Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Matót (literalmente "Tribos") e Massei (literalmente "Viagens"), terminando o quarto Livro da Torá, Bamidbar. A Parashá Matót traz alguns assuntos importantes, como a guerra de vingança conta o povo de Midian, as leis de Kasherização de utensílios e o pedido das Tribos de Reuven e Gad para ficarem fora da Terra de Israel. Já a Parashá Massei descreve as viagens do povo judeu e fala sobre as Cidades de Refúgio, para onde iam os assassinos não intencionais. A guerra contra Midian, descrita na Parashá Matót, era o marco de despedida de Moshé como líder do povo judeu. Ela foi chamada por D'us de "guerra de vingança", pois os Midianim haviam participado do plano de Bilaam, cujo objetivo era causar com que o povo judeu fizesse transgressões graves e assim perdessem sua proteção espiritual. Eles ofereceram suas próprias filhas como "iscas", tamanho era o ódio contra o povo judeu. E o mais grave era que tratava-se de um ódio gratuito, pois Midian não estava sendo ameaçado pelo povo judeu. E assim a Torá descreve o comando de Moshé para o povo judeu: "Armem homens dentre vocês para o exército que lutará contra Midian, para infligir a vingança de D'us contra Midian. Mil de cada Tribo, mil de cada Tribo, de todas as Tribos de Israel vocês devem enviar para o exército" (Bamidbar 31:3,4). Mas explica o Midrash que não foram enviados apenas 12 mil homens para a frente de batalha, como sugere o entendimento mais simples dos versículos. Na realidade, foram enviadas 3 mil pessoas de cada Tribo, sendo 12 mil soldados para a guerra, 12 mil homens para ajudar a carregar os equipamentos e 12 mil homens para rezar pelos soldados. Porém, este Midrash desperta diversos questionamentos. Em primeiro lugar, a guerra contra Midian foi uma "Guerra de Mitzvá", comandada diretamente por D'us, como uma vingança contra Midian por terem causado um tropeço ao povo judeu. Portanto, se a vitória já estava garantida, por que foi necessário fazer Tefilá? Além disso, mesmo que fosse importante rezar pelos soldados, por que foi necessário que as pessoas convocadas para rezar também fossem ao campo de batalha? Não era suficiente que eles ficassem rezando no acampamento? Que diferença faz se estavam rezando de perto ou de longe? E, finalmente, vemos que foi enviado o mesmo número de pessoas para rezar do que de soldados para lutar. Mas por que estas pessoas tiveram que ser convocadas para rezar? Certamente Moshé e o resto do povo rezariam pelos seus irmãos que estavam indo arriscar suas vidas na batalha! Então por que especificar 12 mil homens para fazer algo que todos do povo já fariam? Explica o Rav Yechezkel Levenstein zt"l (Polônia, 1895 - Israel, 1974) que, para respondermos estas perguntas, precisamos antes saber um fundamento do nosso trabalho espiritual neste mundo. Não temos ideia do quão próximos estamos, o tempo todo, de tropeçarmos em uma das piores transgressões da Torá: a "Kofrut", que literalmente significa "Negação de D'us". Nos consideramos pessoas com Emuná, que acreditamos plenamente em D'us. Porém, há uma forma de Kofrut que todos nós estamos suscetíveis, denominada pela Torá como "Minha força e o poder da minha mão acumularam esta riqueza para mim" (Devarim 8:17). Este tipo de Kofrut ocorre todas as vezes em que o ser humano atribui a si mesmo o sucesso dos seus atos, ao invés de atribuí-lo a D'us. Mas por que vivemos tão próximos assim deste tipo de Kofrut? Pois normalmente nos apoiamos no que os nossos olhos enxergam. Assim nos ensina a Torá: "Não siga atrás dos seus corações e atrás dos seus olhos, pois vocês se desviam atrás deles" (Bamidbar 15:39). Rashi (França, 1040 - 1105) explica que os olhos veem, o coração deseja e o corpo faz a transgressão. Os olhos são os portões do coração, não apenas para nos puxar atrás de promiscuidades ou imoralidades, mas também para nos desviar da realidade espiritual, nos fazendo acreditar somente no que nossos olhos enxergam. Esta força de Kofrut é algo já enraizado no coração do ser humano, e aquele que não se esforça muito para arrancar este tipo de pensamento de dentro de si não consegue escapar desta distorção da realidade. Este fenômeno não ocorre apenas com pessoas espiritualmente baixas. Pessoas elevadas também precisam se esforçar nesta área todos os dias de suas vidas. A prova é que as pessoas que iam para a guerra eram justamente as pessoas espiritualmente mais elevadas, como está escrito: "Armem dentre vocês homens". A palavra "homens" utilizada neste versículo é "anashaim", uma linguagem que se refere a Tzadikim, pessoas em um nível espiritual elevado. Apesar de os soldados que iam para as guerras serem pessoas muito grandes, o coração deles também estava muito próximo da Kofrut. Portanto, este é o sentido de 12 mil pessoas irem rezar no campo de batalha, ao lado dos 12 mil soldados. Apesar de ser uma guerra de Mitzvá, havia o enorme risco de os soldados, ao vencerem a guerra, não atribuírem seu sucesso à D'us, e sim à sua própria força e coragem. Para colocar no coração dos soldados que não havia sido seus esforços de guerra que os haviam conduzido à vitória, e sim a Tefilá, foram enviadas para a frente de batalha a mesma quantidade de pessoas para rezar por eles. Se o povo tivesse ficado rezando no acampamento, os soldados não associariam a vitória à força da Tefilá. Somente quando viram a força da Tefilá com seus próprios olhos, entenderam bem o conceito e se afastaram da Kofrut. Se os soldados não vissem com seus próprios olhos as pessoas rezando, o coração penderia para o que os olhos estavam enxergando, e eles acreditariam que seus esforços na guerra e sua valentia haviam derrotado os Midianim. Apenas saber que as pessoas rezavam por eles não seria suficiente. A visão dos olhos deles, da guerra sendo vencida no campo de batalha, os teria puxado para a Kofrut. Eles então perderiam toda a ajuda Divina e seriam derrotados na batalha. Esse é o motivo pelo qual a Torá descreve que, quando o povo judeu lutou contra o povo de Amalek, Moshé subiu em uma montanha. Todos os momentos em que ele ficava com os braços para cima, o povo judeu ficava em vantagem na guerra, mas quando Moshé abaixava seus braços, o povo judeu ficava em desvantagem na guerra. Obviamente não eram os braços de Moshé que faziam o povo judeu vencer a guerra, eles não faziam nenhum tipo de mágica. Então como funcionava? Moshé ficou muito próximo do povo, de forma que todos pudessem vê-lo. Quando ele levantava as mãos, o povo olhava para o céu e se subjugavam a D'us, e por isso venciam a guerra. Mas imediatamente quando ele abaixava as mãos, o povo abaixava os olhos e caiam no risco de Kofrut, e por isso perdiam a guerra. Deste acontecimento com Moshé aprendemos algo incrível: um momento de distração pode nos levar a acreditar no poder das nossas mãos, pois é isso o que nossos olhos enxergam. Portanto, a única maneira de escaparmos deste perigo é com uma reflexão constante, lembrando como somos pequenos e limitados e como D'us é poderoso e infinito. O temor a D'us é algo que deve nos acompanhar o tempo todo, sem interrupção. Esse também é um dos motivos que levaram nossos sábios a estipular Berachót para os proveitos do mundo material. Devemos pedir permissão para D'us e agradecê-Lo por cada proveito. Dessa forma, reconhecemos que os proveitos que temos na vida não são resultado do nosso esforço, e sim um presente de D'us. Não conseguimos nada sozinhos, pois em todas as nossas conquistas dependemos Dele, sempre. Se guardarmos esta ideia no coração, poderemos viver mais tranquilos, com a certeza de que, mesmo quando surgirem testes, obstáculos e dificuldades, Ele nos ajudará a vencermos e a chegarmos ao sucesso. É D'us, e somente Ele, que sempre "descasca as nossas tangerinas". SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |
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