Estamos nos dias de Pessach, a "Época da nossa liberdade". A partir desta 5ª feira de noite (5 de abril) novamente é Yom Tov (fora de Israel, o segundo dia de Yom Tov coincide com o Shabat), pois no 7º dia após a saída do Egito ocorreu o incrível milagre da Abertura do Mar, algo que marcou a história do povo judeu e foi testemunhado por mais de 3 milhões de pessoas. Os egípcios, arrependidos por terem libertado seus escravos, saíram em sua perseguição. Os judeus, apavorados, se viram presos entre os egípcios que os perseguiam e o intransponível Mar Vermelho diante deles. Mas tudo isto era parte do "grande final" que D'us estava preparando. Os judeus puderam milagrosamente atravessar o mar caminhando em terra firme, pois as águas se abriram e ficaram firmes como se fossem paredes rígidas. Quando os egípcios foram atravessar o mar, D'us fechou sobre eles as águas, afogando todos eles e atirando seus corpos na praia, diante dos olhos de todo o povo judeu. Este último milagre foi necessário para libertar o povo judeu definitivamente da escravidão, pois apenas a saída física do Egito não havia sido suficiente para libertá-los mentalmente do sentimento de dominação. Não é difícil entender esta "prisão mental" do povo judeu. A escravidão egípcia havia sido muito pesada e longa. Mesmo no momento em que parecia que Moshé traria um pouco de descanso ao povo judeu, quando ele se levantou contra o Faraó e, em nome de D'us, foi exigir a libertação dos judeus para que pudessem ir servir a D'us no deserto, as consequências foram aparentemente catastróficas. O Faraó, ao ver Moshé reivindicar em nome dos judeus a liberdade religiosa, atribuiu a reclamação deles à preguiça, como está escrito: "Vocês são preguiçosos, preguiçosos!" (Shemot 5:17). Até então os judeus eram obrigados a fazer construções para os egípcios, mas eles recebiam o fornecimento da palha necessária para a fabricação dos tijolos de construção. A partir daquele momento o Faraó decretou, como castigo, que os judeus deveriam manter sua cota diária de tijolos, porém sem o fornecimento da palha. Isto representou aos judeus um terrível aumento dos sofrimentos. Eles precisavam correr por todo o Egito atrás da palha e, mesmo com o tempo agora muito limitado, não podiam diminuir sua cota de tijolos. Cada tijolo a menos era punido de maneira cruel e severa, levando os judeus ao desespero. Porém, se pararmos para refletir, perceberemos que este castigo aplicado pelo Faraó é difícil de ser entendido. Antes de o Faraó começar seus duros decretos de escravidão contra o povo judeu, a Torá traz uma explicação de suas motivações. Os versículos ensinam que o Faraó estava assustado com o crescimento do povo judeu, um povo que se multiplicava muito rapidamente. O temor do Faraó era que o poder dos judeus colocava o Egito em perigo iminente, pois quando qualquer povo inimigo tentasse atacar o Egito, os judeus poderiam se unir aos inimigos para expulsar os egípcios de sua própria terra. O Faraó então precisava lidar com o "problema judaico", que colocava em risco a soberania egípcia. O Faraó teve que tomar uma difícil decisão. Por um lado, os judeus eram uma "mercadoria" muito preciosa para simplesmente serem expulsos. Eram milhares de pessoas que poderiam contribuir na construção do Império. Por outro lado, eles representavam uma força muito perigosa para ser deixada sem controle. Então o Faraó, com astúcia, escravizou os judeus e utilizou-os como mão de obra, aproveitando seus talentos e neutralizando qualquer possível perigo que os judeus pudessem representar para o Império. Desta explicação trazida pela Torá percebemos que, aparentemente, a preocupação do Faraó em relação ao povo judeu era sua autopreservação e o ganho pessoal que eles teriam com o trabalho dos judeus, e não um ódio infundado. Porém, se isto era realmente verdade, por que o Faraó fez um decreto que prejudicaria a produtividade do povo judeu, como atestam os versículos que relatam que os capatazes, responsáveis por supervisionar as tarefas de construção, golpeavam os judeus por eles não terem cumprido suas cotas? Não teria sido mais produtivo para o Faraó continuar fornecendo a palha e simplesmente aumentar a cota