Nesta semana lemos a Parashá Noach, que nos conta sobre o terrível dilúvio que destruiu a humanidade apenas 10 gerações após a criação do mundo. Esta tragédia veio como consequência dos seres humanos terem rapidamente se desviado dos caminhos de D'us. Apenas Noach, que se manteve íntegro, encontrou graça aos olhos de D'us e foi poupado da destruição junto com sua família. Noach passou 120 anos construindo uma arca gigantesca para que ele, sua família e poucos exemplares de cada animal do mundo pudessem se salvar. Mas há um versículo sobre a família de Noach que nos chama a atenção no final da Parashá Bereshit: "E Noach tinha 500 anos quando ele teve Shem, Cham e Yefet" (Bereshit 5:32). Em todas as gerações anteriores, a Torá registra que as pessoas tiveram filhos quando tinham por volta de 100 anos de idade. Por que Noach teve que esperar 500 anos para poder ter filhos? Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que D'us fez o seguinte cálculo: se os filhos de Noach fossem Reshaim (malvados), eles teriam sido destruídos junto com o resto da humanidade e isto teria causado muito sofrimento para Noach, que era um Tzadik (justo). Se eles fossem Tzadikim, isto causaria um enorme esforço para Noach, que teria que construir muitas arcas, uma para cada família dos seus filhos. D'us então "segurou" o nascimento dos filhos de Noach de forma que na época do dilúvio nem mesmo Yefet, o filho mais velho, tinha chegado à idade na qual poderia ser castigado com decretos Celestiais (naquela época, antes da entrega da Torá, isto ocorria apenas após a pessoa ter mais de 100 anos de idade). Porém, esta explicação de Rashi é difícil de ser entendida. Qual seria a dificuldade de construir muitas arcas? Havia tempo suficiente e Noach não precisaria construir tudo sozinho, pois seus filhos o ajudariam na construção ou ele poderia contratar trabalhadores. Além disso, será que valeu a pena tirar de Noach o esforço de construir muitas arcas e, por outro lado, causar nele o terrível sofrimento de não ter filhos até chegar à idade de 500 anos? Explica o Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) que, para responder esta pergunta, precisamos entender alguns acontecimentos milagrosos descritos pelos nossos sábios. Por exemplo, o Talmud (Iomá 38a) descreve que um homem chamado Nicanor quis trazer, desde o Egito até Israel, dois portões para o Beit Hamikdash (Templo Sagrado). No meio da viagem, uma forte tempestade ameaçou afundar o navio. Para aliviar o peso da embarcação, lançaram ao mar um dos portões. Porém, como a tempestade continuou castigando o navio, pensaram em jogar também o segundo portão. Mas Nicanor abraçou o portão e disse: "Me joguem ao mar junto com o portão". Neste momento a tempestade parou e a embarcação pôde seguir sua viagem. Nicanor sofreu muito por causa do portão que havia sido lançado ao mar, mas quando chegaram ao porto da cidade de Aco, em Israel, ele percebeu que o portão lançado ao mar havia milagrosamente flutuado e seguido atrás do navio. Todos os portões do Beit Hamikdash eram feitos de ouro, com exceção do portão de Nicanor, que era feito de bronze, por causa dos grandes milagres que aconteceram. Também em relação ao profeta Shmuel aconteceu algo milagroso. Quando ele ainda era pequeno, sua mãe, Chana, fez para ele um manto, como está escrito: "Um pequeno manto sua mãe fez para ele" (Shmuel 1 2:19). Depois está escrito: "Um homem velho está subindo e ele está vestindo um manto" (Shmuel 1 28:14). De acordo com o Midrash, o mesmo manto que Chana fez para o profeta Shmuel quando ele era pequeno cresceu junto com ele e não se estragou, apesar de ter sido usado até a sua velhice, um grande milagre. O mesmo milagre ocorreu com o povo judeu no deserto, quando suas roupas cresciam junto com o corpo e não se estragavam. Porém, no deserto aquele milagre era necessário, já que os judeus não teriam de onde conseguir roupas novas. Mas por que foi necessário que este milagre acontecesse ao profeta Shmuel? Ele não poderia ter comprado outros mantos durante sua vida? Há um ponto em comum entre estes casos: são duas situações que envolveram "Messirut Nefesh", uma entrega total da pessoa. Nicanor estava disposto a ser atirado ao mar junto com os seus portões, tamanho era o seu amor por D'us e pelo Seu Beit Hamikdash, e isto "inseriu" no portão a força de flutuar milagrosamente. Também o mesmo ocorreu em relação ao manto de Shmuel. Não era normal crianças vestirem mantos, mas o amor de Chana por seu filho era tão grande que ela fez para ele um manto. Todas as lágrimas derramadas e as Tefilót (rezas) que saíram do coração de Chana durante os 19 anos nos quais ela implorou a D'us por um filho foram "inseridos" naquele manto. Através desta força de Chana, de sua Messirut Nefesh, o próprio manto se transformou em