Nesta semana lemos a Parashá Noach, que descreve um dos episódios mais tristes e sombrios da história da humanidade. Dez gerações após a criação do primeiro ser humano, Adam Harishon, a humanidade já havia se corrompido tanto que D'us decidiu apagar do mundo todos os habitantes através de um Dilúvio. Somente Noach encontrou graça aos olhos de D'us e mereceu ser poupado, junto com sua família. Quando o Dilúvio terminou e Noach finalmente pôde sair da arca, após um ano, ele enfrentou a difícil tarefa de reconstruir o mundo. Ele começou plantando um vinhedo, atitude que teve consequências terríveis, como está escrito: "E Noach, o homem da terra, começou e plantou um vinhedo. E ele bebeu do vinho e ficou bêbado, e ele se despiu dentro de sua tenda" (Bereshit 9:20,21)". A linguagem "Vayachel" pode ser traduzida como "E começou", mas também significa "se degradou". A Torá está criticando fortemente a decisão de Noach de ter plantado um vinhedo como seu primeiro ato na reconstrução do mundo. Mas o que havia de tão grave nisso? O vinho é uma bebida especial e faz parte de praticamente todas as cerimônias judaicas, como o Brit Milá, o casamento, o Shabat e as Festas. O vinho tem o poder de causar alegria no ser humano e pode ajudá-lo a se sentir mais próximo de D'us. Entretanto, Rashi (França, 1040 - 1105) ressalta que Noach deveria ter começado a plantar algo que fosse mais urgente para a reconstrução do mundo. Outros comentaristas dizem que o vinho pode ter efeitos muito negativos quando usado incorretamente, como ocorreu neste incidente. Portanto, Noach deveria ter plantado algo que tivesse menos chance de causar danos ao mundo que estava sendo reconstruído. Porém, a maior dificuldade em relação a este incidente é que Noach era um grande Tzadik, conforme a própria Torá atesta: "Noach era um Tzadik, perfeito em sua geração. Noach andava com D'us" (Bereshit 6:9). É impossível, portanto, abordar seu erro de maneira superficial, como se ele fosse um desocupado que bebia de forma descontrolada. Qual foi, portanto, a intenção de Noach ao plantar o vinhedo? E por que seu primeiro ato na reconstrução do mundo foi justamente este? O Rav Meir Rubman zt"l (Israel, século 20) explica que quando Noach saiu da Arca, se deparou com uma destruição incrível. O mundo inteiro em que ele viveu havia sido completamente destruído e todas as criaturas estavam mortas. Ele naturalmente se sentiu devastado e desanimado com essa cena chocante. Ele sabia que tais sentimentos não contribuiriam para trazer espiritualidade a este novo mundo, conforme ensinam nossos sábios que a Presença Divina só pode estar presente em meio à alegria de fazer a vontade de D'us. Sabendo que o vinho tem a capacidade de alegrar uma pessoa, ele decidiu plantar um vinhedo e usar o vinho que iria beber como um meio de trazer a Presença Divina para a Terra. Porém, se as intenções de Noach eram tão nobres, por que suas ações tiveram consequências tão negativas? Se toda a sua intenção era trazer espiritualidade para o mundo, por que a Torá utilizou a expressão "E se degradou"? O Rav Elazar Simcha Wasserman zt"l (Império Russo, 1899 - Israel, 1992) explica que, misturadas com as boas intenções de Noach, havia outras intenções menos nobres que influenciaram negativamente sua decisão de como recomeçar o mundo. Mas que intenções negativas eram estas? Diante de uma dor tão terrível, Noach sentiu a necessidade de se distrair da triste situação que agora enfrentava e, por isso, decidiu plantar um vinhedo, cujo vinho oferecia uma forma de escapar da forte dor que sentia. Esta escolha foi considerada um erro para alguém da grande estatura de Noach e, portanto, teve resultados negativos. A Torá o critica pois, ao enfrentar um mundo destruído, ele deveria primeiro ter se concentrado na reconstrução, ao invés de se concentrar na fuga da realidade. A Torá não diz que Noach cometeu uma transgressão terrível. Ele tinha o potencial de fazer algo sagrado e elevado, mas acabou fazendo algo que era "Chol" (mundano), o que é enfatizado pela linguagem utilizada para descrever o erro de Noach, "Vayachel", que literalmente significa algo mundano, no qual falta santidade e grandeza espiritual. Cerca de setenta anos atrás, muitas pessoas enfrentaram um teste muito difícil, um "dilúvio em suas vidas". O Holocausto destruiu milhões de vidas. Comunidades inteiras foram devastadas e muitas pessoas perderam toda a família. Certamente aqueles que sobreviveram a esta situação tinham uma tendência muito forte para "escapar da realidade" em algum nível. No entanto, certos indivíduos imediatamente se comprometeram a reconstruir o povo judeu. Gigantes espirituais, como o Rav Yossef Shlomo Kahaneman zt"l (Império Russo, 1886 - Israel,1969), mais conhecido como Ponevicher Rav, e o Rav Yekutiel Yehudá Halberstam zt"l (Polônia, 1905 - Israel, 1994), mais conhecido como Klausenberger Rebe, perderam toda a família no Holocausto, mas ainda assim encontraram forças para embarcar no imenso desafio de reconstruir o povo judeu. O Rav Yissochar Frand traz outro exemplo comovente de alguém que evitou a tentação de escapar da realidade no mundo pós-Holocausto. O Rav Joseph Rosenberg zt"l sobreviveu e foi viver nos Estados Unidos. Ele percebeu que havia uma Mitzvá em particular que havia sido completamente negligenciada: a verificação de Shatnez (mistura de lã e linho) nas roupas. Ele criou sozinho os laboratórios de verificação de Shatnez e, por várias décadas, verificou centenas de milhares de roupas. Ele sobreviveu a mais de um Holocausto. Um era o Holocausto físico do povo judeu, e o outro era a destruição espiritual, o abandono completo de uma Mitzvá. Explica o Rav Yehonatan Gefen que temos que agradecer que nossa geração não tem que lutar contra uma destruição comparável à do Dilúvio ou do Holocausto. No entanto, também enfrentamos a destruição espiritual do povo judeu em vários níveis. O povo judeu se depara com a maior destruição espiritual de sua história. Estima-se que mais almas judias foram perdidas para a assimilação e a apatia espiritual nos últimos setenta anos do que no Holocausto. Esta destruição é menos aparente e chocante do que o Holocausto, mas o dano que está causando é imenso. Existem muitos caminhos diferentes para ajudar os judeus afastados da Torá e das Mitzvót, mas o mais importante é a decisão de não tentar escapar do problema dizendo "não posso fazer nada". Todos conhecem pessoas que se deparam com suas próprias tragédias individuais. Pessoas que não conseguem sustentar suas famílias, que sofrem de terríveis doenças, rapazes e moças que não conseguem casar, pessoas divorciadas ou viúvas que se sentem sozinhas e desamparadas. A lista é interminável. Quando encontramos pessoas assim, temos duas opções: escapar ou construir. Não é suficiente apenas se sentir mal por elas e dizer "coitadas". Devemos nos esforçar para ajudar de todas as maneiras que forem possíveis. Por exemplo, se alguém perdeu o emprego, podemos usar nossos contatos para ajudá-lo a encontrar um novo emprego. Ou se uma pessoa não consegue encontrar alguém para casar, então podemos gastar um pouco de tempo pensando se conhecemos algum parceiro adequado em potencial. Até mesmo dedicar nosso tempo para fazer Tefilá ou ler Tehilim pelas pessoas com dificuldades é uma grande contribuição que podemos fazer aos outros. Ao longo da vida, enfrentamos dificuldades e perdas. Esses eventos podem ser muitas vezes traumáticos e desafiadores, causando uma reação natural de querer escapar da dor da situação. No entanto, um sinal de grandeza é fazer um esforço para reconstruir e seguir em frente com nossas vidas. Aprendemos isso de um acontecimento registrado no Sefer Yoná. Uma terrível tempestade ameaçava destruir o navio onde o profeta Yoná estava viajando. Em meio a esse tumulto, os marinheiros encontraram Yoná dormindo em sua cabine. O marinheiro chefe perguntou a Yoná: "Por que você está dormindo? Levante-se e chame seu D'us!" (Yoná 1:6). O marinheiro chefe estava dizendo a Yoná: "Como você pode dormir em uma situação como esta? Faça algo!". Da mesma forma, devemos nos perguntar: por que estamos dormindo durante os eventos tumultuosos que nos cercam? Que possamos nos esforçar para reconstruir, e não escapar, das dificuldades da vida. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |