Nesta semana lemos a Parashá Vayetsê (literalmente "E saiu"), que conta sobre a saga de Yaacov Avinu na casa de seu tio Lavan. Yaacov fugiu de casa para escapar da fúria de seu irmão Essav, após ter recebido a Brachá de primogenitura no lugar dele e ter sido "jurado de morte". Rivka, sua mãe, que era irmã de Lavan, também o aconselhou a já procurar uma esposa entre seus familiares. E assim Yaacov fez. Porém, antes de ir para a casa de Lavan, Yaacov quis aprimorar seus traços de caráter e decidiu passar alguns anos estudando Torá na Yeshivá de Shem e Ever, descendentes de Noach, para se preparar para os desafios da vida. Finalmente, após se sentir preparado, ele foi para a casa de Lavan. Lá ele conheceu Rachel, sua prima, e percebeu que seria com ela que o povo judeu seria construído. Porém, ele estava sem dinheiro para o dote do casamento, já que seu sobrinho Elifaz, filho de Essav, havia levado todo o dinheiro que ele tinha. Quando ele foi pedir a mão de Rachel em casamento, Lavan fixou o dote em "módicos" 7 anos de trabalho. Mesmo sendo algo completamente abusivo, Yaacov entendeu que valia a pena por uma esposa tão virtuosa como Rachel. Porém, Yaacov sabia que os arameus eram pessoas desonestas e ardilosas, em especial seu futuro sogro Lavan. Ele sabia que Lavan faria de tudo para enganá-lo. Yaacov era íntegra e puro, mas não era tolo. Segundo o Talmud (Meguila 13b), Yaakov deu a Rachel uma senha secreta, que a identificaria na noite de núpcias. Ele fez isso para impedir que Lavan substituísse Rachel por Lea. Porém, quando Rachel percebeu que sua irmã seria publicamente humilhada se não soubesse a senha, revelou-a para Lea. Yaacov somente percebeu a enganação na manhã seguinte, como está escrito: "E aconteceu que, pela manhã, eis que era Lea" (Bereshit 29:25). O Midrash diz que, ao perceber que a mulher que estava com ele era Lea e não Rachel, Yaakov perguntou: "Por que você me enganou, fazendo-me acreditar que você era Rachel?". Lea então respondeu: "Foi com você que aprendi a fazer isso. Você não se passou por seu irmão para receber as Brachót?". Porém, como o ato de Yaakov justifica o de Lea? Como ela estava respondendo ao questionamento dele? Mais adiante na Parashá, Reuven, o primogênito de Lea, encontrou no campo Dudaim, uma planta que aumenta as chances de concepção. Rachel pediu a Lea que lhe desse os Dudaim, ao que Lea respondeu: "Não basta você ter tomado meu marido, agora você também quer tomar os Dudaim do meu filho?" (Bereshit 30:15). Mas como Lea pôde fazer tal declaração? Ela não reconhecia que só havia se casado com Yaakov devido à bondade de Rachel, de ter lhe entregado o código secreto? Para começar a responder a essas perguntas, devemos primeiro abordar outra intrigante questão: por que há quatro matriarcas, mas apenas três patriarcas? A resposta é que deveria haver quatro patriarcas. Essav tinha o potencial de se tornar um dos patriarcas do povo judeu. Porém, por ter feito escolhas erradas na vida, ele perdeu esse direito. Yaakov preencheu o vazio deixado por Essav, assumindo o papel de dois patriarcas. Por isso, ele recebeu um segundo nome, Israel. Quando a Torá descreve fisicamente as irmãs Rachel e Lea, há algo que chama a atenção: "Os olhos de Lea eram ternos" (Bereshit 29:17). O que significa esta expressão? Rashi explica que Lea chorou muito, pois todos diziam: "Rivka tem dois filhos e Lavan tem duas filhas. A filha mais velha se casará com o filho mais velho, e a filha mais nova se casará com o filho mais novo". Lea entendeu que estava originalmente destinada a se casar com Essav, o Rashá, enquanto Rachel estava destinada a se casar com Yaakov, o Tzadik. Porém, quando Lea viu que Yaakov havia assumido o papel de Essav, percebeu que ele havia se tornado seu verdadeiro parceiro espiritual. Foi isso que ela insinuou quando disse a Yaakov: "Foi com você que eu aprendi". Já