uma fonte de amor e bondade. Quando o profeta Shmuel vestiu aquele manto, recebeu sua influência positiva e desenvolveu um enorme amor por D'us e pelo povo judeu. Isto quer dizer que atos de Messirut Nefesh podem fazer com que forças especiais sejam transferidas até mesmo para objetos inanimados. Com este conceito podemos entender o que Rashi explica sobre a arca de Noach. A construção da arca não era apenas um local de proteção contra o dilúvio. Noach precisava fazer uma "construção de salvação", isto é, uma arca onde nela estivesse naturalizada uma força milagrosa de salvação. Isto somente poderia ocorrer com Messirut Nefesh. Por isso Noach teve que passar 120 anos se esforçando para construir a arca, diante das risadas dos Reshaim de sua geração. Isto transformou a arca em uma fortaleza de proteção para Noach e sua família. E a força de salvação inserida na arca foi tão intensa e incrível que, mesmo milênios depois, ela ainda ajudou a salvar o povo judeu. A forca onde Haman foi pendurado tinha a altura de 50 "Amót" (medida da Torá, cada Amá equivalendo a aproximadamente 50 cm). Esta é também a medida da largura da arca de Noach, como está escrito: "E este é o tamanho que você devem fazer a arca: 300 Amót de comprimento, 50 Amót de largura e 30 Amót de altura" (Bereshit 6:15). O Midrash nos ensina que isto não é uma coincidência, pois a forca na qual Haman foi pendurado, fato que iniciou o processo de salvação do povo judeu, foi feita com uma madeira retirada da arca de Noach, que tinha absorvido a força de salvação. Isto somente poderia ser conseguido se Noach pessoalmente construísse a arca, pois somente ele encontrou graça aos olhos de D'us para ser salvo e, portanto, somente ele conseguiria naturalizar na arca a característica e a virtude da salvação. Caso ele tivesse contratado trabalhadores, que seriam os Reshaim da geração, certamente eles não conseguiriam transmitir à arca esta força. Se fosse necessário construir muitas arcas, recairia sobre Noach este esforço tremendo, um peso que provavelmente ele não conseguiria suportar. O sofrimento sentido por Noach, de aguardar 500 anos para ter filhos, foi realmente muito pesado, mas foi necessário para que Noach e seus filhos pudessem ser salvos. Conclui o Rav Chaim Shmulevitz que se até mesmo objetos inanimados podem absorver forças incríveis através de atos de Messirut Nefesh, muito mais uma criança que é educada com a Messiritu Nefesh dos pais. Pais que investem na educação dos seus filhos, com muito amor e atenção, fazem com que o filho absorva forças incríveis de Messirut Nefesh e amor ao próximo. Aprendemos esta lição de Moshé Rabeinu. Ele tinha 10 nomes, cada um representando alguma qualidade incrível que ele conseguiu desenvolver durante sua vida. Porém, D'us fez questão de chamá-lo de Moshé, o nome dado por Batia, filha do Faraó, que o salvou do Nilo e o criou como se fosse seu próprio filho. Por que ela deu este nome? Pois "Moshé" vem de uma linguagem em hebraico que significa "retirar", já que Batia retirou Moshé das águas. Mas o que este nome tem de especial? Que qualidade ele revela? O ato de Batia, de retirar um bebê judeu das águas, foi um ato de Messirut Nefesh. Batia, corajosa, foi contra o decreto do seu próprio pai. Esta qualidade foi transmitida para Moshé, que com Messirut Nefesh salvou e conduziu o povo judeu pelo deserto durante os 40 anos em que foi o líder. O contrário também infelizmente é válido. Atualmente muitos pais colocam a televisão como "educador" de seus filhos, pois enquanto os filhos ficam hipnotizados pelas imagens, os pais podem cuidar de seus afazeres tranquilamente. Os pais têm tempo para o Jornal Nacional, mas não têm tempo para escutar como foi o dia do filho na escola. As mães têm tempo de mandar centenas de mensagens nos grupos de whatsapp, mas não têm tempo de perceber as mensagens transmitidas pelos seus próprios filhos, quando eles precisam de uma atenção especial, palavras de incentivo ou simplesmente um abraço. Buscamos cada vez mais formas de facilitar nossa vida, como contratar babás e dar aos filhos jogos eletrônicos para que fiquem tranquilos e não nos incomodem. Assim, nos afastamos cada vez mais da Messirut Nefesh pelos nossos filhos e vemos crescer uma geração cada vez mais egoísta, com crianças já apresentando sintomas de depressão e níveis alarmantes de delinquência juvenil. Não é buscando formas de facilitar a educação dos nossos filhos que construiremos um mundo mais promissor. Devemos aprender com Noach que, se queremos educar filhos com valores, com bons traços de caráter e saudáveis, fisicamente e psicologicamente, é preciso muito investimento e um trabalho duro. Mas os bons frutos fazem valer a pena o esforço. Shabat Shalom R' Efraim Birbojm |
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