Nesta semana lemos a Parashat Vayigash (literalmente "E se aproximou"), que descreve o momento no qual Yossef, que até então estava "disfarçado" de um tirano vice-rei do Egito, finalmente se revelou aos seus irmãos. Foi um grande choque, pois foi a constatação de que os irmãos de Yossef haviam cometido um grave erro 22 anos atrás, quando eles venderam Yossef. Eles entenderam que os sonhos do Yossef eram realmente profecias de D'us e que, portanto, ele era um Tzadik, uma pessoa completamente correta. Yossef tentou consolar seus irmãos e disse a eles: "E agora, não foram vocês que me enviaram para cá, e sim D'us" (Bereshit 45:8). Porém, o que Yossef estava dizendo, que eles não haviam errado? Isto não é verdade, pois apesar da vontade de D'us sempre se cumprir, e isto ocorrer muitas vezes por caminhos que estão acima do nosso entendimento, ainda assim isto não tira a culpa deles pelas suspeitas infundadas e pelo julgamento equivocado que fizeram de Yossef. Então por que Yossef falou isto para eles? Nos ensina o Rav Yerucham Leibovitz zt"l (Bielorússia, 1873 - 1936) que em geral, após termos recebido algum favor, sentimos a necessidade de retribuir a bondade recebida. Isto nos cria, inclusive, um sentimento de endividamento com a pessoa que nos fez o favor. Porém, muitas vezes aquele que fez a bondade, querendo demonstrar que é uma pessoa de bom coração, se recusa a receber qualquer coisa em troca. Na inocência, a pessoa pensa que, ao recusar, está fazendo um louvável ato de "Achavat Chessed" (amor pela bondade). Porém, devemos refletir sobre qual é a fonte verdadeira desta recusa em receber uma retribuição pela bondade que fizemos. Será que isto vem da nossa vontade de fazer bondades completamente altruístas, sem querer receber nada em troca, ou isto vem da nossa vontade de fazer com que a pessoa que recebeu nossa bondade se torne um "devedor" para sempre e, por isso, não queremos receber a retribuição? Explica o Rav Eliyahu Dessler zt"l (Império Russo, 1892 - Israel, 1953) que o ser humano é composto basicamente por duas forças contrárias: a "Força de Doar" e a "Força de Receber". A "Força de Doar" é o altruísmo, o que nos aproxima de D'us, pois Ele é misericordioso e faz o tempo inteiro bondades sem esperar nada em troca. Já a "Força de Receber" é o egoísmo, que nos afasta de D'us. Mas algumas vezes podemos usar a "Força de Doar" mesmo quando recebemos. Por exemplo, quando a intenção da pessoa é receber algo para dar alegria ao outro, então isto provêm da "Força de Doar". Portanto, receber com alegria a retribuição de alguém com quem fizemos uma bondade, livrando-o do seu sentimento de dívida, é um teste que demonstra se nós realmente desejamos o melhor ao próximo, ou se nossa bondade foi, na realidade, um ato de egoísmo, uma vontade de mostrar, a nós mesmos e aos outros, que somos Tzadikim. Por isso, o correto é sempre permitir que a pessoa possa retribuir o favor que nós fizemos a ela, na primeira oportunidade que surgir. Nosso modelo de bondade são os atos de D'us. Ele é a bondade ilimitada e devemos nos assemelhar a Ele para atingirmos os máximos níveis de bondade e perfeição. E este tipo de comportamento, de permitir que a pessoa que recebeu uma bondade possa retribuir de alguma maneira, podemos aprender observando o Seu comportamento. Quando D'us ordenou a Moshé que o povo judeu acendesse a Menorá, assim Ele disse: "Você comandará aos Filhos de Israel, e eles pegarão para você azeite puro, prensado, para iluminação, para acender as velas (da Menorá) continuamente" (Shemot 27:20). O Midrash (parte da Torá Oral) nos ensina que quando D'us ordenou que o povo judeu acendesse a Menorá para iluminação, não era porque Ele precisava da luz, e sim para que eles pudessem retribuir a bondade que receberam de D'us no deserto, quando Ele iluminou o povo judeu por 40 anos com um pilar de fogo. Segundo o Midrash, isto elevaria o povo judeu aos olhos de todos os povos, pois eles diriam: "Vejam, o povo judeu ilumina Aquele que iluminou a todos". Em outras palavras, o Midrash está nos ensinando que D'us ordenou o acendimento da Menorá apenas para que o povo judeu pudesse retribuir a bondade que havia recebido no deserto e não se sentisse endividado. D'us não precisava daquela luz, mas Ele se comportou como se precisasse, para o povo judeu se sentir livre de sua dívida de gratidão. Esta é a forma como devemos nos comportar para fazermos uma bondade verdadeira. Este fundamento se aplica a todas as Mitzvót. D'us é perfeito e completo, Ele não precisa de nada e não há nada que possamos fazer por Ele, como afirmou Yov: "Se você for um Tzadik, o que você está dando para Ele?" (Yov 35:7). Porém, mesmo assim D'us criou o mundo de maneira que aparentemente podemos fazer coisas por Ele. Por exemplo, quando oferecemos Korbanót (sacrifícios), é como se fosse para que D'us tivesse algum proveito. Tudo isto é reflexo da bondade ilimitada de D'us, que nos faz bondades completas e não quer nos deixar com um sentimento de dívida constante, um sentimento negativo de uma gratidão que não pode se expressar de nenhuma maneira. Por isso, D'us nos deu as Mitzvót de maneira que possamos cumpri-las como se estivéssemos dando algo a Ele. Este conceito de bondade também pode ser aplicado a outro aspecto importante no nosso relacionamento interpessoal. Quando alguém nos faz algum mal e depois vem se desculpar pelo seu erro, muitas vezes respondemos: "Não se preocupe, está tudo bem, você não fez nada". Aparentemente este é um comportamento bom e bonito, mas a verdade é que é justamente o contrário. Este tipo de resposta normalmente vem de não querermos escutar as desculpas do outro, de querermos que a pessoa fique endividada e com a consciência pesada. O comportamento correto, neste caso, seria receber o pedido de desculpas e, a partir deste momento, olhar a pessoa como se ela nunca tivesse feito nada de errado. Mais do que isto, mesmo que saibamos que ela está mentindo no seu pedido de desculpas, isto é, que não está verdadeiramente arrependida e pede desculpas apenas da boca para fora, para tirar o peso da consciência, ainda assim devemos dar ao outro a oportunidade de tirar o peso da culpa de suas costas. Se a pessoa não faz isto e, quando o companheiro vem pedir desculpas ela aproveita para derramar sobre ele sua fúria e suas frustrações, é possível que, no final das contas, a transgressão daquele que foi ofendido é ainda maior do que a do transgressor. Infelizmente este entendimento está longe da grande maioria. Todos sabem que há leis no Shulchan Aruch (Código de Leis) relacionadas àquele que fez uma transgressão, isto é, de como ele deve se comportar para consertar seu erro. Porém, precisamos saber que há também leis no Shulchan Aruch relacionadas ao comportamento daquele que foi ofendido. É isto que nos ensina Shlomo Hamelech, o mais sábio de todos os homens: "Não despreze o ladrão se ele roubar para saciar seu apetite, pois ele estava faminto" (Mishlei 6:30). O versículo não está nos ensinado a nos comportarmos com bondade adicional. Este versículo é uma advertência, um aviso de que é uma transgressão tratar mal o ladrão, pois há leis de como falar com ele e como julgá-lo. Eram estas leis que Yossef estava cumprindo quando conversou com seus irmãos. Ao ver que eles estavam realmente arrependidos, em poucas palavras ele transformou o ato da sua venda, de uma atitude ruim e negativa em uma atitude boa e positiva. Yossef transformou a culpa de seus irmãos em uma situação na qual era como se ele se sentisse obrigado a agradecer a eles pelo que tinham feito. Este não foi apenas um comportamento individual de Yossef, isto é o que a Torá espera de nós. E se Yossef não tivesse se comportado desta maneira, se ele tivesse aproveitado o momento de fragilidade dos seus irmãos para despejar sobre eles suas frustrações, provavelmente sua transgressão seria tão grande quanto a deles. Perdoar aqueles que se arrependem com sinceridade e pedem perdão, e aceitar a retribuição de alguém que se sente endividado, são atos que, mesmo recebendo, no final das contas são verdadeiros atos de doação. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm
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