Nesta semana, no último Shabat do ano, lemos a Parashá Nitzavim (literalmente "Parados, de pé"), que traz as palavras de Moshé em seu último dia de vida. Esta Parashá traz assuntos muito conectados com Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, nossa próxima parada do Calendário Judaico, que começa no próximo domingo de noite. Em Rosh Hashaná somos julgados por tudo o que fizemos durante o ano. Todos os nossos atos, pensamentos e intenções passarão diante de D'us, tanto as boas ações quanto as transgressões, e seremos inscritos de acordo com a maioria dos nossos atos. Aqueles cujos bons atos são mais numerosos que os maus atos são inscritos entre os Tzadikim. Aqueles cujos maus atos são mais numerosos que os bons atos são inscritos entre os Reshaim. Aqueles cujos bons e maus atos estão equilibrados, os "Beinonim", ficam "pendurados" até Yom Kipur, isto é, têm alguns dias para se esforçar e fazer a balança pender para o lado positivo. A Parashá fala, por exemplo, sobre a Mitzvá de Teshuvá, como está escrito: "Pois este mandamento que hoje eu ordeno a vocês não está oculto nem distante. Não está no céu, para que você precise dizer: 'Quem subirá ao céu por nós para buscá-la, para contá-la para nós, para que possamos cumpri-la?'. Nem está além do mar, para que você precise dizer: 'Quem passará para o outro lado do mar por nós e a trará, para nos contar, para que possamos cumpri-la?'. Em vez disso, está muito próxima de você. Está na tua boca e no seu coração, para que você possa cumpri-la" (Devarim 30, 11-14). Porém, como entender estas palavras de Moshé? Por acaso a Mitzvá de Teshuvá é algo fácil? Sentimos o quanto é difícil mudar nossos atos, consertar nossos erros e vícios! Então por que a Torá se refere à Teshuvá como se fosse algo fácil, que está ao nosso alcance? A resposta está em outro versículo interessante da Parashá. Moshé novamente reforça o cuidado com o contato que o povo judeu teria com os habitantes da Terra de Israel, idólatras e imorais, como está escrito: "Pois vocês sabem como viveram na Terra do Egito e como atravessaram diversas nações. Vocês viram suas abominações e seus ídolos repugnantes, de madeira e pedra, de prata e ouro que estavam com eles" (Devarim 29:15-16) Se prestarmos atenção neste versículo, perceberemos que há alguns detalhes que precisam de um entendimento mais profundo. Por exemplo, está escrito "que estavam com eles" após a prata e o ouro, mas o mesmo não ocorre após a madeira e pedra. Por que esta diferença? Explica Rashi (França 1040 - 1105) que os idólatras deixavam seus ídolos de pedra e de madeira do lado de fora, pois não temiam que fossem roubados. No entanto, em relação aos ídolos feitos de prata e ouro, a Torá descreve que "estavam com eles", isto é, trancados, dentro de seus cofres, porque eles temiam que esses ídolos caros pudessem ser roubados. Isso nos ensina que o nível de honestidade e moralidade daqueles que acreditam nas idolatrias é muito mais baixo. Parte do senso de justiça e moralidade vem justamente do temor a D'us. Quando sabemos que há um Criador, Todo Poderoso, que é a Fonte de toda a moralidade, então sabemos que precisamos seguir Suas regras, entre elas o Mandamento de "Não roubar". Além disso, mesmo quando ninguém está olhando, aquele que tem temor a D'us sabe que Ele está sempre olhando, como ensinam nossos sábios: "Reflita sobre três coisas e você não pecará: Saiba o que há acima de você: um olho que vê, um ouvido que escuta, e todas as suas ações estão escritas em um livro" (Pirkei Avót 2:1).Os idólatras fazem o contrário, pois eles criam seus próprios deuses, de acordo com seus interesses, para que seus deuses cumpram suas vontades, e não para que eles cumpram a vontade de seus deuses. Os deuses de idolatria garantem sucesso, vitória e prazeres, não moralidade. Outro ponto que nos chama a atenção no versículo é que podemos perceber que a Torá começou se referindo às estátuas de idolatria da forma mais desprezível possível. A palavra "shikutzeichem", que significa "abominações", vem da palavra "sheketz", que significa "répteis", normalmente animais nojentos. A palavra "guiluleichem", que significa "repugnantes", vem de "galal", que significa "excremento". Porém, logo em seguida, a Torá descreve o material com os quais eram feitas as estátuas de idolatria, isto é, madeira e pedra, prata e ouro. Madeira e pedra não soam tão mal, são materiais normais, que fazem parte do nosso cotidiano. Já prata e ouro soam até mesmo atrativos. O que está ocorrendo? Os ídolos são repugnantes, como répteis e excrementos, ou valiosos e desejados, como prata e ouro? O Rav Yitzchak Zev Soloveitchik zt"l (Bielorússia, 1886 - Israel, 1959), mais conhecido como Brisker Rav, explica que o versículo está ensinando que uma pessoa, ao ver algo abominável, tem uma reação natural imediata de repulsa. Porém, a tendência humana é que, após ver algo abominável por algum tempo, a pessoa acaba se acostumando, não sendo mais tão repugnante aos seus olhos, e começa a ser visto como algo comum, como madeira e pedra. Se a pessoa continuar a ver, vai ficar ainda mais acostumada e, no final, o que ela originalmente achava abominável, será considerado desejável aos seus olhos, como prata e ouro. Podemos nos acostumar a qualquer situação. Se não conseguíssemos nos acostumar, nos adaptar, não conseguiríamos sobreviver. Os judeus sobreviveram ao inferno nazista, em condições insuportáveis, justamente pelo nossa capacidade de nos acostumarmos. Porém, por outro lado, pode ser bem destrutivo em termos espirituais. Infelizmente podemos acabar nos acostumando a qualquer coisa, e o que era antes asqueroso, pode se tornar algo normal e aceitável. Isto é o que de fato o Talmud (Shabat 105b) nos ensina: "Este é o modo de trabalho do nosso Yetzer Hará, a nossa má inclinação: hoje ele nos aconselha "faça isso", amanhã nos diz "faça aquilo", até que eventualmente ele nos levará para a idolatria". Se não tomarmos cuidado, a vida torna-se uma ladeira escorregadia. Em cada etapa, a pessoa racionaliza o que originalmente era "impensável". Isso não a incomoda mais e, de fato, se torna o próximo nível, a partir do qual a pessoa afunda cada vez mais, até que chegue a adorar uma idolatria. Isso explica a linguagem da Torá, que diz que a Mitzvá de Teshuvá é algo fácil. Nós é que a tornamos difícil, ao nos acostumarmos com as imoralidades e injustiças. Atualmente estamos espiritualmente entorpecidos pelo que vemos nos outdoors, nas propagandas dos ônibus e pelo que ouvimos na televisão e no rádio. Se pegarmos uma revista de trinta anos atrás e compararmos com uma de hoje, ficaríamos assombrados com a queda dos valores morais. Há trinta anos muitas coisas eram repulsivas, mas, com o tempo, tornaram-se "madeira e pedra". Ficamos acostumados a isso. Agora já é como "prata e ouro", e aguardamos ansiosamente a próxima edição. A profissão do momento é ser "influenciador digital". Em geral, são pessoas muito jovens, com pouco conteúdo, mas que se tornaram formadores de opinião, influenciando milhões de pessoas no mundo inteiro e criando um falso senso de necessidade. Eles se dedicam a convencer as pessoas de que elas precisam de algo novo e diferente. Estamos testemunhando uma ofensiva agressiva contra nossos sistemas de valor. Eles tentam mudar os currículos escolares e cortar nosso vínculo com a próxima geração através de um sistema de valores distorcido. As novas gerações acabam aceitando esta nova "realidade" como sendo algo normal e, às vezes, até desejável. Coisas que há pouco tempo eram abomináveis atualmente são ensinadas nas escolas. Rosh Hashaná está se aproximando. Precisamos quebrar nossos hábitos ruins. Mais do que isso, precisamos despertar da nossa sonolência, que nos mantém presos em uma vida de comodismo e aceitação. Precisamos pedir para que D'us nos ilumine, abra nossos olhos, para que possamos enxergar o quão baixo a humanidade chegou. O que era abominável tornou-se desejável, e muitas vezes já faz parte de nossas casas e de nossas vidas. Que possamos fazer Teshuvá, de todos os nossos maus atos e pensamentos, para sermos inscritos entre os Tzadikim, no Livro da Vida. SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ - QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA R' Efraim Birbojm |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor, deixe aqui a sua pergunta ou comentário sobre o texto da Parashá da semana. Retornarei o mais rápido possível.