Nesta semana lemos a Parashá Noach. Apenas dez gerações após a criação do mundo, a humanidade já havia se corrompido completamente, a ponto de D'us querer destruir toda a humanidade. Somente Noach e sua família encontraram favor aos olhos de D'us e foram poupados. D'us ordenou que Noach construísse uma arca gigantesca, que seria utilizada para salvar sua família e poucos animais de cada espécies, para que pudessem repovoar o mundo. Noach foi, portanto, o responsável por salvar a humanidade e os animais. Na Parashá Bereshit vimos que originalmente os seres humanos deveriam se alimentar apenas de vegetais, como está escrito "E D'us disse: "Eis que dei a vocês todas as ervas que dão sementes e que estão sobre a superfície de toda a Terra, e todas as árvores que têm sementes que dão frutos; elas serão como alimento para vocês" (Bereshit 1:29). Porém, tudo mudou após o Dilúvio, e a nossa Parashá ensina que tornou-se permitido aos seres humanos comer carne, como está escrito: "Toda criatura que vive será sua para comer; como acontece com a grama verde, Eu lhe dou tudo isso" (Bereshit 9:3). Por que esta mudança? Pois como o ser humano havia salvado a vida de todos os animais, passou a ser o "dono" deles e poderia, inclusive, consumir a carne deles. Porém, a Torá nos proibiu de consumir o sangue dos animais, como está escrito: "Você não deve, entretanto, comer carne que contenha seu sangue" (Bereshit 9:4). E, logo em seguida, a Torá traz um versículo um pouco enigmático: "Mas, para o seu próprio sangue, Eu exigirei um ajuste de contas: exigirei isso de todos os animais; também da humanidade exigirei um acerto de contas pela vida humana, de todos, uns pelos outros" (Bereshit 9:5). O que a Torá está ensinando? De acordo com o Rav Ovadia Sforno zt"l (Itália, 1475-1550), D'us estava advertindo o ser humano de que havia uma enorme diferença entre os seres humanos e os animais. É como se D'us estivesse dizendo: "Embora Eu não vou puni-lo por derramar sangue dos animais, vou responsabilizá-lo por derramar o sangue de outros seres humanos. Todos os seres humanos são mais preciosos para Mim do que as vidas dos animais". Este é um ensinamento extremamente importante, em especial na nossa geração, que às vezes confunde as prioridades. Muitos se sensibilizam mais com a situação de animais abandonados do que com a situação de pessoas que vivem na rua, completamente abandonadas e sem receber nenhum tipo de assistência. Já Rashi explica este versículo de outra maneira, afirmando que trata-se de uma advertência contra o suicídio, como se D'us estivesse dizendo: "Embora eu tenha permitido que você tirasse a vida dos animais, certamente exigirei o sangue daquele dentre vocês que derrama seu próprio sangue. E mesmo que alguém se estrangule, morrendo sem derramar seu próprio sangue, ainda assim ele será cobrado". Rashi está nos ensinando como a nossa vida é preciosa e, portanto, é muito grave tirar uma vida, mesmo que seja a própria vida. Normalmente quem cogita cometer suicídio é alguém que está passando por sofrimentos e enfrentando dificuldades, a ponto de chegar à conclusão de que não vale mais a pena viver. Porém, precisamos saber que tudo vem de D'us, exatamente sob medida, até mesmo as dificuldades e sofrimentos. D'us não manda um teste que não podemos passar, Ele não coloca sobre nós um peso que não podemos suportar. Além disso, sabemos que D'us é infinitamente bondoso e misericordioso. Portanto, mesmo nas dificuldades e sofrimentos estão escondidas bondades. O problema é que, na maioria das vezes, não conseguimos enxergar estas bondades por causa das nossas limitações. Olhamos os acontecimentos de uma forma equivocada, imediatista, somente relacionando com o que nossos olhos conseguem enxergar. Porém, há implicações muito maiores, principalmente espirituais, em tudo o que ocorre. Por exemplo, quando acontece algum sofrimento ou dificuldade, devemos saber que talvez deveríamos passar por algo ainda mais doloroso, mas D'us diminuiu nosso sofrimento. Alguém que sofreu um pequeno acidente de carro, apenas com danos materiais, questiona a bondade de D'us. Ele não consegue enxergar que aquele pequeno acidente o impossibilitou de chegar a um local adiante, onde sofreria um acidente muito maior, no qual perderia a vida. Portanto, aquele acidente pequeno foi uma enorme bondade, que salvou sua vida, mas seus olhos não conseguem enxergar. Além disso, cada sofrimento traz "Kapará", uma limpeza espiritual. Quando uma pessoa faz uma transgressão, causa uma mancha em sua alma. Isso é algo que nossos olhos também não conseguem enxergar. Para que um dia a pessoa possa ir para o Mundo Vindouro, o lugar onde receberemos a recompensa de todos os nossos bons atos, antes ela precisa limpar sua alma. Todo sofrimento traz Kapará e contribui para a limpeza de ao menos parte destas manchas. Caso não tivéssemos estes sofrimentos e dificuldades neste mundo, a "dívida" precisaria ser paga no mundo espiritual, onde o castigo seria bem maior Finalmente, o sofrimento também pode ser um teste. D'us quer ver nossa reação diante de uma situação difícil. Ele quer saber se vamos confiar Nele. Porém, acima de tudo, quando D'us nos testa, Ele quer que cada um conheça o seu próprio potencial. Acabamos nos acomodando na vida, aceitando limites que estão muito abaixo da nossa verdadeira capacidade. As dificuldades e testes nos mostram o quão grandes nós podemos ser. Saber isso pode mudar nossa vida. Viver com Emuná é saber olhar as situações sob uma nova ótica, sempre com otimismo. Não devemos nos preocupar, pois tudo é para o nosso bem verdadeiro. E se é para o bem, devemos receber os acontecimentos difíceis com serenidade. Mas se tudo é para o bem, inclusive os sofrimentos, por que rezar para que D'us tire nossos sofrimento? Pois a Tefilá é algo tão poderoso que pode mudar completamente o nosso status. Se havia um decreto espiritual de sofrimentos, através da Tefilá podemos sair deste decreto. Através da Tefilá podemos mudar de nível espiritual. No nível anterior, o sofrimento era o melhor para nossa vida. Porém, como mudamos através da Tefilá, então a nossa situação também muda, e nesta nova situação talvez já não seja mais necessário os sofrimentos. Por isso, quando uma pessoa reza e não vê mudanças em suas dificuldades e sofrimentos, isto pode ser um sinal de que a mudança que ela está pedindo para D'us talvez não seja para o seu bem. D'us sempre escuta os nossos pedidos, mas às vezes Ele responde "não", pois somente Ele sabe o que é o melhor. Podemos agir para mudar uma situação difícil, mas sem questionamentos e sem revolta contra D'us. A última Mishná do Tratado de Brachót nos ensina: "A pessoa é obrigada a recitar uma Brachá pelo mal que lhe acontece assim como recita uma Brachá pelo bem que lhe acontece". D'us é a Fonte de toda a bondade. Mesmo o que nos parece ruim é, na verdade, uma bondade encoberta. As dificuldades são, na realidade, oportunidades de nos conectarmos a D'us. Portanto, o maior perigo espiritual do ser humano é desistir. Se a pessoa não tem claro estes conceitos espirituais, pode desistir diante das dificuldades ou, ainda pior, se revoltar contra D'us. Quando uma pessoa encontra um objeto perdido, há uma Mitzvá de devolver ao seu legítimo dono. Porém, o Talmud traz uma exceção à esta obrigação: no caso em que o objeto não tem nenhum sinal de identificação. Neste caso, o dono desiste do objeto, abre mão dele. Porém, uma pessoa só pode abrir mão do que é seu. Eu não posso desistir de algo que pertence aos outros. O mesmo vale para a nossa vida. Não podemos desistir da vida, pois ela não pertence a nós, pertence a D'us. Foi Ele quem nos criou e é Ele quem nos mantém. Por isso, que possamos utilizar nossa Emuná para enxergar, nos momentos difíceis, a Mão de D'us nos carregando e nos dando força. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |