Nesta semana lemos a Parashá Toldot (literalmente "gerações"), que nos conta um pouco mais sobre a vida do nosso segundo patriarca, Ytzchak. Ele passou por testes muito parecidos com os testes de seu pai, Avraham, e também conseguiu deixar sua herança espiritual no mundo. A Parashá também descreve a gravidez conturbada de Rivka, nossa segunda matriarca, e o nascimento e crescimento de seus dois filhos, Yaacov e Essav. Yaacov escolheu uma vida de espiritualidade, dedicando seus dias ao estudo da Torá e ao aprimoramento de seu caráter, tornando-se um grande Tzadik e o terceiro patriarca do povo judeu, enquanto Essav se dedicou a buscar prazeres do mundo material, afundando-se nos piores níveis de transgressões e destruindo o enorme potencial que tinha recebido. Um dos pontos mais importantes da nossa Parashá foi o evento que mudou a história do povo judeu: o famoso incidente de venda da primogenitura. Apesar de Yaacov e Essav serem irmãos gêmeos, Essav nasceu primeiro e, portanto, ganhou o direito aos privilégios da primogenitura, que incluíam benefícios físicos, como o dobro da herança, e também benefícios espirituais. Yaacov tentou impedi-lo de adquirir a primogenitura no momento do nascimento, segurando-o pelo calcanhar, mas não conseguiu. Surgiu então outra oportunidade, quando eles tinham 15 anos, de reaver a primogenitura. O faminto Essav, vindo do campo após cometer uma série de graves transgressões, viu seu irmão Yaacov preparando uma sopa de lentilhas. Desesperado, ele pediu para que Yaacov vertesse "daquela comida vermelha" diretamente em sua garganta, tamanho era o seu desespero. Yaacov, aproveitando a oportunidade, propôs um negócio à Essav: seus direitos de primogenitura em troca de um prato de sopa de lentilhas. Essav, desprezando a primogenitura, concordou, e Yaacov finalmente adquiriu a primogenitura e todos os seus benefícios. Mas por que é importante a Torá nos ensinar qual era a comida que Yaacov estava cozinhando, já que para Essav não importava? Rashi (França 1040 - 1105) nos ensina que Yaacov estava cozinhando uma sopa de lentilhas pois, como naquele dia nosso patriarca Avraham havia falecido, Ytzchak estava observando as leis de luto por seu pai, e há o costume de servir lentilhas ao enlutado como primeira refeição após o enterro. Deste ensinamento de Rashi surge um enorme questionamento: não parece estranho, e até mesmo inadequado, que a questão da primogenitura surgisse novamente naquele momento particular da história? Mesmo que Yaacov realmente quisesse os benefícios da primogenitura, que incluíam questões espirituais importantes, ele não poderia ter escolhido outra oportunidade para negociar com Essav? Estavam todos enlutados pelo falecimento de Avraham, um dos pilares do mundo, que tinha acabado de falecer. Ytzchak estava sentando Shivá, cumprindo as leis de luto. Yaacov estava ocupado com uma importante Mitzvá, de preparar a refeição para um enlutado, quando Essav entrou em cena. Era somente isso que se passava na mente de Yaacov, a aquisição da primogenitura? Por que Yaacov achou importante levantar a questão sobre a primogenitura justamente naquele momento tão difícil e triste? Explica o Rav Issachar Frand que a resposta começa com o entendimento do costume de servir lentilhas ao enlutado. Servimos lentilhas para um enlutado por causa do simbolismo de sua forma. Lentilhas são redondas, como a vida, que é uma roda que está sempre girando. As lentilhas arredondadas simbolizam a natureza cíclica, entre o nascimento e a morte, o destino de todos. O luto é uma condição quase inevitável em nossas vidas, todos acabam enfrentando-o mais cedo ou mais tarde. É normal nos despedirmos dos nossos parentes mais velhos, vivenciar a troca de gerações, a partida dos mais velhos e a chegada dos mais novos. Esta experiência do luto, apesar de ser muito dolorida, é importante para o nosso amadurecimento espiritual. As pessoas muitas vezes começam a pensar sobre a vida justamente nos momentos de luto. Quando as pessoas pensam que a morte é inevitável, quando internalizam sua condição de serem mortais, começam a dar mais valor para a vida. Assim nos ensina o mais sábio dos homens, Shlomo Hamelech: "É melhor ir a uma casa de luto do que ir a uma casa de banquete, pois esse é o fim de todo homem, e os vivos devem colocar isso em seu coração" (Kohelet 7:2). Quando vamos a uma festa nos divertimos, encontramos pessoas queridas, comemos e bebemos bem. Porém, nos tornamos pessoas melhores? Já quando precisamos ir a um enterro, em especial quando é um parente ou um amigo próximo, sentimos que a vida tem um ponto final. Normalmente saímos do cemitério mais despertos e dispostos a aproveitar melhor o nosso bem mais precioso: o tempo. Em outras palavras, saímos de lá pessoas melhores. O incidente da venda da primogenitura nos ensina que a forma como um Tzadik e um Rashá veem a vida são diametralmente opostas. Yaacov olhava para a vida como: "O que eu preciso realizar? Quais são minhas responsabilidades? Como eu posso contribuir com a humanidade?". O status de primogênito significava para ele muito mais do que apenas receber uma porção dupla de herança. O status de primogênito incluía também responsabilidades espirituais. Os primogênitos eram os responsáveis por fazer o Serviço a D'us. Quando Yaacov refletia sobre a morte, o quão efêmera e passageira é a nossa vida neste mundo, ele contemplava a vida, e isso o motivava a procurar sua responsabilidade espiritual. Por outro lado, a atitude de Essav perante a vida era: "Coma, beba e seja feliz, porque amanhã morreremos. A morte é inevitável e, portanto, preciso aproveitar a boa vida enquanto posso! Aproveite agora, antes que seja tarde demais". Justamente naquele momento, enquanto Essav estava refletindo sobre a morte de seu avô e o luto de seu pai, ele começou a pensar: "Eu não quero a responsabilidade de ser o primogênito. Eu não quero "gastar" a minha vida servindo a D'us. Quero aproveitar a vida agora. Quero estar livre das responsabilidades". Por isso que naquele exato momento a venda da primogenitura foi consumada. Foi quando a enorme diferença em relação ao status do primogênito, isto é, a forma de ver a vida, surgiu à tona. Yaacov entendeu que ele deveria adquirir a primogenitura naquele exato momento no qual Essav havia decidido se livrar dela. Da Parashá aprendemos, portanto, que nossa espiritualidade pode ser medida de acordo com a forma como damos valor ao nosso tempo, às oportunidades de crescimento e às nossas responsabilidades na vida. Aquele que pensa que a vida é feita de "aproveitar os prazeres" ainda não começou a viver. Já aquele que quer aproveitar cada instante, cada oportunidade, para construir sua alma eterna e deixar sua contribuição ao mundo, entendeu de verdade o que é viver. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |