Nesta semana lemos a Parashá Shelach (literalmente "envie"), que continua falando dos erros que o povo judeu cometeu no deserto. Vimos na Parashá da semana passada que eles "fugiram" do Monte Sinai, reclamaram do Man e exigiram carne. Porém, aqueles erros era apenas um indicador do afastamento espiritual do povo judeu. Já nesta semana vemos um dos piores erros cometidos pelo povo, que custou muito caro. Todos os homens entre vinte e sessenta anos, que haviam sido contados, foram proibidos de entrar na Terra de Israel. Por isso, todo o povo teve que passar 40 anos vagando pelo deserto, para que aquela geração falecesse e apenas uma nova geração tivesse o mérito de entrar na Terra de Israel. Mas qual foi o erro tão grave que eles cometeram? Ao se aproximar de Israel, a Terra sagrada que D'us havia prometido, o povo começou a questionar o sucesso de sua conquista. Eles já deveriam saber, após todos os milagres da saída do Egito, que todo o sucesso, em tudo o que fazemos, depende apenas de D'us, e não do nosso esforço. Apesar de termos que fazer a nossa parte, para ocultar os milagres Divinos, ainda assim precisamos sempre ter a Emuná completa que tudo depende Dele, e apenas Dele. Porém, o povo exigiu que fossem enviados espiões, não para uma missão militar de reconhecimento, o que não teria nenhum problema, mas para que vissem se a terra era realmente boa e se conseguiriam conquistá-la. Isso foi, por si só, uma grande transgressão. D'us garantiu a Moshé que ele poderia enviar os espiões exigidos pelo povo, mas que as consequências seriam trágicas. O povo judeu havia escolhido a forma errada de se conduzir. E foi assim que realmente aconteceu. Doze espiões, escolhidos entre os maiores do povo judeu, passaram quarenta dias conhecendo a terra e levantando informações. Quando os espiões finalmente voltaram, trazendo notícias sobre a terra, contaram coisas terríveis. Eles haviam visto pessoas morrendo o tempo todo, habitantes e frutos gigantes e cidades muito fortificadas. Além disso, eles não contaram o que viram para Moshé, em particular, para que ele tomasse as decisões corretas. Tudo foi relatado, com todos os detalhes, de forma extremamente negativa, diretamente para o povo. A Torá nos relata que a reação do povo foi de desespero, com todos chorando e reclamando. O Talmud (Taanit 29a) nos diz que, pelo fato de o povo ter chorado à toa, sem motivo, foi decretado para as futuras gerações que aquele seria um dia de choro e tristeza com motivo. Este dia era Tishá be Av, o dia 9 do mês de Av. E as palavras de D'us se cumpriram em diferentes épocas da história, sendo esta data sempre marcada por tragédias, coletivas e individuais, do povo judeu. Tishá be Av ficou conhecido como o dia mais triste do ano, em especial pela destruição dos nossos dois Templos de Jerusalém. Porém, este ensinamento desperta um enorme questionamento. Por que a Torá diz que choramos "à toa"? Não havia motivos para chorar? Os espiões relataram o que viram, isto é, uma terra difícil de ser conquistada, muitas pessoas morrendo e gigantes! Será que devemos "camuflar" notícias ruins apenas para não parecermos pessimistas? Há uma expressão popular que diz: "Quem conta um conto aumenta um ponto". As pessoas gostam de exagerar em seus relatos e acrescentar detalhes que nunca aconteceram, dando novas cores para a história. Por isso, qualquer história normalmente contém informações a mais. Será que este foi o caso dos espiões? Eles eram mentirosos, que aumentaram a gravidade dos fatos e acrescentaram detalhes que não existiam? A resposta é que não havia nenhuma mentira no relato deles, e nem mesmo exageros. Eles relataram exatamente o que viram. Porém, ainda assim, eles cometeram alguns erros. Em primeiro lugar, eles decidiram sozinhos que, a partir do que haviam visto, não havia forma de conquistar a Terra de Israel. Além disso, eles cometeram outro erro grave. Apesar de terem contado a verdade, eles deram uma ênfase muito maior nas informações desfavoráveis. Ao invés de colocar as informações aparentemente ruins dentro de um contexto, eles preferiram ressaltar apenas a parte negativa. Em todas as situações que passamos na vida, há lados positivos e também dificuldades. Por isso, podemos sempre enxergar uma história de duas formas diferentes: focando no lado positivo ou no lado negativo. Por exemplo, imagine um filho que chega em casa com seu boletim. O pai, ansioso, abre e percebe que há duas notas abaixo da média e outras seis notas acima da média. Esse pai, quando for conversar com sua esposa, precisará descrever o boletim do filho. Ele poderá fazer isso de duas maneiras diferentes. Ele poderá contar que o filho foi muito bem, mas que teve dificuldade em duas matérias e precisa de reforço, ou poderá descrever que o filho é um caso perdido, que é um péssimo aluno e sem esperanças de que um dia vá melhorar. O boletim vai continuar sendo o mesmo, o que muda é a forma de ver e de descrever a situação. Portanto, essa foi uma das principais fontes do erro trágico dos espiões. É verdade que eles viram coisas negativas, desafios grandes e difíceis. Porém, certamente eles também viram muitas coisas boas. E, na realidade, mesmo nas coisas "ruins" eles poderiam ter enxergado as bondades ocultas. A prova é que, dos doze espiões, apenas dez falaram mal da Terra, mas dois deles, Yehoshua bin Nun e Calev ben Yefune, falaram bem. Como pode ser, se eles viram as mesmas coisas? Yehoshua e Calev viram as dificuldades e os desafios, mas souberam colocar dentro do contexto. Eles souberam olhar a situação com Emuná. Eles não permitiram que as poucas coisas que pareciam negativas ofuscassem as coisas positivas, e por isso tiveram sucesso. O erro dos espiões foi, portanto, ter usado o pessimismo e a visão negativa perante os acontecimentos, ao invés de ter refletido e procurado o lado positivo de cada situação. Isso vai contra a nossa verdadeira essência. Em cada geração temos enfrentado perseguições e tentativas de extermínio. Mesmo nos nossos dias, quando vivemos uma época de relativa tranquilidade, não são raros os acontecimentos de violência contra judeus no mundo inteiro. Somos estereotipados e desumanizados. Os fatos são distorcidos e utilizados contra nós. Antissemitas afirmam que o Holocausto jamais aconteceu. Nações árabes privaram os judeus dos direitos básicos durante séculos, fizeram guerras contra o "Estado judeu", nos boicotaram, difamaram e discriminaram de todas as maneiras possíveis. E, então, eles vão à ONU pedir a condenação de Israel por racismo. Talvez nossos odiadores tenham sempre nos odiado porque os judeus são a consciência do mundo. A Torá ensinou grandes ideais, que muitos consideram ameaçadores. Por exemplo, que todos os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de D'us, que todos são responsáveis por seus atos, que devemos ter compaixão de todas as criaturas e que a generosidade deve ser superior à ganância. Mas, apesar das condenações da ONU, do preconceito e boicotes contra Israel em todo o mundo, o povo judeu permanece sendo uma nação idealista, comprometida com um futuro mais brilhante. Como é possível que o povo judeu, em geral, seja caracterizado por um extremo otimismo e um estilo de vida positivo? Por que não desistimos da humanidade? Por que trabalhamos tanto para tornar o mundo melhor para todas as pessoas? O segredo do sucesso do povo judeu é que, na nossa essência, temos Emuná. Apesar das condições difíceis, temos a certeza de um futuro melhor. Se não ficamos quebrados pelos milhares de anos de injustiças, ódio gratuito e perseguições, não ficaremos quebrados agora. Essa é a escolha que temos todos os dias: podemos olhar os desafios da vida e passar o dia reclamando e nos queixando das dificuldades, ou podemos olhar o lado positivo, colocar nossos problemas em um contexto maior. Ao invés de reclamarmos para D'us que temos um grande problema, podemos dizer aos nossos problemas que temos um grande D'us. Isso muda tudo. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |