Nesta semana lemos a Parashá Korach, que traz um triste incidente que terminou de maneira trágica, com muitas mortes. Korach, o primo de Moshé, se sentiu injustiçado quando Elitzafan, seu primo mais novo, recebeu um cargo de liderança que ele esperava ser seu. Korach era um grande e respeitado Tzadik. Ele começou uma campanha para tentar deslegitimar a liderança de Moshé e o sacerdócio de Aharon, através de zombarias com importantes Mitzvót, tais como o Tsitsit e a Mezuzá. Korach também começou a descrever Aharon, o Cohen Gadol, como um homem perverso, que roubava bens de pobres viúvas e órfãos. Infelizmente Korach conseguiu juntar outros líderes, além de um grande número de seguidores e apoiadores dentro do povo judeu. Moshé ficou arrasado com as alegações de Korach de que as escolhas das lideranças não partiam de D'us, e sim eram escolhas pessoais suas, e que ele praticava nepotismo ao indicar seus familiares para os cargos mais importantes. Apesar das humilhações, Moshé ainda tentou conversar com os líderes da rebelião, mas sem sucesso. Finalmente, Moshé tomou uma atitude drástica. Ele foi ao encontro de Korach e os outros líderes, e disse que brevemente eles morreriam de formas não naturais, como está escrito: "Com isto vocês saberão que D'us me enviou para fazer todas essas ações, pois não fui eu que as planejei. Se estes homens morrerem como todos os homens morrem... então D'us não me enviou. Mas se D'us fizer uma criação, e a terra abrir a boca e engolir tudo o que é deles... vocês saberão que esses homens provocaram D'us" (Bamidbar 16:28-30). E assim aconteceu, os líderes, suas famílias e seus pertences foram engolidos pela terra, diante dos olhos de todo o povo judeu. Mas é difícil entender a reação de Moshé. Aparentemente Moshé tratou Korach com crueldade, como se fosse um estranho, de fora do povo. Nas transgressões que o povo judeu fez durante os 40 anos em que permaneceram no deserto, algumas extremamente graves, tais como o Bezerro de ouro, Moshé se sentia na obrigação de intervir. Ele rezava pelo povo e implorava pela Misericórdia Celestial, acalmando a fúria Divina. Porém, no caso de Korach, não apenas Moshé não pediu misericórdia, mas, ao contrário, virou um acusador! Por que esta diferença? Explica o Rav Moshé Alshich zt"l (Império Otomano, 1508 - Israel, 1593) que a resposta está em uma interessante parábola. Existem alguns tipos de doenças que surgem nas extremidades das mãos ou dos pés e que tendem a se espalhar até o coração, causando a morte do doente. Quando um médico especialista diagnostica esta doença, ele rapidamente ordena que a mão ou o pé onde está a ferida sejam amputados, antes que a doença se espalhe. E mesmo se já se espalhou até o joelho ou o braço, ele também os corta, antes que chegue ao coração. Este ato do médico seria considerado uma crueldade? Obviamente que não, é um enorme ato de misericórdia e bondade. Ao cortar a mão ou o pé, o médico pode salvar o resto do corpo do enfermo. O mesmo conceito pode se aplicar ao nosso caso. A doença da heresia em relação a Moshé e sua profecia, além da negação da ideia central do judaísmo de que a Torá vem do Céu, começou a se espalhar dentro do povo. Se isso se espalhasse, seria a destruição do povo judeu. Portanto, Moshé disse: "Não há misericórdia maior do que cortar do mundo Korach e seus companheiros, pois a morte deles é o que manterá vivo todo o povo judeu". Korach era uma doença, e era necessários cortá-lo imediatamente, antes que a ferida chegasse ao coração. Esta era, portanto, a mensagem de Moshé para todo o povo judeu: "Que não seja pesado aos olhos de vocês que eu estou prestes a cortar essas pessoas do mundo, pois isso é para salvar a vida do resto do povo. Desta maneira vocês entenderão que foi D'us que me enviou para fazer isso, para certificar que o sacerdócio pertence a Aharon, porque toda a Emuná do povo e a transmissão da Torá dependem disso. E como vocês vão se beneficiar de tudo isso, a morte de Korach e dos outros líderes será, em última instância, para o bem de vocês". Mas não seria possível D'us escolher outra maneira de mostrar que as escolhas de Moshé e Aharon eram Divinas, sem precisar envolver a morte de pessoas? A resposta é que este milagre aberto, vindo a partir da boca de Moshé, daria veracidade a todas as outras profecias de Moshé, que são a essência da Torá. Aquele milagre era uma demonstração de que D'us acompanhava cada detalhe do cotidiano do povo judeu. Foi necessário inclusive uma morte "anormal" para que todos tivessem certeza de que era D'us que havia mandado o castigo. O mesmo D'us Misericordioso, que havia recompensado os cachorros por não terem latido na saída do Egito, o que teria amedrontado o povo e os teria feito sofrer. D'us demonstrou a misericórdia que sente pelo povo judeu os salvando até mesmo do susto com o latido dos cães. Moshé estava ressaltando ao povo que a morte daqueles perversos não era por falta de misericórdia. Era um ato que parecia cruel, mas cujo intuito era trazer o bem para o povo inteiro. O mesmo D'us, tão Misericordioso, também sabia ser rigoroso quando era necessário para um bem maior. O livro Orchot Tzadikim explica nossos traços de caráter. Há traços de caráter que são predominantemente bons, como a humildade, a misericórdia e o recato, enquanto outros são predominantemente ruins, como a arrogância, a crueldade e o descaramento. Apesar disso, mesmo os melhores traços de caráter podem acabar sendo utilizados de forma negativa, enquanto os piores traços de caráter podem ser canalizados e utilizados de forma positiva. Por exemplo, um dos traços mais detestáveis aos olhos de D'us é a crueldade, que é o oposto da misericórdia. Este é um traço de caráter encontrado somente em pessoas perversas. Em muitas Mitzvót a Torá exige que sejamos misericordiosos, como na ajuda aos pobres e no cuidado para não causarmos danos aos outros. Porém, o Orchot Tzadikim ensina que há lugares onde é necessário comportar-se com crueldade, em especial contra os perversos, como está escrito: "E quebrei as mandíbulas do injusto e arranquei a presa de seus dentes" (Yov 29:17). Assim também disseram nossos sábios no Talmud (Ketubot 86a): "Aquele que não quiser construir uma Sucá, nem fazer Tsitsiót para seu Talit... nem fixar uma Mezuzá no umbral de sua porta, merece ser chicoteado". E tudo isso requer uma certa dose de crueldade, para que possamos perseguir os malvados e pressioná-los de forma dura, a fim de trazê-los de volta à boa conduta. É uma crueldade com intenções boas, visando o bem geral. Também é preciso ser cruel no julgamento, no sentido de não favorecer parentes, amigos e pobres. As decisões judiciais devem ser tomadas de acordo com a lei, sem desvios. Também às vezes é necessário ser duro com os filhos, beirando a crueldade, para que eles sejam educados nos caminhos da Torá. Por exemplo, um pai não pode ser conivente caso o filho esteja ganhando dinheiro de forma ilícita. Neste caso, a crueldade precisa ser utilizada, para vencer o amor de um pai por seus filhos, que o cega de fazer uma avaliação honesta da situação. Nossos rabinos disseram: "Todo aquele que se torna misericordioso quando a crueldade é necessária, no final se tornará cruel quando a misericórdia for necessária". Foi o que aconteceu no caso de Shaul HaMelech, que teve misericórdia de Agag, o rei de Amalek. Ele não matou Amalek junto com o resto do seu povo, e esta misericórdia custou muito caro ao povo judeu, pois permitiu que Agag tivesse descendentes, entre eles um homem cruel chamado Haman, que se tornou um opressor do povo judeu e quase conseguiu seu intento de exterminá-los. Há também no Talmud (Makot 7a) uma interessante discussão dos nossos sábios em relação à aplicação da pena de morte prevista pela Torá. O Talmud afirma que o Sanhedrin que executa mais de um transgressor no período de sete anos é caracterizado como um "Tribunal assassino". O Rabi Elazar ben Azaria discorda e afirma que esta caracterização se aplicaria a um Sanhedrin que executasse mais do que um transgressor a cada setenta anos. Rabi Tarfon e Rabi Akiva afirmam que se eles fossem membros do Sanhedrin, teríamos conduzido julgamentos de maneira que nenhuma pessoa jamais teria sido executada. Porém, ao escutar esta última opinião, o Raban Shimon ben Gamliel reagiu e disse: "Ao adotarem essa abordagem, vocês aumentariam o número de assassinos dentro do povo judeu". A misericórdia fora de hora faria com que a pena de morte perdesse o seu valor dissuasor, pois os potenciais assassinos saberiam que ninguém nunca é morto e praticariam tranquilamente seus crimes. Como diz o ditado: "Quem poupa o lobo, condena as ovelhas à morte". Todo este conceito nos ajuda a entender que tudo o que D'us faz é para o nosso bem. Mesmo quando Seus decretos parecem duros e cruéis, devemos saber que tudo é para o melhor, tudo têm propósitos bons e construtivos. Como um pai que ama seu filho e quer educá-lo, assim também D'us nos ama e quer apenas que possamos, no final das contas, aprender e crescer com tudo o que ocorre nas nossas vidas. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor, deixe aqui a sua pergunta ou comentário sobre o texto da Parashá da semana. Retornarei o mais rápido possível.