| Nesta semana lemos a Parashat Vaishlach (literalmente "E enviou"), que descreve o tão esperado reencontro entre os irmãos Essav e Yaacov, depois de mais de 34 anos de separação. E este reencontro, que caminhava para se transformar em uma luta sangrenta, no final terminou em um abraço e uma conversa cordial, e cada um seguiu seu caminho. Antes do reencontro, Yaacov fez algumas preparações, entre elas mandar de presente para Essav uma enorme quantidade de animais como uma forma de apaziguá-lo. Essav, em um primeiro momento, não quis aceitar, como está escrito: "E Essav disse: 'Tenho muito, meu irmão. Fique com o que é seu'" (Bereshit 33:9). Yaacov então insistiu, dizendo que não precisava daqueles animais todos, como está escrito: "Agora aceite o meu presente, que foi trazido para você, pois D'us me favoreceu, e eu tenho tudo" (Bereshit 33:11). Porém, esta parece ser uma conversa trivial. Por que D'us quis que ela ficasse registrada para toda a eternidade na Torá? O Chafetz Chaim zt"l (Bielorússia, 1838 - Polônia, 1933) explica que tanto nas palavras que Essav dirigiu a Yaacov, "Tenho muito", quanto na resposta de Yaacov, "Tenho tudo", expressam-se as visões opostas que cada um deles tinha sobre o mundo material. Essav falou: "Tenho muito", querendo dizer que realmente tinha bastante, mas que nada para ele era suficiente, pois "quem tem cem deseja duzentos". Já Yaacov disse: "Tenho tudo", ou seja, não me falta nada na vida. Enquanto Essav colocava seus olhos na busca constante de acumular riquezas e aproveitar os prazeres materiais e, por isso, nunca estava satisfeito, Yaacov estava contente com o que tinha. Mas por que Yaacov disse "Tenho tudo"? Alguém pode ter tudo na vida? A mesma pergunta se aplica às incríveis palavras de David Hamelech: "Os que buscam D'us não carecem de bem algum" (Tehilim 34:10). O que David HaMelech estava nos transmitindo? Os Tzadikim não têm necessidades? O Rav Elyahu Lopian zt"l (Polônia, 1876 - Israel, 1970), costumava explicar o versículo de Tehilim com a seguinte parábola: Um homem visitou seu amigo. O anfitrião então disse: "Venha, vou lhe mostrar algo de grande valor que adquiri, um verdadeiro tesouro". Ele abriu um armário cheio de remédios, e explicou que seu médico havia ordenado que ele tomasse todos aqueles medicamentos. Eram remédios muito caros, muitos deles importados, e na cidade inteira não havia ninguém que possuísse um "tesouro" tão valioso, por isso ele se orgulhava daquele armário. Mas enquanto o dono dos remédios se gabava de sua "riqueza", o amigo pensava consigo mesmo: "Feliz sou eu, que tenho saúde e não preciso de nenhum destes medicamentos". Embora seja natural que uma pessoa sinta inveja da riqueza do seu companheiro, neste caso isso certamente não se aplica. Pelo contrário, a pessoa sentiria alegria e satisfação por não precisar daquele "tesouro". O Rav Elyahu Lopian explicava que assim também ocorre com aqueles que buscam D'us, isto é, que procuram uma vida de espiritualidade. A Torá não diz que eles possuem todo o bem, pois sabemos, pela própria realidade, que a maioria dos grandes Tzadikim vive de maneira bem modesta e certamente não possuem "todo o bem" material. Mas, por outro lado, esse "todo o bem" que o mundo deseja não lhes faz falta alguma, pois eles se alegram com sua porção. E assim está escrito: "O Tzadik come para saciar sua alma, e a barriga dos perversos sente falta" (Mishlei 13:25). "Come para saciar sua alma" nos ensina que o Tzadik está satisfeito com o que tem. Em contraste, "A barriga dos perversos sente falta" é como se lhes faltasse um segundo estômago para preencher seus desejos infinitos. E infelizmente vemos isso na prática. Há pessoas tão desequilibradas, sem controle sobre os seus desejos, que comem tudo o que têm vontade. Então, quando já estão com o estômago cheio e não conseguem comer mais, enfiam o dedo na garganta para esvaziar o estômago e poder comer novamente. Este é o sentido de "A barriga dos perversos sente falta", isto é, sempre falta espaço para suas vontades. Em diversos lugares vemos que Yaacov Avinu estava completamente desconectado do desejo por riquezas materiais. O Rav Shlomo ben Aderet zt"l (Espanha, 1235 - 1310), mais conhecido como Rashbá, explica o versículo "E amarás Hashem, teu D'us, com todo o teu coração, com toda a sua alma e com todas as suas posses" de uma maneira surpreendente. Ele ensina que estas palavras se aplicam aos nossos três patriarcas: "Com todo o teu coração" se refere a Avraham, que foi testado na velhice e suportou a dificuldade dos testes por amor ao Criador. "Com toda a tua alma" se refere a Ytzchak, pois abrange suportar todo tipo de sofrimento, até mesmo estar disposto a entregar a própria vida, para cumprir as Mitzvót. "Com todas as suas posses" se refere a Yaacov, que estava pronto a abrir mão de todo o seu dinheiro, se isso fosse necessário, para servir a D'us. E foi justamente isso que Yaacov fez. Ele desprezou as riquezas da casa de seu pai e preferiu ser um "habitante das tendas", isto é, se sentar nas casas de estudo de Torá. Ele também disse a D'us: "Tudo o que Você me der, darei o Maasser (10%) a Você" (Bereshit 28:22). E Yaacov disse: "O túmulo que cavei para mim em Eretz Knaan, lá serei enterrado" (Bereshit 50:5). O Midrash nos ensina que a linguagem "o túmulo que cavei" se refere a Yaacov ter dado a Essav todos os bens que trouxe da casa de Lavan em troca do direito de ser enterrado na Mearat HaMachpelá. E, justamente por Yaacov ter rejeitado as riquezas e não atribuir importância alguma ao dinheiro, ele pôde dizer a Essav de boca cheia: "Tenho tudo", personificando as palavras "Os que buscam D'us não carecem de bem algum". Este é o verdadeiro conceito de riqueza, como ensinam nossos sábios: "Quem é rico? Aquele que se alegra com sua porção" (Pirkei Avot 4:1). Este conceito não é algo teórico, e sim uma forma de vivermos nossa vida, com mais significado, que traz leveza e nos ajuda a não afundarmos nas dificuldades e testes da vida. Certa vez o Rabi Shmelke de Nikolsburg zt"l perguntou ao seu mestre, o Maguid MiMezeritch zt"l, como entender o ensinamento do Talmud (Brachot 60b) "A pessoa deve abençoar pelo mal da mesma forma que abençoa pelo bem". O Maguid indicou que ele fosse ao Beit Midrash e perguntasse ao seu discípulo, o Rebe Zushia de Anipoli, pois ele ensinaria como cumprir essa Mishná, já que viveu toda a vida na pobreza extrema, com sofrimentos e dificuldades enormes. Mas o Rebe Zushia, após ser questionado, apenas respondeu: "É uma grande surpresa que o Maguid o tenha mandado perguntar justamente a mim. Esta pergunta deveria ser feita a alguém que passou por dificuldades, mesmo que por apenas um instante. Eu, porém, sempre tive apenas coisas boas, desde o dia em que nasci até hoje. Então como posso saber o que significa aceitar o mal com alegria?". Naquele momento o Rabi Shmelke entendeu o verdadeiro significado da obrigação de abençoar pelo mal da mesma forma que abençoamos pelo bem: a pessoa deve estar tão plena de alegria e aceitação que sequer percebe o mal em sua vida. A Torá não exige que vivamos na miséria, com a mesa vazia, vivendo em uma casa mofada e dirigindo um carro caindo aos pedaços. O que a Parashá está nos ensinando é que não devemos ser dependentes do mundo material, pois o materialismo vira uma doença e, como medicamentos, pode causas dependência. A felicidade verdadeira está em justamente usar de maneira equilibrada o mundo material, lembrando sempre do nosso foco espiritual e nos alegrando com o que temos. A meta na vida é controlar as nossas riquezas, e não ser controlado por elas. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |