Na Parashá desta semana, Mishpatim (literalmente "Leis"), a Torá traz muitas leis, em especial "Bein Adam Lehaveiro" (entre a pessoa e seu companheiro), que nos ajudam a viver com justiça e harmonia. Mas por que estas leis vêm logo depois da entrega dos Dez Mandamentos no Monte Sinai, que lemos no final da Parashá da semana passada? Poderíamos pensar que estas leis "Bein Adam Lehaveiro" foram criadas por Moshé ou por sábios do povo que, com as melhores intenções, queriam garantir uma convivência pacífica e harmônica do povo. Porém, seriam apenas leis civis, limitadas, feitas por seres humanos. A proximidade dos assuntos nos ensina que, da mesma forma que os Dez Mandamentos foram entregues por D'us no Monte Sinai, assim também todas estas leis "Bein Adam Lehaveiro" vieram do Monte Sinai. Assuntos como pagamento de danos, empréstimo de dinheiro, devolução de objetos perdidos, entre outros, são ensinamentos Divinos, não humanos e, portanto, há uma enorme perfeição em cada um deles, muito acima da lógica humana. Por exemplo, um dos assuntos "Bein Adam Lehaveiro" trazidos nesta Parashá é o conceito de "Shomer". Um "Shomer" é alguém que cuida de um objeto que pertence a outra pessoa. Mas por que é necessário leis para isso? Pois quando uma pessoa assume a tarefa de cuidar de um objeto que pertence ao seu companheiro, automaticamente ela torna-se responsável por este objeto e responde perante a lei por consequências negativas que possam ocorrer. É extremamente importante ter esta claridade pois, quando falamos de um objeto, pode ser desde algo muito simples e barato, como uma caneta Bic, até algo extremamente caro, como uma Ferrari. Portanto, caso o "Shomer" seja negligente, ou até mesmo menos cuidadoso do que deveria ser, ele precisará ressarcir ao dono os eventuais danos causados ao objeto, como perda, furto, roubo ou quebra. Para entendermos o quanto isso é algo frequente em nossas vidas, quando uma pessoa pede para guardarmos um objeto enquanto ela vai resolver algo e nós aceitamos fazer esta gentileza, durante o tempo de ausência do dono nos tornamos "Shomrim" e, portanto, legalmente responsáveis por aquele objeto. Recentemente o dono de uma rara Lamborghini emprestou seu carro para que fosse feito um vídeo de um canal do Youtube. O piloto que pediu o carro emprestado acabou batendo a Lamborghini, causando um prejuízo de quase trezentos e cinquenta mil reais. O dono ameaçou processar o piloto, e ele acabou pagando o prejuízo, conforme seria o veredicto de acordo com a Torá. Os "Shomrim" se dividem em quatro categorias: "Shomer Chinam" (alguém que guarda um objeto sem receber nenhum pagamento por isso), "Shomer Sachar" (alguém que guarda um objeto, mas recebe um pagamento por isso), "Socher" (alguém que aluga, ou seja, a pessoa paga para ter proveito do objeto) e "Shoel" (alguém que pega algo emprestado, isto é, a pessoa não paga nada pelo benefício do objeto). Porém, além do conceito físico, há também uma implicação espiritual neste conceito. De uma maneira geral, todos nós somos "Shomrim", pois estamos em um mundo que pertence a D'us, e é nosso dever cuidar dele. Mas como fazemos isso? Quando Adam foi colocado no Gan Éden, recebeu o comando de "trabalhar e cuidar do Jardim". Poderíamos pensar que o versículo se refere a atos de jardinagem, mas nossos sábios explicam que se refere ao estudo da Torá e ao cumprimento de Mitzvót, pois no Gan Éden não era necessário trabalhar a terra. Através do estudo da Torá e do comprimento das Mitzvót, estamos cuidando do mundo que D'us criou. Baseado neste conceito, o Rav Yeshaia Halevi Horovitz zt"l (República Checa, 1555 - Israel, 1630), mais conhecido como "Shla Hakadosh", explica que os quatro "Shomrim" simbolizam quatro formas diferentes de servir a D'us. O nível mais elevado é o "Shomer Chinam", pois ele se propõe a guardar o objeto sem pedir nada em troca, apenas para agradar o dono. Isso se compara a uma pessoa que serve D'us com total dedicação, cumprindo as Mitzvót com o único objetivo de cumprir Sua vontade, sem esperar nenhuma recompensa em troca. O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) define esta pessoa como sendo um "Oved Meahava", isto é, uma pessoa que serve D'us por amor. O segundo nível é o "Shomer Sachar". Neste caso, a pessoa também se dedica ao máximo para cuidar e guardar o objeto do dono. Porém, ela espera algum pagamento em troca. Este nível se compara à pessoa que estuda Torá e cumpre as Mitzvót com toda a dedicação e fervor, mas esperando receber uma recompensa em troca. O terceiro nível é o "Socher", aquela pessoa cujo principal objetivo é ter proveito do objeto. Porém, para isso ela deve pagar para o dono. Isso se compara à pessoa cuja vontade principal é aproveitar os prazeres deste mundo. Porém, como ela sabe que é D'us que provê tudo, então ela estuda Torá e cumpre as Mitzvót como forma de "pagar" a D'us por todo o bem que Ele lhe dá. O quarto nível é o "Shoel", a pessoa que apenas aproveita do objeto e nem sequer sente necessidade de pagar. Isso se compara a uma pessoa que quer apenas aproveitar este mundo, e não sente sequer a necessidade de "pagar" por isso. Porém, há um detalhe interessante que chama a atenção. Vemos que o "Shoel", apesar do seu comportamento, está incluído dentro do grupo dos "Shomrim". Isso significa que não se trata de um perverso, alguém que apenas busca prazeres na vida e não cumpre suas obrigações. Trata-se certamente de alguém que cumpre Torá e Mitzvót. Porém, ele não sente ligação entre o seu cumprimento de Torá e Mitzvót com as Berachót que D'us lhe dá. Ele acredita que todas as Berachót que tem na vida vêm pelo seu esforço e pelo seu próprio merecimento. Por isso ele não sente que tem absolutamente nenhuma obrigação de "pagar". Quando nascemos, somos egoístas, só pensamos em receber, em aproveitar. Como o bebê, que acorda de madrugada com fome e não se importa de acordar seus pais para atender seus desejos, e não sabe sequer agradecer. Porém, nosso trabalho neste mundo é subirmos aos poucos de categoria, aprendendo a dar valor para tudo o que recebemos, em especial de D'us, e aprendendo sobre as nossas obrigações e responsabilidades. Uma criança nasce como um "Shoel", que quer apenas receber e não se importa com suas obrigações e responsabilidades. Conforme vamos crescendo, devemos mudar nosso comportamento, até um dia chegarmos ao nível de um "Shomer Chinam", aquele que pensa nas suas obrigações sem pensar nos seus direitos. Além da nossa obrigação de cuidar deste mundo, pois ele não é nosso, cada um de nós também é um "Shomer" da sua Neshamá, a alma que D'us nos deu, que é uma parte Dele. Devemos cuidar dela, não apenas para não contaminá-la com as coisas negativas deste mundo, mas também para elevá-la diariamente, através do estudo da Torá e do cumprimento das Mitzvót, para coloca-lá em um nível ainda mais elevado do que estava quando desceu ao mundo. Nossos sábios ensinam um interessante conceito: "Yeridá Letzorech Aliá". Literalmente isso significa "uma descida para uma necessidade de elevação". É o que fazemos, por exemplo, nas férias, quando diminuímos um pouco o nosso ritmo de estudo de Torá para descansarmos o corpo e a cabeça, mas com o único intuito de voltarmos com mais energia e estudarmos ainda melhor. Porém, podemos aplicar este conceito à nossa alma. A descida da alma para este mundo é, na realidade, para uma necessidade de elevação, para que possamos sair deste mundo, através da Torá e das Mitzvót, com ela ainda mais elevada do que entrou. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |