Nesta semana começamos o quarto livro da Torá, Bamidbar (literalmente "No deserto"), que retoma as narrativas do povo judeu no deserto e descreve os acontecimentos mais importantes e os erros mais graves que eles cometeram, entre eles o erro dos espiões, que despertou a fúria de D'us e causou o decreto de ficarem 40 anos no deserto. Sabemos que não existem coincidências, e sempre a nossa Parashá é lida antes da Festa de Shavuót, que começa no próximo Motsei Shabat (04 de junho). Qual é a conexão entre elas? Shavuót também é conhecida como "Chag Matan Torateinu", a Festa da entrega da nossa Torá, e não como "Chag Kabalat Torateinu", a Festa do recebimento da nossa Torá. Isso significa que D'us nos entrega novamente a Torá em Shavuót, mas depende da pessoa o quanto ela vai conseguir captar e receber. Aprendemos isso da linguagem usada no Primeiro Mandamento da Torá: "Eu sou Hashem, teu D'us". Se D'us estava falando com todo o povo judeu, mais de três milhões de pessoas, por que está escrito no singular, "teu D'us"? Pois todos recebem a Torá de D'us de uma forma ou de outra, mas cada um recebe de maneira única e particular, de acordo com a sua preparação. Então, qual é a preparação necessária para recebermos a Torá? Além disso, em Shavuót lemos a Meguilat Ruth, que nos conta a história de como Ruth, a bisavó de David HaMelech, decidiu se converter ao judaísmo e receber sobre si, com amor e coragem, as Mitzvót da Torá. Mas como a história de Ruth nos ajuda a nos prepararmos para Shavuót? A Parashá Bamidbar começa com as seguintes palavras: "E disse D'us a Moshé no deserto do Sinai" (Bamidbar 1:1). Destas palavras nossos sábios aprendem que D'us poderia ter entregue a Torá em qualquer lugar, mas fez questão de entregá-la no meio do deserto. Isso significa que o deserto é uma condição necessária para podermos receber a Torá. A preparação verdadeira para receber a Torá é que a pessoa se faça um "deserto". Mas o que isso significa? Para entendermos, precisamos olhar para dois incríveis exemplos da Torá. O primeiro exemplo está justamente na Meguilat Ruth. Ruth e Orpá, duas irmãs, que já haviam sido princesas em Moav, estavam voltando com sua sogra Naomi para Israel, depois que seus maridos faleceram. Naomi falou para elas voltarem para casa e viverem uma vida normal, pois não tinha mais nada a oferecer para elas, nem filhos e nem uma vida digna, já que havia perdido tudo o que tinha. Orpá no começo hesitou, mas depois decidiu voltar para casa. Isso significa que ela também voltou para suas antigas idolatrias, sua vida de luxúrias e de imoralidades. Já Ruth quis ficar com a Naomi. Ela não se importava com a pobreza, queria se conectar com a verdade. Mas qual foi a diferença entre as duas irmãs, que começaram do mesmo ponto, tomaram a mesma atitude no início, mas no final foram para caminhos tão diferentes? O segundo exemplo é do nosso patriarca Avraham, que recebeu o difícil comando de D'us de "saia da sua terra... e vá para o lugar que Eu te mostrarei". Era um teste gigantesco, de largar tudo o que ele conhecia, sua zona de conforto, seu país e sua família, para ir a um lugar desconhecido. Avraham conseguiu reunir forças para vencer este teste. Porém, ele não foi sozinho. Seu sobrinho Lót também saiu para o exílio junto com ele. Lót também abandonou tudo e seguiu o comando de D'us. Mas qual foi o fim da história? Lót foi morar em Sdom, um lugar cheio de impureza, crueldade e materialismo, enquanto Avraham se elevou e ficou com mais santidade e pureza, tornando-se um dos pilares do mundo. Nossos sábios definem que "Os discípulos de Avraham Avinu possuem um bom olhar, um espírito humilde e um apetite moderado" (Avót 5:19). Avraham era humilde, se contentava com pouco. Já Lót se tornou o oposto, um homem ambicioso e egoísta. Se Avraham e Lót começaram juntos em sua caminhada espiritual, qual foi o ponto que os fez se distanciarem tanto? A resposta para os dois questionamentos é a mesma. Às vezes uma pessoa quer mudar, de coração, mas não consegue, pois talvez a pessoa não percebe que, na realidade, ela não conseguiu mudar por dentro, não mudou suas ideias, sua forma de ver a vida. Mesmo que fale que vai mudar, se for da boca para fora, na hora de reagir, reage conforme seus pensamentos antigos. Por isso, quando surge um teste, a pessoa tropeça novamente. Para uma pessoa mudar de verdade, ela precisa se trabalhar, mudar seu interior, seus pensamentos. Como ilustra o Rav Yaacov Kranz zt"l (Lituânia, 1741 - Polônia, 1804), mais conhecido como Magid MiDuvno, através da parábola de um homem que vai ao alfaiate para fazer uma roupa nova. No dia em que a roupa fica pronta, o homem experimenta e fica decepcionado ao descobriu que a roupa está pequena. O alfaiate não acredita e vai ver o que estava acontecendo. Ao olhar para o seu cliente vestido, rapidamente entende. O homem, ao vestir as novas roupas, não tirou as antigas. Da mesma forma que não dá para vestir roupas novas sem tirar as antigas, também não há como absorver novas ideias se continuarmos com as antigas. Se a pessoa quer sair da sua situação atual e chegar "no lugar que Eu te mostrarei", o lugar onde D'us quer que cheguemos, como fez Avraham Avinu, temos que entender e perceber o que há de errado conosco. Se conseguirmos mudar nosso interior, conseguiremos absorver novas ideias, mais elevadas. Porém, se admirarmos as novas ideias, mas não mudarmos o nosso interior, então certamente não vamos conseguir absorver isso e, na prática, continuaremos vivendo com as ideias erradas. Essa é a diferença entre Avraham e Lót. Avraham abandonou todas as ideias velhas que tinha para que pudesse chegar à vida que D'us queria lhe proporcionar, para abraçar novas ideias, mais puras e sagradas. Lót, infelizmente, não conseguiu. Mesmo que ele também se levantou para ir ao lugar onde D'us queria que ele fosse, ele fez isso sem mudar por dentro, sem reflexões. Lót continuou com seus ideais errôneos e não largou suas ideias antigas. Ele queria ficar com os dois lados, os desejos materiais e o elevado nível espiritual. Ele não havia entendido que é impossível viver em dois mundos tão diferentes, e que aquele que escolhe viver nos dois mundos, em última instância, está escolhendo apenas o mundo dos desejos e do materialismo, e certamente tropeçará diante dos testes da vida. É o que observamos em Lót, que diante do teste de se separar de Avraham, sucumbiu perante o amor que sentia pelo dinheiro, maior que o amor que sentia pelo mundo espiritual, e por isso ele abandonou Avraham e foi morar em Sdom, uma cidade de pessoas perversas e imorais. São nos momentos de crise que podemos ver os valores verdadeiros das pessoas. No dia a dia, as pessoas se esforçam para fazer a coisa certa. Mas nos momentos de crise vemos quem realmente persegue o bem verdadeiro. Lót acabou indo para o caminho da idolatria e, no final, abandonou o caminho de D'us. Há pessoas que sabem da verdade, mas mesmo assim não mudam. Esses são discípulos de Lót. Mas os que se esforçam para mudar são discípulos de Avraham Avinu. No caso de Orpá, ela também voltou para a luxúria, para a idolatria e para a imoralidade, pois nunca havia conseguido tirar do coração os desejos, remanescentes de sua vida anterior. No momento decisivo da sua vida, ela não passou no teste e acabou abandonando tudo. Este é o conceito de "se fazer um deserto para receber a Torá". Temos que ser como um deserto, nos purificar, tirar de dentro de nós todos os desejos que vão contra os princípios da Torá. Só assim a pessoa poderá crescer e absorver Torá. Que neste Shavuót possamos nos iluminar e crescer espiritualmente. SHABAT SHALOM E CHAG SAMEACH R' Efraim Birbojm |
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