que Yaacov havia substituído Essav, assumindo suas Brachót e sua primogenitura, ele havia se tornado também o parceiro espiritual de Lea. Ela pensava, portanto, que seu casamento com Yaakov não foi devido à bondade de Rachel, e sim porque havia se tornado seu direito no momento em que Yaakov assumiu o papel de Essav. Portanto, Lea sentiu-se justificada ao criticar Rachel por ter tomado seu marido. Explica o Rav Yohanan Zweig que é interessante perceber que os descendentes de Lea possuíam muitas das características e propensões de Essav. David Hamelech, que era descendente de Yehuda, o quarto filho de Lea, é descrito como um "jovem e avermelhado" (Shmuel I 17:42). Essa é a mesma descrição que a Torá dá para Essav: "O primeiro saiu vermelho" (Bereshit 25:25). Segundo Rashi, a vermelhidão é uma indicação de que a pessoa será uma "derramadora de sangue". Essav foi um assassino, enquanto David HaMelech lutou as guerras de D'us contra os inimigos da espiritualidade. Além disso, Shimon e Levi, o segundo e o terceiro filhos de Lea, quando mataram toda a cidade de Shechem para libertar Dina, foram repreendidos por Yaakov por terem utilizado os métodos de Essav, como está escrito: "Shimon e Levi são irmãos; suas armas são instrumentos roubados" (Bereshit 49:5). Rashi diz que "A ferramenta do assassinato está nas mãos de vocês dois injustamente, pois é instrumento de Essav, e vocês roubaram dele". A diferença foi que Shimon e Levi utilizaram as mesmas ferramentas de Essav, mas o fizeram para reestabelecer a justiça e punir os criminosos. Finalmente, Lea elogiou profeticamente Reuven, seu primogênito, por ter corrigido os defeitos de caráter exibidos por seu tio Essav, como está escrito: "E Lea concebeu e deu à luz um filho, e ela o chamou de Reuven" (Bereshit 29:32). O nome "Reuven" vem das palavras "Reê" e "Ben". Que significam "Veja" e "Filho". Segundo Rashi, Lea estava dizendo: "Veja a diferença entre meu filho e o filho do meu sogro, Essav. Essav vendeu o direito de primogenitura a Yaacov e, mesmo assim, depois quis matá-lo. Já meu filho Reuven não vendeu a primogenitura a Yossef, ele a perdeu, e mesmo assim não lutou contra Yossef, e até mesmo quis salvar sua vida tirando-o do poço". A razão para esse fenômeno é que Lea estava inicialmente destinada a ser a alma gêmea de Essav. Portanto, ela possuía as mesmas propensões espirituais encontradas nele. Porém, infelizmente, Essav não conseguiu canalizar essas propensões da forma adequada, se transformando em um assassino e escravo do mundo material. Ele tinha o potencial, e isso é confirmado pelo fato de Ytzchak ter demonstrado preferência por ele, por ter conseguido enxergar o seu verdadeiro potencial. Além disso, a cabeça de Essav foi enterrada dentro da Mearat Hamachpela, junto com os outros patriarcas e matriarcas, pois ele tinha intelectualmente o potencial de ser um patriarca, mas acabou seguindo seu coração e os desejos do seu corpo, destruindo seu potencial. Coube, portanto, aos descendentes de Lea, corrigir estas propensões e redirecioná-las aos caminhos corretos. De acordo com o livro "Orchot Tzadikim", quando nascemos, recebemos de D'us muitos traços de caráter, que são ferramentas para o nosso trabalho espiritual. Algumas devem ser aprimoradas, outras devem ser canalizadas. Não existem traços de caráter absolutamente bons ou ruins, mas todos podem ser utilizados para fazermos o bem, lutarmos pela verdade e ajudarmos os outros. Traços como a violência podem ser utilizados para assassinar, mas também para lutar pela justiça. Traços como a perspicácia podem ser utilizadas para enganar os outros, mas também para nos aprimorarmos em entender como os outros pensam e fazermos bondades completas. Os traços de caráter que temos são escolhidos por D'us, mas a forma como os utilizamos depende apenas de nós. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |