BS"D
EGO FERIDO - PESSACH II 5774 (18 de abril de 2014)
"Em um Shabat de manhã, como sempre fazia toda semana, Uri foi à sinagoga rezar. Depois da leitura da Torá, ele foi chamado pela primeira vez para fazer a Mitzvá de "Agbaá" (levantar o Sefer Torá aberto, para que todos os presentes na sinagoga possam vê-lo). Apesar de o Sefer Torá ser muito grande e pesado, Uri achou que conseguiria levanta-lo tranquilamente, pois era um rapaz forte e saudável. Porém, Uri superestimou sua força e, para seu total constrangimento, quase deixou o Sefer Torá cair no chão. Precisou até pedir ajuda para devolver o Sefer Torá ao lugar.
Uri, com seu ego ferido, decidiu não voltar mais à sinagoga antes de fazer muita musculação. Matriculou-se no dia seguinte em uma academia e fazia horas de musculação todos os dias, para nunca mais passar por tal constrangimento.
Três meses depois, um rapaz musculoso e muito forte entrou na sinagoga. Parecia um novo frequentador, mas era Uri. Quando escutou seu nome sendo chamado pelo Gabai da sinagoga (pessoa responsável, entre outras coisas, por escolher quem será chamado para ler e para levantar a Torá), abriu um sorriso e levantou-se confiante de que desta vez não falharia. Uri levantou o pesado Sefer Torá sem nem mesmo precisar dobrar os joelhos. E não escondeu o sorriso de satisfação quando escutou os ruídos de admiração vindos de todos os cantos da sinagoga. Ele então se sentou com o Sefer Torá e ficou aguardando, orgulhoso, até que alguém viesse para enrolar o Sefer Torá e cobri-lo com sua capa de veludo. Porém, ninguém veio enrolar o Sefer Torá. Quem se aproximou de Uri foi o Gabai, e falou baixinho em seu ouvido:
- Uri, você fez um excelente trabalho. Sua Agbaá foi magnífica. O problema é que eu tinha chamado você para ler a Torá, não para levantá-la..."
Quando deixamos nosso ego nos guiar, acabamos nos equivocando. No caso de Uri, foi apenas um pequeno erro, que lhe trouxe ainda mais vergonha. Mas em muitos casos as consequências acabam sendo trágicas.
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Explicam nossos sábios que quando o Faraó deixou os judeus saírem, pensou que eles iriam ao deserto servir a D'us e voltariam ao Egito depois de três dias. Para garantir que isto realmente aconteceria, ele enviou espiões junto com o povo judeu. Mas após os três dias, os espiões voltaram e informaram ao Faraó que o povo judeu não tinha mais planos de voltar. Os egípcios saíram imediatamente em perseguição aos judeus. No sétimo dia após a saída do Egito, os judeus se viram encurralados entre o Mar Vermelho e os egípcios que os perseguiam. D'us então preparou o grande final, abrindo milagrosamente o mar para que o povo judeu atravessasse e fechando-o para afogar os egípcios. Era o derradeiro fim da escravidão egípcia. O Shevii de Pessach é o dia em que D'us fez o grande milagre da abertura do mar.
E assim diz o versículo sobre o início da perseguição ao povo judeu: "Ele (Faraó) montou sua carruagem e pegou seu povo com ele" (Shemot 14:6). O que significa a expressão "pegou o seu povo"? Explica o Rav Yehuda Loew (Praga, 1525 - 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, que a linguagem "Lakach" (pegou), quando utilizada em relação a objetos, realmente significa pegar, mas quando é utilizado em relação a pessoas, se refere a uma persuasão verbal. Rashi (França, 1040 - 1105) explica que o Faraó montou pessoalmente sua carruagem de guerra para dar o exemplo ao seu povo. Ele questionou como eles haviam deixado os judeus levarem seu dinheiro, e prometeu que dividiria igualmente todos os espólios com o povo egípcio. De que dinheiro o Faraó estava falando? Rashi comenta que antes de saírem do Egito, os judeus pediram aos egípcios objetos de ouro e prata, além de roupas. Os egípcios deveriam estar fervendo de ódio, mas D'us fez um grande milagre e os egípcios viram os judeus com bons olhos. Não apenas eles deram o que os judeus pediram, mas ofereceram o dobro, e de bom grado. Com este argumento, de recuperar o dinheiro entregue aos judeus, o Faraó conseguiu convencer o seu povo a mais uma vez persegui-los.
Porém, se pararmos para refletir, a forma de persuasão do Faraó gera alguns questionamentos. Em primeiro lugar, as cicatrizes das 10 pragas, em especial a morte dos primogênitos, ainda eram recentes e doíam muito nos egípcios. Como eles se deixaram convencer pelos argumentos do Faraó a novamente perseguir os judeus, se racionalmente era um verdadeiro suicídio, depois de todas as demonstrações de força de D'us? Além disso, um escravo custa caro, muito mais do que os objetos que os egípcios deram aos judeus. Portanto, se o Faraó queria convencer os egípcios de que valia a pena perseguir os judeus, por que não argumentou melhor, sugerindo que caso eles aceitassem persegui-los, poderiam pegar seus escravos de volta?
Explica o Rav Yohanan Zweig que um homem de negócios pode perder dinheiro de duas maneiras. A perda pode ser causada por circunstâncias imprevisíveis, totalmente fora do seu controle, ou pode ser resultado direto de uma decisão equivocada, como um mau investimento. Quando uma pessoa perde dinheiro da primeira maneira, é muito mais fácil para ela se consolar com a perda do que se perdesse da segunda maneira, pois perder dinheiro por causa de circunstâncias imprevisíveis não é uma demonstração de falta de perspicácia e tino comercial, enquanto a perda por causa de uma decisão equivocada é uma "mancha" na competência da pessoa e fere seu ego. Por isso, é comum ver pessoas que fizeram equivocadamente maus investimentos torrando enormes quantidades de dinheiro para tentar salvar a situação, jogando cada vez mais dinheiro no lixo, apenas por causa do seu ego.
Este conceito do ego ferido, que tem uma forte implicação na psicologia do ser humano, nos ajuda a entender um pouco melhor o argumento utilizado pelo Faraó. Ele percebeu que tentar persuadir seu povo a recuperar seus escravos seria inútil, pois os egípcios não estavam tão desolados com esta perda, que havia sido algo fora do controle deles. Porém, o dinheiro que eles haviam dado de bom grado, e que generosamente deram até mesmo o dobro do que havia sido pedido, podia ser atribuído à estupidez. Portanto, o Faraó apelou para o ego do povo, lembrando a eles do dinheiro dado aos judeus, e teve sucesso. Ao escutar o argumento do Faraó, o ego dos egípcios se inflamou, deixando-os dispostos a qualquer esforço para reaver seu dinheiro.
Ensinam nossos sábios: "A inveja, a busca pelos desejos e a honra tiram a pessoa do mundo" (Pirkei Avót 4:28). Isto quer dizer que uma pessoa guiada pelo orgulho pode fazer atos completamente irracionais. Assim entendemos porque os egípcios, mesmo com as lembranças das pragas ainda tão recentes, decidiram novamente perseguir os judeus. O ego havia falado mais alto que o racional, e eles pagaram com suas vidas pela falta de bom senso.
Infelizmente a humanidade não aprende com as lições trazidas na Torá, e voltamos a cometer os mesmos erros. Assim vemos na prática quantas vezes a honra da pessoa a leva a um caminho ilógico de autodestruição. Quantas discussões terminam em tragédias pois nenhum dos dois lados aceita "levar desaforo para casa"? Quantos jovens provocam acidentes fatais em rachas de automóveis, apenas por terem sido provocados por outro motorista? Quantas vidas se perdem quando jovens querem dar demonstrações de coragem diante dos amigos, participando de brincadeiras estúpidas como a "roleta russa" ou entrando no mundo das drogas? Quando o ego fala mais alto, esquecemos até mesmo da coisa mais importante que temos, que é a nossa própria vida.
As consequências podem ser ainda mais trágicas quando, por causa do nosso ego, nos afastamos dos caminhos espirituais corretos. É por isso que a Torá nos incentiva tanto a buscarmos a característica da humildade. A humildade nos traz serenidade no momento de uma discussão. A pessoa que é verdadeiramente humilde não precisa provar nada para ninguém. Assim, ao invés de sermos guiados pelo nosso ego irracional, poderemos sempre tomar decisões racionais e de forma tranquila, aproveitando melhor a vida neste mundo e garantindo também o nosso Mundo Vindouro.
SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH
Rav Efraim Birbojm
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