de tijolos pela qual os judeus eram responsáveis? Isto teria causado com que os judeus tivessem que trabalhar mais horas, mas por outro lado os egípcios também sairiam ganhando, pois a produtividade dos judeus também aumentaria! Explica o Rav Yohanan Zweig que todo dono de empresa sabe que uma das maneiras mais eficientes de tornar um funcionário mais focado em seu trabalho é dar a ele mais responsabilidade, não mais trabalho. O Faraó entendeu que a razão para a agitação do povo judeu não era porque eles tinham tempo livre, mas porque suas mentes não estavam focadas no trabalho. O Faraó estava tentando escravizar suas mentes, não apenas seus corpos. Aumentar a cota de tijolos escravizaria seus corpos em um grau mais alto, mas suas mentes ainda não estariam focadas em seu trabalho. Ao exigir que eles conseguissem sua própria palha, o Faraó estava aumentando sua responsabilidade pelo produto que estavam produzindo. Assim, o povo judeu estaria mais focado em seu trabalho e menos propenso a pensar em outros assuntos. Nossos sábios explicam que o Faraó representa o nosso Yetser Hará (má inclinação). Portanto, em todas as vezes nas quais a Torá descreve o comportamento do Faraó, podemos aprender sobre as formas de ataque do nosso Yester Hará para tentar nos afastar da espiritualidade. E, infelizmente, uma das maneiras através da qual o Yetser Hará tem mais sucesso é utilizando a tática de aumentar o nosso trabalho e as nossas responsabilidades. O Yetser Hará nos induz a cada vez trabalharmos mais, a querermos mais coisas do mundo material, a ponto de não sobrar mais tempo para as nossas famílias, para a nossa espiritualidade e para as nossas próprias reflexões. Fazemos faculdades, cursos de línguas, especializações, estágios, trabalhos de conclusão de curso e pesquisas, não sobrando tempo para a nossa própria vida. Assim, o Yetser Hará nos faz passar 120 anos neste mundo sem termos vivido de verdade. Por outro lado, precisamos trabalhar para nos sustentar, para termos um mínimo de conforto e suprir as nossas necessidades básicas. Então, como fazer para não cairmos sem perceber na armadilha do Yetser Hará? O segredo do judaísmo é o equilíbrio. É verdade que precisamos de uma boa formação para desenvolver um bom trabalho, mas não podemos nos esquecer do principal. Não viemos para este mundo por um propósito material. Nosso objetivo não é alcançar o maior cargo na empresa, o nosso objetivo é preencher as nossas almas, atingir a perfeição espiritual, trabalhar os nossos traços de caráter. O mundo material serve apenas para manter os nossos corpos, que são finitos, enquanto o nosso trabalho espiritual serve para manter a nossa alma, que é infinita. Se o trabalho toma tanto o nosso tempo, a ponto de não conseguirmos nem mesmo nos dedicar à nossa família, saúde e espiritualidade, isto é um sinal de desequilíbrio, de que caímos na armadilha. Quanto mais rápido despertarmos, mais chances teremos de nos salvar e de recomeçarmos da forma correta. Explica o Rav Moshe Chaim Luzzato zt"l (Itália, 1707 - Israel, 1746), em sua obra "Messilat Yesharim" (Caminho dos Justos), que o Yetser Hará sabe que, se cada ser humano parasse para refletir, para "fechar suas contas" diariamente, para questionar de tempos em tempos suas escolhas, assim ele chegaria certamente à perfeição. Por isso, a maior arma do Yetser Hará é nos mandar cada vez mais trabalho e responsabilidades, para não nos deixar chegar à reflexão. Com isto, ele nos derrota sem percebermos nem mesmo que fomos atacados. Aquele que não reflete diariamente vai perceber, somente no fim da vida, que não viveu, apenas sobreviveu. Um escravo não é dono do seu próprio tempo. Se não temos tempo para nossas famílias, se não temos tempo para nossa espiritualidade, se não temos tempo nem para nós mesmos, isto significa que somos escravos do Yetser Hará. Em Pessach deixamos de ser escravos, fisicamente e mentalmente. Que possamos novamente aproveitar as influências espirituais da liberdade de Pessach para nos tornarmos livres de tudo o que aprisiona o nosso corpo e, principalmente, o que aprisiona a nossa mente. PESSACH KASHER VE SAMEACH E SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |