Nesta semana lemos a Parashá Chukat (literalmente "Estatutos"), que traz uma das mais enigmáticas Mitzvót da Torá: a purificação através das cinzas da vaca vermelha. Além disso, a Parashá traz acontecimentos importantes do último ano do povo judeu no deserto, como o falecimento de Miriam e de Aharon, os irmãos de Moshé. Estes dois assuntos, a vaca vermelha e o falecimento de dois grandes Tzadikim, certamente não estão na mesma Parashá por acaso. Existem diversas fontes de impureza espiritual. Algumas vem da própria pessoa, como as impurezas de "Zav" e "Nidá", enquanto outras vêm "de fora", como o contato com a carcaça de alguns tipos de animais ou com o corpo de pessoas falecidas. A impurificação através do contato com pessoas falecidas transmite um dos maiores níveis de impureza. Essa transmissão pode ocorrer diretamente, através do contato físico com o corpo do falecido, mas também pode ocorrer de forma indireta, apenas estando sob o mesmo teto onde está o corpo, o que incluiria até mesmo estar sob a mesma copa de uma árvore. Este tipo de impureza somente pode ser removida através de um processo de aspersão das cinzas de uma vaca completamente vermelha, misturadas com alguns outros ingredientes e água. E assim a Torá descreve a contaminação espiritual através dos mortos: "Esta é a lei: quando um homem morre em uma tenda, todo aquele que entra na tenda, e tudo o que há na tenda, ficará impuro por sete dias... E todo aquele que, em campo aberto, tocar alguém que foi morto à espada, ou um cadáver, ou um osso humano, ou um túmulo, ficará impuro por sete dias" (Bamidbar 19:14,16). Além do entendimento mais simples do versículo, nossos sábios trazem um entendimento mais profundo para as palavras "um homem quando morre em uma tenda". Segundo o Talmud (Brachót 63b), a linguagem "tenda" é uma alusão à tenda do estudo de Torá. Portanto, o versículo deve ser compreendido da seguinte maneira: a Torá se manterá apenas para aquele que "se matam" por ela. Mas o que significa se matar pela Torá? O Rambam (Espanha, 1135 - Egito, 1204) explica que a pessoa deve se privar do sono e limitar seus prazeres físicos em sua busca pelo estudo da Torá. O que precisa ser compreendido é que isso parece contradizer o conceito de que a observância da Torá deve proporcionar vigor e vitalidade. O Talmud (Yomá 85b) nos transmite que do versículo "E viva por elas (as Mitzvót)" (Vayikrá 18:5) aprendemos que devemos viver por meio da observância das Mitzvót, e não a morrer por causa delas. Além disso, na prática, enfraquecer o corpo é contraproducente para um estudo eficaz da Torá. Quando alguém está muito cansado, fraco ou com fome, tem dificuldades de estudar com Kavaná e profundidade. Então o que este versículo está nos ensinando? Explica o Rav Yochanan Zweig shlita que, na realidade, a interpretação deste versículo não deve ser entendida de forma literal, e sim se refere à quebra de um traço de caráter que normalmente é muito prejudicial ao nosso trabalho espiritual. Ao dizer que a pessoa deve "se matar", o Talmud não está nos ensinando a fazer mal ao nosso próprio corpo, de forma que diminua nossa resistência e nosso foco. A Torá está se referindo a erradicar qualquer traço de egocentrismo dentro de nós, a busca de atender os nossos desejos e prazeres. Isto significa que quanto mais conseguirmos diminuir nosso egocentrismo, mais seremos capazes de internalizar as palavras de D'us, ou seja, a nossa Sagrada Torá. Porém, o que o egocentrismo tem a ver com a absorção da Torá? A Torá não depende apenas do nosso estudo, esforço e dedicação? Por que a Torá nos ensina que é necessário "se matar", isto é, quebrar o egocentrismo, para termos um estudo de Torá que se mantenha? Em primeiro lugar, é importante saber que nossos traços de caráter sim influenciam no nosso estudo de Torá. Se uma pessoa é egoísta ou até mesmo mau-caráter, isso não a impede de ser um gênio da matemática ou de qualquer tipo de ciência, nem um artista ou pintor de sucesso. As habilidades do mundo material não estão em absoluto conectados com os nossos traços de caráter. Um escritor de sucesso pode ser uma pessoa grosseira e rude, e não há nenhuma contradição. Porém, com o estudo da Torá, que depende principalmente da santidade, os traços de caráter têm um impacto na nossa absorção. D'us não quer entregar a Sua Sagrada Torá para quem não tem méritos e para aqueles que vão manchar o Seu grande Nome. É por isso que nas 48 ferramentas de aquisição da Torá, enunciadas Pirkei Avot (6:6), não temos apenas ferramentas técnicas, como o estudo e a repetição constante, mas também muitos esforços associados com a melhoria do nosso caráter, como a humildade e ter um bom coração. Além disso, há um entendimento mais profundo do motivo pelo qual justamente o egocentrismo impede a nossa absorção da Torá. Para que uma pessoa possa internalizar aquilo que está sendo ensinado, ela precisa de um certo nível de submissão. Por exemplo, um aluno deve estar disposto a aceitar a autoridade de seu mestre para que possa aprender dele. Se a pessoa é egocêntrica, não estará aberta aos ensinamentos no momento em que não os compreender ou não concordar com eles. E isso também se aplica no nosso relacionamento com D'us. Uma pessoa egocêntrica terá dificuldade em submeter-se à vontade de D'us, em especial quando seus desejos forem contrários à vontade de Dele. Temos normalmente uma contradição entre as escolhas físicas e espirituais na vida. Apesar de podermos canalizar os prazeres materiais para que se transformem em prazeres espirituais, como uma farta mesa de Shabat, em geral as escolhas que fazemos do material são às custas do espiritual. Para terem um pouco mais de luxo e comodidade, muitos deixam de lado o estudo da Torá e até mesmo algumas Mitzvót. É por isso que uma das ideias por trás das proibições de atividades construtivas no Shabat é justamente reduzir nossa interação com o mundo material, para que possamos potencializar nosso lado espiritual. Portanto, limitar os próprios prazeres físicos é o método através do qual a pessoa pode diminuir seu egocentrismo. O objetivo não é enfraquecer o corpo e causar danos físicos, e sim internalizar a mensagem de que o mundo não existe apenas para servir a pessoa. Esta reflexão pode fazer com que ela pare de pensar apenas em si mesma. Se tivermos essa consciência, a diminuição do materialismo pode ser alcançada sem causar qualquer dano físico ao corpo. Há uma parábola interessante sobre esta luta interna constante entre o material e o espiritual. Um homem andava com as duas mãos cheias de prata e ouro, e alguém o alertou: "Como você vai pegar os diamantes caso os encontre no caminho?". O homem respondeu: "Quando eu os encontrar, jogarei fora tudo o que carrego para pegá-los". Porém, sabemos que, na prática, quando a pessoa tem ouro e prata nas mãos, dificilmente vai jogá-los fora. Ou, pior ainda, não terá nem olhos para perceber que está deixando para trás valiosos diamantes por estar se ocupando com o ouro e a prata, bem menos valiosos. E assim nos ensina o mais sábio de todos os homens, Shlomo Hamelech: "É melhor um punhado de facilidade do que dois punhados de trabalho e frustração" (Kohelet 4:6). Shlomo Hamelech está nos ensinando que muitas vezes dedicamos a vida e todos os nossos esforços para adquirir o mundo material, somente para perceber que ele não nos preenche, enquanto apenas um pouco de espiritualidade já nos preenche muito mais. Enquanto as mãos estão cheias com preocupações materiais, não há espaço real para a Torá. É preciso esvaziar algo para que a luz entre em nossas vidas. Somente tem Torá aquele que se mata por ela, isto é, aquele que faz a escolha correta entre o que é o principal e o que é o secundário em nossas vidas. Podemos e devemos trabalhar, ter um carro e uma casa, ter comida na mesa. Apenas não devemos nunca confundir que não vivemos para comer, e sim comemos para viver, para podermos estudar Torá e trabalhar nossos traços de caráter. Pois um dia o nosso corpo terminará, mas a alma, que se alimenta de Torá e Mitzvót, viverá para sempre. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |