Nesta semana lemos a Parashá Chukat, contendo assuntos muito importantes que ocorreram quando o povo judeu já estava em seu último ano no deserto, tais como as mortes de Miriam e de Aharon, além do erro de Moshé ao golpear a pedra para dar água ao povo. O nome da Parashá, "Chukim", significa literalmente "Estatutos". A Torá contém dois tipos de Mitzvót: os Chukim e os Mishpatim. Chukim são as Mitzvót que estão acima do nosso intelecto e, portanto, não temos condições de entendê-las, tais como a proibição de misturar lã com linho (Shatnez) e a obrigação de colocarmos os Tefilin na cabeça e no braço. Já os Mishpatim são as Mitzvót intelectualmente mais fáceis de serem entendidas, tais como a proibição de roubar, de matar e de cometer adultério. O assunto inicial da nossa Parashá é a enigmática "vaca vermelha", cujas cinzas eram utilizadas para a purificação de pessoas que entraram em contato com a impureza dos mortos. A vaca vermelha é a Mitzvá que representa os Chukim, pois há enormes dificuldades de entendimento, e até mesmo contradições, muito acima do nosso limitado entendimento. Por exemplo, a vaca vermelha era utilizada para purificar as pessoas, mas aquele que preparava as cinzas ficava impuro. Como pode ser que algo feito para purificar as pessoas impurifica outras pessoas que já estavam puras? Certamente esta Mitzvá está muito acima do nosso entendimento. O assunto da vaca vermelha nos remete a um interessante ensinamento do Talmud (Kidushin 31a), que questiona: "Até onde vai a nossa obrigação de honrarmos nossos pais?". O Talmud responde contando a história de um homem não judeu de Ashkelon, chamado Dama ben Netina, e o respeito que ele tinha pelo pai. Ele era um comerciante de pedras preciosas, e foi procurado pelos sábios judeus pois tinha uma das pedras que era necessária para o "Choshen" (peitoral), uma das roupas do Cohen Gadol. A pedra valia 600 mil moedas de ouro, mas como a chave da loja estava sob o travesseiro de seu pai, que estava descansando, ele se recusou a incomodá-lo, mesmo que isso significasse a perda de um lucro tão grande. Essa é a medida até onde devemos honrar os nossos pais. Porém, a história continua. No ano seguinte, D'us recompensou Dama ben Netina e, entre seus animais, nasceu uma vaca vermelha, que cumpria todos os requisitos para a Mitzvá de purificação. Os sábios judeus, que estavam precisando de uma vaca vermelha, vieram até ele. Dama ben Netina disse a eles: "Sei que se eu pedisse todo o dinheiro do mundo, vocês me dariam por esta vaca vermelha. Porém, eu vou pedir por ela apenas a quantia que perdi pela honra do meu pai". Mas por que o Talmud veio nos ensinar a lição de honrar os pais justamente através do ato meritório de um não judeu? Não haviam atos meritórios de judeus que poderiam transmitir a mesma mensagem? Por exemplo, nossos sábios ensinam que certa vez a mãe do Rabi Tarfon estava caminhando em seu jardim no Shabat e a sandália dela rasgou. Ela teria que voltar para casa descalça. O Rabi Tarfon imediatamente colocou as mãos sob os pés dela, para que ela pisasse até chegar em casa. Então por que o ato lembrado foi o de Dama ben Netina? Além disso, por que a recompensa de Dama ben Netina veio justamente através de uma vaca vermelha? Por que D'us não mandou a recompensa de outra maneira, como aumentar os seus lucros nos negócios? Explica o Rav Yaacov Naiman zt"l (Bielorússia, 1909 - EUA, 2009) que, na realidade, o ato de Dama ben Netina não foi algo tão louvável e completo como parece. Nos ensina Shlomo HaMelech: "Se um homem desse todos os bens de sua casa por amor, eles o desprezariam" (Shir Hashirim 8:7). Rashi explica que isso se refere ao amor do povo judeu por D'us. Quando um judeu cumpre uma Mitzvá, que é a vontade de D'us, ele despreza qualquer dinheiro, isto é, não trocaria a Mitzvá por nenhum dinheiro do mundo. No final das contas, Dama ben Netina vendeu sua preciosa Mitzvá por 600 mil moedas de ouro. Isso fez com que seu ato fosse incompleto. Além disso, uma pessoa realmente virtuosa, quando cumpre uma Mitzvá, não fica atrás de receber "tapinhas nas costas" dos outros. Ele é humilde e tenta esconder seus bons atos e, se possível, cumprir as Mitzvót quando os outros não estão olhando. E até mesmo em relação a si mesmo, a pessoa deve tentar "esquecer" a Mitzvá que cumpriu, para não ficar orgulhoso. Há grandes Tzadikim do povo judeu que estavam sempre preocupados e viviam com a sensação de que ainda não haviam cumprido as Mitzvót como deveriam. Por que? Pois as coisas boas que eles faziam eles realmente se esqueciam e, por isso, sempre se sentiam incompletos, como se estivessem apenas começando. O comportamento de Dama ben Netina foi bem diferente. Apesar de ser uma das pessoas mais corretas entre os não judeus, ele lembrou-se da Mitzvá que havia feito mesmo após um ano já ter se passado. Ele ainda se glorificava por ter feito um grande ato e se enaltecia, demonstrando seu orgulho. Mas por que isso é um problema? Na Tefilá de Mussaf de Rosh Hashaná nós dizemos: "Você (D'us) lembra de todas as coisas esquecidas". A explicação mais simples é que, no momento do nosso julgamento, D'us se lembra de todas as nossas transgressões, mesmo aquelas que nós já esquecemos. Porém, o Rav Moshe Leib de Sassov zt"l (Ucrânia, 1745 - 1807) traz uma linda explicação. Quando uma pessoa cumpre uma Mitzvá e "esquece" que a cumpriu, então D'us se lembra da Mitzvá e dá à pessoa uma recompensa. Porém, se a pessoa se lembra da Mitzvá e se torna orgulhosa, então D'us "esquece" a Mitzvá. Da mesma forma, se uma pessoa faz uma transgressão e se esquece dela, então D'us se lembra. Porém, se a pessoa se lembra da transgressão e se arrepende, então D'us esquece. Desta maneira também podemos entender porque D'us deu a recompensa a Dama ben Netina através da vaca vermelha. D'us queria testá-lo, dando-lhe a oportunidade, depois de muito tempo, de vender a Mitzvá que havia feito. Dama não passou no teste e, se vangloriando por sua boa ação, trocou-a por dinheiro. O Rebe de Kotzk zt"l (Polônia, 1787 - 1859) explicou por que D'us deu a ele uma vaca vermelha. Quando Dama ben Netina cumpriu a Mitzvá de honrar seu pai, isso se tornou uma acusação contra o povo judeu. É como se tivessem anunciado dos Céus: "Vejam como este não judeu está cumprindo a Mitzvá de honrar os pais! E ele está disposto a perder muito dinheiro por ela!". D'us então mandou a Mitzvá da vaca vermelha, para mostrar que Dama ben Netina estava disposto a perder dinheiro por uma Mitzvá que ele entendia racionalmente, enquanto os sábios judeus estavam dispostos a pagar qualquer valor por uma Mitvzá que não tinha nenhum entendimento lógico. Isso acabou com a acusação espiritual contra o povo judeu. Por que, em relação à Mitzvá da vaca vermelha está escrito "Esta é a lei da Torá", como se representasse todas as Mitzvót? Explica o Or HaChaim Hakadosh (Marrocos, 1696 - Israel, 1743) que quando uma pessoa cumpre uma Mitzvá completamente ilógica, é como se tivesse cumprido a Torá inteira, pois é um testemunho da confiança que a pessoa tem em D'us. Já em relação aos Mishpatim não há este testemunho, pois talvez a pessoa não cumpriu a Mitzvá por confiar em D'us, e sim pois intelectualmente concorda com a Mitzvá. Nossa conexão verdadeira vem da confiança plena em D'us, sem cálculos e sem racionalizações. Devemos cumprir as Mitzvót apenas por que D'us nos comandou, como um filho que escuta as instruções de seu pai, mesmo quando não entende. Desta maneira, demonstramos o nosso amor e nos conectamos a D'us de verdade. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |
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