quinta-feira, 18 de junho de 2009

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ SHELACH 5769

BS"D
QUEM DECIDE? - PARASHÁ SHELACH 5769 (19 de junho de 2009)

O rabino Eliahu da cidade de Vilna, na Lituânia, mais conhecido como o Gaon de Vilna, foi um dos maiores sábios de sua geração, e começou muito cedo a mostrar sua genialidade. Aos 6 anos ele fez a sua primeira prédica, diante de uma enorme público que se encontrava na sinagoga na noite de Shabat. E durante toda sua vida ele se destacou no estudo da Torá e no zelo que tinha pelo cumprimento impecável das Mitzvót.

Um pouco antes de Rosh Hashaná, no ano de 1797, ele adoeceu e o seu médico, um judeu religioso, veio examiná-lo. Como na época ainda não existia estetoscópio, o médico encostou o ouvido no peito do paciente para escutar seu coração e seu pulmão, mas escutou um chiado estranho. Quando levantou os olhos, viu que o rabino, mesmo no leito de morte, pronunciava palavras de Torá sem parar.

E a saúde do Gaon de Vilna foi piorando a cada dia. Era o quarto dia da festa de Sucót, e parecia que a vida dele chegava ao fim. Ele estava rodeado pelos familiares e por muitos de seus alunos, e havia pedido para que sua cama fosse levada para dentro da Sucá, onde poderia cumprir mais esta Mitzvá. De repente, o Gaon de Vilna ficou sério, segurou em suas mãos os fios do seu Tsitsit e começou a chorar muito. Os alunos se entreolharam assustados com a reação do rabino. Então, juntando todas as suas forças, ele explicou:

- Como é difícil partir deste mundo, o mundo dos atos. Aqui, com algumas poucas moedas eu posso cumprir esta linda Mitzvá de vestir o Tsitsit e com isso chegar em altos níveis espirituais de proximidade com o Criador do mundo. Mas para onde eu estou indo agora, o mundo das almas, nem com todo dinheiro do mundo eu terei esta chance.

E estas foram as últimas palavras do Gaon de Vilna.
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A Parashá desta semana, Shelach, começa nos descrevendo uma das piores tragédias que ocorreram ao povo judeu, cujas consequências ainda são sentidas até os nossos dias. Quando os judeus se aproximaram de Israel, após atravessarem o deserto, não confiaram na promessa de D'us de que a Terra era boa e exigiram o envio de espiões. Os espiões voltaram falando mal da terra, dizendo, por exemplo, que havia gigantes e cidades fortemente muradas, o que tornava sua conquista impossível. Era dia 9 do mês judaico de Av, e o povo inteiro chorou. Como o povo chorou sem motivo, D'us jurou que aquele dia seria um dia de choro para todas as gerações. E foi justamente nesta data que grandes tragédias aconteceram ao povo judeu, como a destruição dos dois Templos Sagrados e a expulsão dos judeus da Espanha e Portugal em 1492.

No final da Parashá, a Torá traz o último versículo do Shemá Israel, onde está contida a Mitzvá de Tsitsit. Se prestarmos atenção, veremos que a mesma linguagem foi utilizada nas duas porções da Torá, como se estivesse conectando os dois eventos. Quando a Torá fala sobre os espiões, utiliza a linguagem "Veiaturu", que significa "espionaram", enquanto o trecho do Shemá Israel também utiliza a mesma linguagem, quando nos comanda a não seguir nossos corações e nossos olhos ("Ló Taturu"). Qual a conexão entre o erro dos espiões e não seguir o coração e os olhos? E qual a conexão entre o erro dos espiões e a Mitzvá de Tsitsit?

Antes de tudo precisamos entender exatamente qual foi o erro dos espiões. Afinal, eles foram enviados para espionar a terra de Israel, ato necessário e comumente utilizado por líderes de vários povos antes de iniciar uma guerra de conquista. Inclusive Yoshua, que liderou o povo judeu depois de Moshé, também mandou espiões para a terra de Israel, mas a Torá não descreve este ato como algo negativo. E se o problema foi por terem falado mal da terra, muitas das coisas negativas que eles contaram eram verdade, como os habitantes gigantes e as cidades fortemente protegidas por muralhas. Então qual foi o erro deles?

Explica o livro Lekach Tov que os espiões tinham a única função de reunir informações e transmiti-las a Moshé, o líder do povo, o único que conhecia realmente o potencial dos judeus e as chances de sucesso na batalha e, portanto, o único que estava apto a tomar as decisões de forma correta. Porém, os espiões não se limitaram à sua função e tomaram sobre si a responsabilidade de chegar sozinhos às conclusões e decisões. O erro não foi terem visto gigantes, o erro foi terem decidido sozinhos que não tinham força para subir contra os povos que moravam em Israel. Além disso, eles deveriam ter contado o que viram apenas para Moshé, ao invés de causar pânico contando tudo diretamente ao povo judeu.

Apesar de tirarmos muitos ensinamentos sobre as grandes consequências do ato dos espiões, a Torá traz neste episódio um ensinamento muito mais profundo. Explicam os nossos sábios que o ser humano é considerado um "micro-cosmos", isto é, os elementos que existem no mundo também estão presentes dentro de nós. Nossa alma é composta por um verdadeiro exército de inclinações, vontades e instintos que constantemente lutam entre si. Algumas destas forças dominam, outras são dominadas. Algumas são mais fortes, outras são mais fracas. Para cada uma destas forças existe um propósito e uma função, e elas são utilizadas pelo ser humano para controlar seu corpo e sua alma.

Também no nosso "micro-cosmos" enviamos espiões para olhar o mundo material e nos ensinar sobre o lugar onde vivemos. Estes espiões são os nossos cinco sentidos, e através deles captamos as informações de tudo o que acontece à nossa volta. Todas estas informações são captadas e transmitidas ao cérebro, o nosso tomador de decisões, que baseado nestes relatos decide o que é o mais correto a ser feito em cada instante. Todo momento em que os espiões trabalham obedecendo ao "tomador de decisões", elas nos ajudam a fazer o que é correto.

O problema começa quando os nossos espiões decidem se desviar do seu trabalho e receber sobre si a tarefa de tomar decisões sozinhos. Se recebemos estas sugestões sem verificar com a nossa parte intelectual, temos grande chance de nos perder espiritualmente, pois as decisões baseadas nos sentidos têm a sua raiz no mundo material, e não são baseadas em diretrizes espirituais corretas. É por isso que é utilizada a mesma linguagem no erro dos espiões e no final do Shemá Israel, para nos ensinar que, da mesma forma como ocorreu no deserto, a fonte da maioria dos nossos erros é deixar que o coração e os olhos, os nossos "espiões", tomem as decisões, muitas vezes com graves consequências espirituais.

Para nos ajudar a não cair neste erro, D'us nos deu a Mitzvá de Tsitsit. Mas como ela nos ajuda? Quando temos algo muito importante para fazer e não queremos esquecer, amarramos um fio no dedo para que a cada instante aquele fio nos recorde da nossa obrigação. O Tsitsit também funciona assim, são os fios que nos lembram a cada instante das nossas obrigações. É a lembrança de que a única forma de cumprir o nosso objetivo é trazendo as informações captadas pelos sentidos para o lado racional, e não andar atrás das decisões dos nossos olhos e do nosso coração, que são baseadas apenas no emocional.

Tomamos decisões o dia inteiro, e precisamos prestar atenção se estamos tomando as decisões de forma racional ou emocional. E mais do que isso, as decisões racionais precisam estar embasadas nos ensinamentos da Torá, a única fonte que temos para saber o que é certo e o que é errado. Quanto mais uma pessoa estuda Torá, mais ele tem condições de tomar decisões de maneira correta.

Em hebraico, cérebro é "Moach", Coração é "Lev" e Fígado é "Caved". O cérebro representa as decisões racionais, o coração representa os sentimentos e o fígado representa os desejos. Quando colocamos na ordem correta, isto é, primeiro o cérebro e depois o coração e o fígado, as iniciais em hebraico formam a palavra "Melech", que significa "rei", pois quando é o cérebro quem comanda, temos auto-controle e reinamos sobre nós mesmos. Mas se mudamos a ordem, isto é, colocamos primeiro o coração antes do cérebro, as iniciais formam a palavra "Lemech", que significa "palhaço". Por que palhaço? Por que assim podemos estamos brincando com a nossa eternidade.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm