Nesta semana lemos a Parashá Ekev (literalmente "Se"), que continua trazendo os discursos de despedida de Moshé, cujo principal propósito era preparar o povo judeu para os novos desafios que eles encontrariam na Terra de Israel, entre eles as guerras de conquista e o contato com outros povos. A Parashá também ressalta uma das maiores bondades que D'us fez ao povo no deserto: o "Man", alimento milagroso que caía do céu todos os dias, alimentando milhões de pessoas durante 40 anos. A Parashá também traz outro milagre incrível que ocorreu com o povo judeu no deserto: "Sua roupa não se envelheceu e seu pé não inchou nestes 40 anos" (Devarim 8:4). Rashi (França, 1040 - 1105) explica que a nuvem Divina que envolvia o povo durante a travessia do deserto limpava e passava suas roupas. Além disso, a roupa das crianças crescia, acompanhando o crescimento do corpo delas. Dessa forma, não precisavam nem mesmo tirar suas roupas para lavar e passar, e muito menos comprar roupas novas. Um milagre incrível de D'us, entre tantos milagres que nos acompanharam desde a saída do Egito. Porém, se pararmos para refletir, este milagre de D'us precisa de um esclarecimento. Sabemos que D'us não faz milagres desnecessários. O povo poderia, sem nenhum problema, trocar suas roupas e até mesmo lavá-las em pleno deserto, já que havia a fonte de água que os acompanhou durante toda a travessia. Então, qual era a necessidade deste milagre? Para respondermos esta pergunta, podemos comparar os 40 anos do povo no deserto com a criação de um filho. Durante os primeiros anos de vida, até que o filho cresça e tenha maturidade suficiente para cuidar sozinho de suas próprias necessidades, o pai realiza as tarefas por ele. Esta atitude do pai tem dois objetivos: o primeiro é, obviamente, dar ao filho tudo o que ele precisa, como suas necessidades básicas de alimentação, vestuário e moradia. O pai faz isso sem cobrar nada, simplesmente por amor e pela vontade de criar seu filho da melhor forma possível. O segundo é que o pai também quer que seu filho aprenda e se prepare para a vida, para que, quando crescer, possa se manter sem a necessidade de ajuda do pai. Da mesma forma, D'us "criou" o povo judeu no deserto com todas as regalias, para que materialmente não precisassem se preocupar com nada. Eles tinham o Man, que caía do céu na porta de suas tendas e continha todos os nutrientes e vitaminas necessários. Eles tinham água fresca e cristalina, de um manancial que os acompanhava. Eles tinham as "Nuvens de glória", que davam a eles sombra para protegê-los do calor escaldante do deserto e os protegia do frio congelante da noite, além de impedir a entrada de animais ferozes e inimigos. E, para completar, tinham um "guia", um pilar de nuvem que ia à frente do povo durante do dia, e que era substituído por um pilar de fogo durante a noite, iluminando o acampamento do povo judeu. Resumindo, recebiam proteção total de D'us e tinham todas as suas necessidades materiais atendidas. Por que D'us fez isso? Para que o povo judeu pudesse se dedicar apenas ao estudo da Torá e ao seu crescimento espiritual, preparando-se para a entrada em Israel, quando teriam que lidar com as dificuldades da vida normal. Esta vida dentro de uma "redoma" explica um pouco o erro dos espiões, que falaram mal da Terra de Israel e causaram o choro coletivo do povo. Em seu subconsciente, eles queriam ficar no deserto, ou ao menos atrasar ao máximo a entrada na Terra de Israel, pois achavam que aquele "tratamento especial", que os permitia se dedicarem completamente ao estudo da Torá e ao crescimento espiritual, deveria continuar para sempre, pois assim se aproximariam mais de D'us. O que os espiões não haviam entendido é que, como na educação do pai, é importante que o filho amadureça e aprenda a lidar com as adversidades. Nenhum pai quer que o filho se acomode e seja dependente pelo resto da vida. Parte da educação é justamente preparar os filhos para vencer na vida, dando a eles ferramentas para que possam caminhar com suas próprias pernas. Era isso o que D'us queria para o povo judeu, um período de preparação, dentro de uma redoma protegida, para que eles se fortalecessem e pudessem voltar à vida normal, onde a busca pela espiritualidade faria parte da luta diária deles. Neste contexto podemos entender também o incrível milagre das roupas que não se estragavam e cresciam junto com o corpo das pessoas. Era o momento em que D'us estava fornecendo tudo o que era necessário materialmente, para que pudessem se dedicar exclusivamente à sua espiritualidade e pudessem se preparar para os futuros desafios que encontrariam na Terra de Israel. Isso é muito semelhante à escolha que nosso patriarca Yaacov fez. Ao decidir ir para a casa de seu tio Lavan, um homem extremamente materialista, idólatra e desonesto, Yaacov preferiu antes passar 14 anos estudando Torá na Yeshivá de Shem e Ever, em uma "redoma", para se preparar espiritualmente e conseguir as ferramentas necessárias para vencer os futuros desafios. Foi isso que deu a Yaacov a força para se manter íntegro durante os 20 anos que passou na casa de Lavan, mesmo tendo sido enganado e trapaceado centenas de vezes. Porém, há outra importante lição transmitida pelo milagre das roupas. Quando pensamos em milagres, logo surge em nossas cabeças ideias de grandes acontecimentos, incríveis intervenções Divinas que mudaram a história da humanidade. É verdade que milagres assim grandiosos ocorreram diversas vezes na história, mas milagres não são somente grandes realizações. Mesmo nos pequenos detalhes do cotidiano já há intervenções Divinas para que tudo aconteça da melhor forma possível, conforme o que Ele determinou. Mesmo nas coisas "naturais" que estamos acostumados a presenciar, devemos saber que tudo é milagre, uma realização Divina. Até nas coisas mais básicas, como a roupa que vestimos, podemos perceber os milagres e bondades de D'us. O grande problema é que estes pequenos milagres cotidianos somente são percebidos se pararmos para observar e refletir. Certa vez, um sábio de Torá levou seu irmão, um professor universitário de gastroenterologia, especialista em aparelho digestivo, para visitar o Rav Aharon Leib Shteinman zt"l (Bielorússia, 1914 - Israel, 2017) . Durante a visita, o professor disse ao rabino que estava há muitos anos à procura de D'us, mas nunca O havia encontrado. O Rav Shteinman respondeu de forma inusitada: "Você já O procurou no seu estômago?". O que o Rav Shteinman estava transmitindo é que D'us pode ser encontrado no milagre da vida, na perfeição do nosso corpo, em cada um dos sistemas que nos mantém vivos. O termo hebraico para gratidão é "Hakarat Hatov", que significa literalmente "Reconhecer o bem recebido". Se você perdeu o emprego, mas ainda tem família e saúde, você tem algo para ser grato. Se você está em uma cadeira de rodas, mas sua mente está afiada, você tem algo a agradecer. Se você arrebentou uma corda do seu violino, mas você ainda tem outras três, você tem algo para agradecer. O simples fato de termos roupas para vestir já é motivo suficiente para agradecermos a D'us. Quando desenvolvemos o traço da gratidão, começamos a enxergar, cada vez com mais claridade, quantas coisas boas temos na vida. Sempre teremos problemas e coisas que nos faltam. Mas isso não é motivo para vivermos amargos e insatisfeitos. Quando vivemos com gratidão, reconhecemos e agradecemos por tudo o que temos, e isso nos torna pessoas mais felizes. Essa é a lição dos milagres das roupas no deserto. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |
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