Nesta semana lemos a Parashá Bô (literalmente "Venha"), que descreve as últimas três Pragas que D'us mandou sobre o Egito: Gafanhotos, Trevas e Morte dos primogênitos. A Parashá nos ensina que depois da décima Praga, o Faraó não aguentou mais e, completamente humilhado e destruído, permitiu a saída do povo judeu. Era o fim de 210 anos de uma escravidão pesada, tanto fisicamente quanto psicologicamente. D'us havia vingado o povo judeu, pois todas as Pragas foram "Midá Kenegued Midá" (medida por medida), isto é, exatamente da mesma forma como os egípcios haviam causado sofrimentos ao povo judeu, assim também eles foram castigados. As dez Pragas contém algumas características muito interessantes. Por exemplo, elas são divididas em três grupos. As três primeiras Pragas (Sangue, Sapos e Piolhos) demonstraram o poder de D'us sobre o que estava nas águas e na terra. As três Pragas seguintes (Animais ferozes, Peste e Bolhas) demonstraram o poder de D'us sobre tudo o que caminha sobre a terra. Finalmente, as próximas três Pragas (Granizo, Gafanhotos e Trevas) demonstraram o poder de D'us sobre tudo o que vem do céu. A última Praga, Morte dos primogênitos, continha elementos de todas as nove Pragas anteriores. Além disso, as Pragas também continham outro detalhe curioso. Em cada grupo, as duas primeiras Pragas vinham com uma advertência antes de serem aplicadas, dando ao Faraó a opção de evitá-las. Porém, a terceira Praga vinha sem aviso, como ocorreu com os Piolhos, Bolhas e Trevas. Nossa Parashá começa com as palavras "E disse D'us a Moshé: 'Venha ao Faraó'" (Shemot 10:1). De acordo com Rashi, D'us estava novamente ordenando a Moshé que viesse advertir o Faraó antes da aplicação da oitava Praga, a Praga dos Gafanhotos. Onde e quando eram feitas estas advertências? Na Parashá da semana passada, Vaerá, está explícito o local e o momento no qual a advertência acontecia: "Vá ao Faraó pela manhã, quando ele estiver saindo para a água, e posicione-se diante dele na beira do Nilo" (Shemot 7:15). Por que os encontros aconteciam no Rio Nilo, e logo de manhã cedo? O Faraó era uma pessoa extremamente perversa, um ser humano desprezível, com péssimos traços de caráter. Uma das suas piores características era a arrogância. O Faraó, em seu orgulho, se autointitulava um deus, e dizia abertamente que ele havia criado o rio Nilo, uma das maiores divindades egípcias. Para suportar seu argumento de que ele era um deus, o Faraó dizia para as pessoas que não precisava fazer necessidades fisiológicas, como necessitam os seres humanos normais. Mas como ele conseguia fazer isso? Durante todo o dia ele se segurava e, pela manhã, logo cedo, ele se levantava para se banhar no rio Nilo. Naquele momento, imerso nas águas, ele aproveitava para fazer suas necessidades sem que ninguém pudesse ver. Desta maneira ela mantinha o "mito" de que era um deus, acima dos seres humanos normais. Este é o motivo pelo qual D'us mandava Moshé falar com o Faraó de manhã cedo, ao lado do rio Nilo, justamente para dar um flagrante no Faraó. O Faraó podia enganar as pessoas, podia manter por anos seu "teatro de deus", mas ele não podia enganar D'us. Ao enviar Moshé logo pela manhã, é como se D'us estivesse mandando a seguinte mensagem: "Faraó, Eu sei o que você faz no rio Nilo todos os dias pela manhã. Você não é um deus, você é uma farsa, apenas um ser humano normal que engana as pessoas". Mas a verdade é que o Faraó não enganava apenas as outras pessoas, ele enganava a si mesmo. Pessoas que estão dominadas pelo desejo de poder e controle acabam perdendo a percepção correta das coisas e terminam se iludindo, achando que realmente estão acima dos outros e que podem controlar tudo e todos. O Faraó realmente acreditava que era um ser superior, e que merecia todos os tipos de honras. Por isso as Pragas doeram ainda mais no Faraó, pois além dos sofrimentos físicos, houve o sofrimento psicológico de "cair na real" e perceber que, na verdade, ele não tinha absolutamente nenhum poder, e não conseguia fazer nada contra o poder de D'us. O orgulho o levou à obstinação, causando ainda mais sofrimento, a si mesmo e a todo o seu povo. Mas o que leva uma pessoa a ser tão orgulhosa e obstinada? Uma das causas principais é um traço de caráter muito negativo, chamado "Kfiat Tová", isto é, ser ingrato, não saber reconhecer as bondades recebidas. A Torá nos ensina que o Faraó "se esqueceu" de todas as bondades que Yossef havia feito, quando ele interpretou os sonhos do Faraó e salvou todo o Egito de uma terrível morte durante os anos de seca. Além disso, aquele que é ingrato com as pessoas também acaba se tornando ingrato com D'us. Quando Moshé foi falar com o Faraó, para pedir em nome de D'us a libertação do povo judeu, o Faraó respondeu "Quem é D'us?". Mas quando Yossef interpretou os sonhos do Faraó, ele ressaltou muitas vezes que D'us era o responsável pela interpretação. Certamente o Faraó sabia quem era D'us, e toda a bondade que Ele havia feito, mas preferiu ignorar, fingindo que não se lembrava. O Faraó era, portanto, o símbolo de uma pessoa mal agradecida. Moshé representa justamente o contrário de tudo isso. Ele é o símbolo da humildade e do Hakarat Hatov, ser agradecido, reconhecer o bem que recebemos. As três primeiras Pragas não foram trazidas por ele, e sim por Aharon, pois as duas primeiras Pragas foram realizadas golpeando o rio Nilo, que havia salvado sua vida quando ele era um bebê, enquanto a Praga dos Piolhos foi realizada golpeando a areia do Egito, a mesma areia que havia protegido sua vida, quando ele matou um soldado egípcio que golpeava covardemente um judeu e escondeu o corpo na areia. O mais incrível ocorreu quando Moshé teve que fugir para Midian, para salvar sua vida, quando o Faraó descobriu que ele havia matado o soldado egípcio. Lá, ele salvou as filhas de Itró das mãos dos pastores, que queriam fazer mal a elas. Quando elas chegaram em casa, assim descreveram Moshé para Itró: "Um egípcio nos salvou" (Shemot 2:19). Por que Moshé não as corrigiu e disse que era hebreu? Pois para Moshé elas estavam falando a verdade. Se não fosse o egípcio que Moshé havia golpeado, ele não teria fugido para Midian e não teria salvado as filhas de Itró. Moshé percebeu, portanto, que foi por causa daquele egípcio que a salvação aconteceu. Moshé fez questão de colocar o personagem da ação em evidência, reconhecendo o bem que lhe fizeram, ao invés de tomar para si as glórias. Moshe é o símbolo do Hakarat Hatov e da humildade, dando o verdadeiro reconhecimento àquele que merece. O Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) ressalta ainda que daqui aprendemos o alto custo da arrogância. Do comportamento do Faraó vemos como as pessoas que procuram a honra o fazem de uma maneira irracional, algumas vezes até mesmo insana. Será que conseguimos imaginar quanto desconforto sofreu o Faraó em sua vida, apenas para manter a falsa imagem de que era um deus? Cada dia ele sofria muito fisicamente, prejudicando sua saúde e seu conforto. E o que ele ganhava com isso? Muito pouco. Ele era um rei absoluto, tinha poderes quase ilimitados. Praticamente não haveria diferença se as pessoas o respeitassem como um ser humano poderoso ou como uma entidade divina. Tudo o que ele conseguiu foi um pouco mais de honra e aprovação, porém a um custo muito elevado. Explica o Rav Zelig Pliskin que quando observamos esta atitude do Faraó, vemos o quão ridículo é causar a si mesmo tanto sofrimento apenas para obter um ganho ilusório. Quem vive em busca de honra acaba sofrendo, e fica ainda mais difícil para a pessoa apreciar as coisas boas que tem na vida. Já a pessoa humilde vive melhor, satisfeita com o que tem e agradecida por tudo o que recebe dos outros e de D'us. Vencer o nosso ego é, portanto, a receita tão procurada para alcançarmos a tão sonhada felicidade na vida. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |