Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Tazria (literalmente "Concebe") e Metsorá (literalmente "Pessoa atingida pela doença espiritual Tzaraat"). As duas Parashiót falam de muitos tipos de impurezas que podem atingir as pessoas, mas o foco principal é a Tsaraat, uma doença espiritual com manifestações físicas que atingia as pessoas como consequência de alguns tipos específicos de transgressões. Nossos sábios ensinam que a palavra "Metsorá" é uma contração das palavras "Motzi" e "Rá", que significa literalmente "aquele que emite o mal". A Tzaraat vem principalmente como punição pelo mau uso da fala, em especial a transgressão do Lashon Hará, denegrir pessoas, causando perdas ou sofrimento. O Lashon Hará é uma das transgressões mais graves que um judeu pode fazer, e está associado à destruição do nosso Segundo Beit Hamikdash, há quase dois mil anos. Por continuarmos falando Lashon Hará, ainda não tivemos o mérito de reconstruí-lo. Um dos maiores indicadores da gravidade dos erros que causavam a Tzaraat está na complexidade do processo de cura e purificação, que envolve, entre outras coisas, o isolamento fora do acampamento ou fora da cidade, a oferenda de Korbanot, raspar todos os pelos do corpo e mergulhar na Mikve. Há mais uma parte muito interessante neste processo, que é descrito pelo versículo: "E o Cohen ordenará, e pegará aquele que se purifica (da aflição de Tzaraat) dois pássaros vivos e puros" (Vayikrá 14:4). O Zohar comenta, de forma enigmática, que um dos pássaros expia pelo mau uso da fala e o outro expia pelo bom uso da fala. Mas o que isso significa? É fácil entender que o mau uso da fala cria a necessidade de uma expiação espiritual, já que toda transgressão causa uma "mancha" em nossa alma que precisa ser removida. Porém, por que é necessário um pássaro para expiar o bom uso da fala? Há algo de errado em usar a nossa fala para o bem? O Rav Yssocher Frand shlita explica que há dois motivos pelos quais uma pessoa pode ser afligida com Tzaraat: por falar mal de alguém e por usar de maneira imprópria um dos nossos maiores dons, a fala, que diferencia os seres humanos de todo o resto da criação. Usar de maneira imprópria o dom da fala significa abster-se de pronunciar boas palavras quando isso é necessário. E por que isso é tão grave? Pois assim como fofocas podem destruir um casamento, uma sociedade ou uma amizade, palavras de encorajamento e amizade podem trazer de volta à vida uma pessoa deprimida, solitária e desanimada. Às vezes, simplesmente deixar de dizer aquele pequeno elogio, um simples "bom dia", "como você está?", "obrigado" e "bom trabalho" pode destruir uma pessoa. Todos nós conhecemos os terríveis efeitos do mau uso da fala. Mas a grande novidade trazida pelo Zohar é que a transgressão de Lashon Hará inclui tanto o "falar mal" quanto a omissão do "falar bem". Às vezes, deixar de oferecer uma palavra de elogio, apoio ou incentivo pode ser tão destrutivo quanto falar mal de alguém. Talvez possamos expandir essa ideia ao entender que essas duas transgressões, isto é, falar mal e deixar de falar bem, na verdade vêm da mesma raiz. Se analisarmos a natureza profunda da transgressão do Lashon Hará, descobriremos que são, na verdade, duas faces da mesma moeda. Quando queremos descobrir a raiz de algo na Torá, uma possível abordagem é procurar onde isso aparece pela primeira vez. Ao examinar o que aconteceu na primeira menção de algo, encontramos a chave para entender o que tal Mitzvá ou transgressão realmente significa. E a primeira vez que encontramos o conceito de "falar mal" na Torá é com a Serpente que estava no Gan Éden. Chavá recusou a sugestão da Serpente de comer o fruto da Árvore do Conhecimento do bem e do mal, explicando que D'us os havia proibido de comer. A Serpente rejeitou a proibição de D'us, apresentando-a como uma trama sinistra: "D'us sabe que no dia em que comerem desse fruto, seus olhos se abrirão e vocês se tornarão como D'us" (Bereshit 3:5). Rashi explica que o argumento da Serpente foi: "Todo profissional odeia concorrência. D'us comeu dessa árvore e somente então adquiriu o conhecimento para criar o mundo. Ele é invejoso e não quer que vocês tenham a mesma capacidade. Foi por isso que Ele proibiu vocês de comer". Adam estava na melhor situação possível e imaginável. Estava no Gan Éden, sendo servido por anjos. Nada poderia ser melhor. Mas então veio a Serpente e argumentou: "Não é tão perfeito assim. Você não tem o fruto da Árvore do Conhecimento do bem e do mal, você não é como D'us!". A Serpente olhou para uma situação quase perfeita e encontrou uma falha. Ela focou apenas no defeito. Esta é a essência do Lashon Hará. Não é tanto uma transgressão da boca, trata-se muito mais de uma falha na forma de perceber as coisas. Pode-se olhar para outra pessoa e ver um bom sujeito, com talentos e realizações, ou pode-se olhar para a mesma pessoa e enxergar apenas suas falhas. A pessoa que faz Lashon Hará é justamente aquela que tem uma visão distorcida do mundo. A raiz dessa transgressão é sempre procurar o mal, o negativo, a falha, ao invés de enxergar o bem, o positivo, a qualidade. O copo daquele que costuma fazer Lashon Hará está sempre meio vazio, nunca meio cheio. Outro exemplo clássico de Lashon Hará na Torá envolve os homens que foram escolhidos para espionar a Terra de Israel. Os frutos da terra eram enormes e deliciosos. D'us havia ocupado os habitantes locais com funerais para que os espiões não fossem notados. Mas o que os espiões viram? "Uma terra que consome seus habitantes" (Bamidbar 13:32). É preciso um talento perverso para encontrar maldade em uma situação com tantos indicadores de perfeição. E se alguém questionar que era quase impossível julgar aquelas situações de forma positiva, dois dos doze espiões, Calev e Yehoshua, conseguiram. Eles demonstraram que sempre é possível procurar algo positivo e bom em cada situação. Portanto, a referência do Zohar às transgressões de "falar bem" e "falar mal" são, na realidade, referências ao mesmo conceito. A razão pela qual falamos mal de alguém é porque não conseguimos enxergar o bem nos outros, por focarmos apenas no negativo. Da mesma forma, quando alguém faz algo bom e um simples elogio poderia fazê-lo se sentir valorizado, somos incapazes de oferecer esse elogio. Isso também provém da mesma visão distorcida, a incapacidade de ver e apreciar o bem nos outros. Lashon Hará se resume à mesquinhez de percepção. O Rabeinu Yoná zt"l (Espanha, 1200 - 1263), ao explicar o versículo "O tolo zomba da culpa, mas entre os retos há boa vontade" (Mishlei 14:9), cita uma parábola: "Dois homens passaram por uma carcaça que estava podre. Um deles disse: 'Que cheiro horrível!', enquanto o outro disse: 'Veja como os dentes são brancos'". O primeiro é chamado de tolo e o segundo de reto. O fato de o primeiro ter notado algo negativo não significa que ele seja mau, mas sim tolo, pois alguém que foca apenas no negativo torna-se uma pessoa negativa, destrutiva e amarga. Aquele que fala Lashon Hará causa, acima de tudo, um impacto negativo sobre si mesmo. Precisamos nos esforçar para ver sempre o bem, o positivo. Além de não causar dano, podemos dar vida para as pessoas. Para sermos completos, devemos seguir a fórmula de David Hamelech: "Se afaste do mal e faça o bem" (Tehilim 34:15). SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |