Nesta semana lemos a Parashá Reê (literalmente "Veja"), que traz diversos assuntos importantes mencionados por Moshé em seus últimos discursos de despedida. Ele ressaltou a santidade da Terra de Israel e a necessidade de arrancar pela raiz todas as idolatrias e costumes imorais dos habitantes da terra. Justamente pelo fato de a Terra de Israel ser tão sagrada, qualquer comportamento inadequado poderia levar à expulsão do povo judeu, como estava por acontecer com os sete povos que viviam lá, que seriam expulsos justamente por seu comportamento inadequado. Moshé também advertiu o povo judeu para que eles não acrescentassem ou diminuíssem nenhum dos ensinamentos da Torá, em uma tentativa de adequá-la às suas próprias necessidades. Não é a Torá que deve se adequar a nós, e sim nós que devemos nos adequar aos ensinamentos e estilo de vida da Torá. Moshé nos garantiu que todo aquele que andar nos caminhos da Torá terá uma vida de Brachót, enquanto aquele que se desvia terá uma vida de Klalót e dificuldades. Um dos assuntos importantes trazidos na nossa Parashá é a Kashrut. Este é um assunto de extremo impacto em nossas vidas, pois tudo o que consumimos tem uma parte material e uma parte espiritual. Quando consumimos alimentos que não são Kasher, impurificamos nosso corpo e nosso coração, dificultando nossa conexão com D'us e a compreensão dos assuntos espirituais. Não é fácil se adaptar a uma "dieta espiritual" com tantas restrições, mas a Torá nos garante que a alimentação adequada nos torna pessoas com mais santidade. A Parashá traz os sinais para identificarmos os animais que são Kasher e os que não são Kasher, em relação aos animais que caminham sobre a terra e os aquáticos. Já em relação aos pássaros não há sinais de identificação, e sim uma lista de todos aqueles que são impuros e, portanto, inadequados ao nosso consumo. Apesar de esta descrição parecer ser apenas algo técnico, a Kashrut é um assunto que contém muitas lições preciosas, que vão além dos meros detalhes do que podemos ou não comer. Algo que nos chama a atenção é o fato de, logo após ter mencionado os requisitos para que um animal seja Kasher, que são o casco completamente fendido e a característica de ser ruminante, a Torá traz uma lista de animais que não são Kasher por apresentarem apenas um dos sinais de Kashrut, como está escrito: "Mas vocês não devem comer daqueles que ruminam, nem dos que têm cascos fendidos: o camelo, o "shafan" e a "arnevet", porque ruminam, mas não têm casco fendido, eles são impuros para você. E o porco, porque tem casco fendido, mas não rumina, é impuro para você" (Devarim 14:7,8). Porém, se a Torá já havia nos ensinado que são necessários os dois sinais de Kashrut para que o animal seja considerado puro, então qual é a necessidade de "gastar" dois versículos descrevendo que os animais com apenas um sinal não são Kasher? Não é óbvio? Muitos "negacionistas" argumentam que a Torá não é um documento Divino, e sim um livro escrito por mãos humanas. Porém, ressalta o Rav Noach Weinberg zt"l (EUA, 1930 - Israel, 2009) que este ensinamento sobre Kashrut é uma das muitas provas de que a Torá não pode ter sido escrita por um ser humano, ela necessariamente foi escrita por um Ser ilimitado, que tem conhecimento pleno de tudo o que existe no universo. O Talmud (Chulin 60b), escrito há mais de dois mil anos, afirma que a Torá "gastou" versículos para escrever estes quatro animais para nos ensinar que estes são os únicos quatro animais na face da Terra que apresentam apenas um sinal de Kashrut. Se a Torá fosse realmente um documento humano, que escritor colocaria sua credibilidade em jogo desta maneira? O que ocorreria se um quinto animal fosse encontrado? Toda a credibilidade da Torá teria sido destruída. Porém, três milênios após a Torá ter sido entregue ao povo judeu, e com todos os modernos equipamentos e conhecimentos científicos, nunca foi encontrado nenhum animal que pudesse contradizer o que foi afirmado pela Torá. Que ser humano poderia prever que mais nenhum animal apresentando apenas um dos sinais de Kashrut seria encontrado no mundo todo? Somente este ensinamento já seria suficiente para nos encher de alegria, por percebermos o quão profunda e incrível é a nossa Torá, que traz muitas informações que seriam impossíveis de serem conhecidas por qualquer ser humano, em especial há mais de três mil anos. Porém, além de fortalecer nossa Emuná, estes versículos sobre os animais Kasher também nos ensinam uma importante lição em relação ao nosso relacionamento interpessoal. Qual é um dos maiores problemas que temos atualmente nos nossos relacionamentos? Estamos sempre reclamando de tudo, procurando sempre os defeitos, o lado negativo de cada pessoa. Isso acontece nas amizades, mas infelizmente também tem sido cada vez mais frequentes nos casamentos, o que é perceptível nas terríveis estáticas de divórcios, extremamente elevadas e que cada vez aumentam mais. Qual é a solução? A resposta está em um detalhe surpreendente das leis de Kashrut. Se prestarmos atenção nos quatro animais que a Torá classifica como impuros, em primeiro lugar são mencionados os sinais que são Kasher. Por exemplo, o fato de ser ruminante no caso do camelo, "shafan" e "arnevet", e o fato de ter a pata fendida no caso do porco, e somente depois a Torá menciona o sinal que o desqualifica de ser Kasher. Por que a Torá não foi direto ao ponto, mostrando qual é o sinal que caracteriza o animal como impuro? Afinal, mencionar o sinal Kasher é completamente irrelevante nestes casos, devido à outra característica que os desqualifica! Explica o Midrash que a Torá está nos transmitindo uma mensagem maravilhosa. Mesmo quando a Torá nos diz que um porco ou um camelo não são Kasher, inicialmente nos mostra suas características louváveis. Mesmo quando a Torá diz que algo é proibido para o nosso consumo, ainda assim se esforça para apresentar primeiro uma característica positiva. Isso nos transmite um incrível ensinamento de vida: ao olhar para as outras pessoas, ou até mesmo para as situações que surgem em nossa vida, devemos começar buscando as características positivas, as qualidades. Isso nos ajudará a ver as pessoas e situações com outros olhos. Ensina o Rav Yssocher Frand que precisamos sempre nos assemelhar a D'us em Sua bondade e misericórdia. Mesmo ao descrever um animal impuro, D'us tenta encontrar algo bom para dizer a respeito desse animal. Muito mais devemos, ao olhar para outro ser humano, apesar dos seus defeitos e erros, nos esforçar para encontrar coisas positivas para falar, antes de fazer qualquer análise negativa. Infelizmente acabamos acostumando, desde crianças, a procurar as falhas, os defeitos e a parte negativa nos outros. É por isso que a mensagem da Torá é tão atual e importante. Ao olharmos para alguém ou para uma situação, devemos tentar ressaltar o positivo, os bons valores, antes de procurar os defeitos. Perceberemos que as pessoas têm muito mais qualidades que defeitos, e isso afetará positivamente nossos relacionamentos. A pessoa perceberá, por exemplo, que não está casada com um "defeito ambulante", e sim com uma pessoa maravilhosa que, como todos nós, tem alguns pequenos defeitos a serem consertados. Então o mundo parecerá um mundo melhor. Não porque o mundo terá mudado, mas porque teremos mudado os nossos olhos. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |