sexta-feira, 7 de maio de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHIOT BEHAR E BECHUKOTAI 5770

BS"D

PALAVRAS PODEM DESTRUIR - PARASHIOT BEHAR E BECHUKOTAI 5770 (07 de maio de 2010)

"A pequena Débora havia sido criada em uma família judia pouco observante da Torá e das Mitzvót. Seus pais repetidamente falavam mal sobre os judeus ortodoxos, o que criou nela um sentimento muito negativo. Porém, quando Débora cresceu, teve curiosidade de saber como eram realmente os judeus religiosos, com quem nunca tivera contato. Durante Rosh Hashaná e Yom Kipur ela foi rezar na Yeshivá de Ponovich, na cidade israelense de Bnei Brack. Ela ficou tão impressionada com a devoção das centenas de pessoas que rezavam ali que decidiu voltar para a festa de Simchá Torá.

Tudo estava indo perfeitamente bem. Débora se sentia bem entre aquelas pessoas que a haviam recebido tão carinhosamente. Uma das mulheres a havia ajudado durante toda a reza a encontrar as páginas do Sidur (Livro de rezas), outra havia se preocupado se ela tinha lugar para comer as refeições. Mas Débora, que não conhecia muito as leis judaicas, principalmente as que se referiam à Tzniut (recato), vestia roupas que não condiziam com a lei judaica. Então uma das meninas presentes disse, em voz alta, na frente de centenas de mulheres:

- Ei, garota. Como você tem coragem de vir rezar vestindo roupas tão sem recato?

Imediatamente o castelo encantado de Débora desmoronou. Assim se comportavam as meninas religiosas? Era isso o que a Torá ensinava? Se este era o comportamento dos religiosos, então ela não estava nem um pouco interessada. Saiu correndo, completamente envergonhada, sem saber para onde ir.

Foi então que ela passou por uma multidão que se aglomeravam diante de uma porta. Era a sala do Rav Eliezer Mann Shach, o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) de Ponovich. Ela teve curiosidade de conversar com ele, desabafar e contar tudo o que havia acontecido. Decidiu esperar, mesmo que levasse horas. Mas quando a porta se abriu e algumas pessoas que estavam lá dentro saíram, ela foi imediatamente chamada para entrar, apesar da enorme fila de pessoas que haviam chegado antes dela. O ajudante do Rav Shach então explicou que as mulheres tinham prioridade para entrar. Agradavelmente surpresa, ela entrou e contou toda a história para o Rav Shach, que na época já era um dos maiores rabinos da geração.

O Rav Shach escutou atentamente o desabafo de Débora e chorou. Ele explicou para Débora que aquela moça havia cometido uma grande transgressão. Conversaram por muito tempo e ele a ensinou o quanto devemos ser cuidadosos com os outros e o quanto devemos trabalhar a nossa sensibilidade para não ferir ninguém com as nossas palavras. Débora saiu muito impressionada da conversa. A calma, a doçura e a sensibilidade do Rav Shach a haviam conquistado. Decidiu que queria aprender mais sobre o judaísmo e se tornar uma pessoa mais praticante.

Hoje em dia Débora é casada com um Rosh Yeshivá. Seus filhos e netos são grandes estudiosos de Torá"

Esta história nos ensina a força das palavras. Uma declaração feita de maneira incorreta pode causar muita dor e raiva, e pode atrapalhar para sempre o crescimento espiritual de outra pessoa. Ao contrário, palavras carinhosas e doces podem construir mundos espirituais. (História Real, retirada do livro "Major Impact", do rabino Dovid Kaplan)

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Nesta semana lemos duas Parashiot juntas, Behar e Bechukotai. A Parashá Behar traz algumas Mitzvót Bein Adam Lamakom (entre o homem e D'us) como, por exemplo, a Mitzvá de Shemitá (descansar todos os campos da Terra de Israel a cada 7 anos) e a Mitzvá de Yovel (Jubileu), quando se completavam 7 ciclos de Shemitá, e traz também algumas Mitzvót Bein Adam Lehaveiró (entre o homem e o seu companheiro), entre elas a proibição de causar sofrimentos aos outros, como está escrito: "Quando você vender um objeto a seu companheiro ou comprar algo de seu companheiro, um homem não deve afligir seu irmão" (Vayikrá 25:14). Porém, três versículos depois a Torá novamente repete a proibição de causar sofrimentos, como está escrito: "E que uma pessoa não aflija seu companheiro e que tema a D'us, pois Eu sou Hashem, teu D'us" (Vayikrá 25:17). Por que a Torá precisa repetir duas vezes a mesma advertência?

Explica Rashi, comentarista da Torá, que na verdade os versículos se referem a dois tipos diferentes de "Onaá" (aflição). O primeiro versículo se refere a "Onaát Mamom", isto é, causar sofrimentos em assuntos relacionados com dinheiro. Por exemplo, é proibido se aproveitar da ignorância de outra pessoa para cobrar dela um valor injusto por uma mercadoria. O segundo versículo se refere a "Onaát Devarim", isto é, ferir alguém através de palavras. Qual das duas formas é a mais grave? Poderíamos pensar que a Onaát Mamon é muito mais grave do que a Onaát Devarim, pois quando uma pessoa é ferida verbalmente, ela não perde nenhum objeto de valor, mas quando ela passa por uma enganação monetária ela sofre uma perda real. É o que diz um famoso adesivo de carros nos Estados Unidos: "Paus e pedras podem me ferir, mas palavras nunca vão me machucar".

Porém, o Talmud (Torá Oral) diz justamente o contrário e nos ensina que a Onaát Devarim é mais grave do que a Onaát Mamon por três razões diferentes. Em primeiro lugar, é fácil notar quando alguém está tentando ser desonesto com o dinheiro dos outros, mas é difícil perceber as reais intenções de quem quer prejudicar outra pessoa verbalmente. Portanto quem é desonesto está ciente de que as pessoas provavelmente irão perceber que ele está fazendo algo errado. Se mesmo assim a pessoa faz o erro, demonstra que não tem temor de D'us, mas que também não tem nenhum medo do que as pessoas pensarão de suas ações. Porém uma pessoa que prejudica outras com a sua fala em geral o faz de forma escondida, demonstrando que teme mais as outras pessoas do que D'us. É por isso que no versículo sobre Onaát Devarim está escrito "tema a D'us", enquanto na Onaát Mamon isto não é mencionado.

Em segundo lugar, o Talmud diz que a Onaát Mamon prejudica apenas os bens materiais das pessoas, enquanto a Onaát Devarim é muito pior, pois prejudica a própria pessoa. Isto se refere especialmente a pessoas emocionalmente instáveis, cujos danos causados por um descuido de palavras pode penetrar em sua essência e causar danos irreversíveis.

O Talmud conclui com um terceiro aspecto em que Onaát Devarim é pior do que Onaát Mamon. Se uma pessoa tira dinheiro de outra pessoa de maneira enganosa, para que ele possa reparar o dano basta devolver o que ele pegou injustamente. Entretanto, quando se prejudica alguém com palavras, nenhuma quantidade de desculpas pode mudar o passado, pois as palavras não podem ser pegas de volta. É uma ocorrência comum nos relacionamentos humanos, especialmente no casamento, que algumas poucas palavras sem sensibilidade, pronunciadas em um breve momento de raiva, podem ecoar por muito tempo e causar feridas que nunca mais serão cicatrizadas. E pior do que isso, poucas palavras utilizadas de maneira prejudicial podem se tornar uma "bola de neve", aumentando ainda mais as consequências negativas, até o ponto de ser impossível desfazer o dano causado.

Estamos constantemente envolvidos em conversas com outras pessoas e, portanto, é muito fácil ferir sentimentos através de uma declaração impensada. Até mesmo uma brincadeira que fazemos sem nenhuma má intenção pode estragar uma amizade. Pelo fato de falarmos tanto, acabamos esquecendo o quão sério é a transgressão de ferir os sentimentos das outras pessoas. O Rabino Yonathan Guefen ensina uma técnica que nos ajuda a estarmos mais atentos com esta Mitzvá. Precisamos desenvolver a atitude de sermos tão cuidadosos com nossa fala como somos em outras Mitzvót. Por exemplo, em relação à Kashrut, nunca comemos algo sem verificar se a comida é realmente Kasher e, portanto, permitida para o consumo. Ninguém come impulsivamente e somente depois percebe que não era Kasher. Assim também precisamos estar sempre atentos se o que estamos prestes a lançar de nossas bocas é permitido ou não, se é construtivo ou destrutivo.

A fala é o que diferencia o ser humano de todo o restante da criação. É um presente que D'us nos deu. Facilita nossa comunicação, nos ajuda a transmitir o que queremos com objetividade. D'us criou o nosso mundo com palavras. Por que? Para nos ensinar que as palavras podem construir mundos. Em hebraico, falar é "Ledaber", que vem da mesma raiz da palavra "objeto", que é Davar". A fala, quando bem utilizada, constrói. Ao estudar Torá, ao incentivar, elogiar ou consolar alguém que precisa, ao criticar da maneira correta alguém que se desviou do caminho, estamos nos comportando como D'us e criando mundos espirituais. Mas ao mesmo tempo a fala mal utilizada destrói. Destrói boas amizades, acaba com bons casamentos, pode destruir vidas e mundos espirituais. O nosso Beit Hamikdash foi destruído pelo Lashon Hará, o mal uso da fala.

Ensinam nossos sábios que se as palavras valem prata, o silêncio vale ouro. Por isso, em muitos casos, se não vamos dizer algo construtivo, vale a pena ficar em silêncio.

"Três coisas não voltam atrás: a flecha atirada, a oportunidade perdida e a palavra pronunciada"

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm