ter um cachorro, mas aconselhou que eles procurassem ajuda emocional e espiritual para restaurar o equilíbrio e a centralidade do ser humano na vida deles, mesmo diante da dor e da dificuldade de não terem um filho. Ele reconheceu o valor emocional que os animais podem ter, mas foi firme e inequívoco em dizer que o ser humano é superior e prioritário, inclusive nos relacionamentos. Mesmo um sentimento tão nobre e puro como a compaixão deve ser guiado pela sabedoria da Halachá, e não por sentimentalismos ditados pela sociedade. O Rav Elchanan não permitia nenhuma forma de crueldade com os animais, mas foi firme ao lembrar que os seres humanos, especialmente em contextos espirituais, vêm primeiro. Os modismos sociais às vezes escondem grandes desequilíbrios e prioridades equivocadas. Cuidar bem dos animais é até mesmo uma Mitzvá, desde que antes tenhamos cuidado bem do ser humano, o centro da Criação. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |