Nesta 4ª feira de noite (11 de outubro) começaremos uma nova Festa do calendário judaico, Shemini Atseret, que literalmente significa "O Oitavo, o dia da parada". Apesar da proximidade com a Festa de Sucót, Shemini Atseret é uma Festa independente, com seus próprios simbolismos e significados. Nossos sábios decidiram que justamente neste dia terminamos o ciclo anual de leitura da Torá e, por isto, o dia também é chamado de "Simchá Torá" (literalmente "A alegria da Torá"). Temos o costume de dançar alegremente com todos os Sifrei Torá que estão na sinagoga. De manhã, após lermos a última Parashá da Torá, "Vezot HaBrachá" (literalmente "E esta é a Benção"), que traz as Brachót que Moshé deu a cada uma das tribos de Israel antes de sua morte, imediatamente recomeçamos o ciclo de leitura, lendo um pequeno trecho da primeira Parashá, Bereshit (literalmente "No princípio"). Fora de Israel, por comemorarmos dois dias de Yom Tov, Simchá Torá foi fixado apenas no 2º dia de Shemini Atseret. No Shabat, que já não coincide com Shemini Atseret, nós lemos a Parashá Bereshit inteira. Esta Parashá descreve a criação do mundo e de seus primeiros habitantes, Adam e Chavá. Há algo muito interessante no início da Parashá que nos chama a atenção. Normalmente Rashi, comentarista da Torá, costuma ser muito sucinto em suas explicações. Porém, logo na primeira palavra da Torá, "Bereshit", Rashi se estende muito em seu comentário. Ele traz uma pergunta em nome do Rebe Ytzchak: "Por que a Torá começou neste ponto, "No princípio", ao invés de ter começado diretamente no versículo "Este mês será para vocês" (Shemot 12:2), que traz a primeira Mitzvá da Torá entregue ao povo judeu, a Mitzvá de Rosh Chodesh (Santificação do novo mês)?". Mas o que significa esta pergunta do Rebe Yitzchak? É verdade que, se observarmos todo o primeiro livro da Torá, Bereshit, e também o início do segundo livro, Shemot, perceberemos que a Torá traz apenas histórias e narrativas, descrevendo desde a criação do mundo, passando pelo nascimento e vida dos nossos patriarcas, pela escravidão egípcia e chegando à escolha de Moshé Rabeinu como o salvador do povo judeu. Porém, o que o Rebe Ytzchak está sugerindo, que a Torá fosse apenas um compêndio de Mitzvót? Há algo de errado no fato da Torá contar histórias? Além disso, percebemos que mesmo depois da entrega da primeira Mitzvá, a Torá continua contando muitas histórias, como os detalhes da libertação dos judeus no Egito e muitos dos eventos que ocorreram durante os 40 anos em que o povo judeu permaneceu no deserto. Por que o Rebe Ytzchak se incomodou com as histórias do início da Torá, contadas antes do início das Mitzvót, mas aparentemente não se incomodou com as histórias que se estendem por toda a Torá? Explica o Rav Zev Leff que, para entender a pergunta do Rebe Ytzchak, precisamos antes de tudo entender qual é o propósito da Torá. O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) nos ajuda a encontrar uma resposta simples e direta. Em relação às leis sobre a vinda do Mashiach (Leis dos Reis 12:2), o Rambam escreve que a Torá nos deu pouquíssimas informações sobre este assunto. Os detalhes não foram revelados nem mesmo aos profetas e sábios. Pelo fato destes detalhes terem sido ocultados, o Rambam conclui que este assunto não deve ser o foco do nosso estudo de Torá, pois é um estudo que não trará a pessoa ao amor e temor a D'us. Das palavras do Rambam aprendemos algo incrível: o propósito do estudo da Torá é trazer a pessoa ao amor e ao temor a D'us. A palavra "Torá" vem da raiz "Horaá", que significa "orientação", nos indicando que o papel da Torá é nos guiar em nossos esforços de nos aproximarmos de D'us. Portanto, faz sentido que a Torá contenha apenas o que auxilia neste objetivo, isto é, as Mitzvót. Se a Torá é um "manual de instruções", então não tem sentido constar nela assuntos cujo objetivo seja apenas trazer contextos históricos ou científicos. Este mesmo conceito pode ser percebido nas palavras finais da Meguilat Ester: "E todos os atos de poder e a força de Mordechai... não estão escritos no Livro das Crônicas dos reis da Média e da Pérsia?" (Esther 10:2). Por que a Meguilat Ester faz referências ao Livro das Crônicas da Média e da Pérsia? Alguma vez este livro esteve em nossas mãos, para que pudéssemos buscar nele informações adicionais em relação à Mordechai? De acordo com o Rav Yechezkel Abramsky zt"l (Bielorússia, 1886 - Israel, 1976), este versículo tem como objetivo colocar a Meguilat Esther na perspectiva correta. A Meguilat Esther não é um livro de história. Se alguém deseja saber detalhes históricos do que aconteceu, que busque nos livros da Média e da Pérsia, pois a Meguilat Esther é apenas uma fonte de quem busca amor e temor a D'us, não de quem quer detalhes históricos. Esta mesma mensagem é transmitida através da contagem das primeiras gerações da humanidade. No final da Parashá Bereshit, a Torá descreve as 10 gerações entre Adam e Noach, enquanto no final da Parashá Noach a Torá descreve as 10 gerações entre Noach e Avraham. Porém, há diferenças entre estas duas contagens. Na descrição das 10 primeiras gerações, a Torá traz detalhes em relação ao representante de cada geração: qual era sua idade quando nasceu seu principal descendente, quanto tempo ele viveu depois do nascimento deste filho e em que idade faleceu. Porém, na contagem das 10 gerações seguintes não está descrito as idades de falecimento e nem a confirmação de que eles realmente faleceram. Por que estas diferenças? Explica o Avos D'Rav Nasan que a Torá trouxe as informações sobre as 10 gerações entre Adam e Noach e as 10 gerações entre Noach e Avraham para nos ensinar duas lições importantes. As primeiras 10 gerações nos ensinam o quanto D'us pode ser paciente com o ser humano e adiar Sua fúria, mesmo quando as pessoas se desviam completamente do Seu caminho. As próximas 10 gerações nos ensinam que uma única pessoa, como fez Avraham, pode receber a recompensa de 10 gerações inteiras que não cumpriram seu propósito no mundo. Para transmitir o ensinamento da paciência de D'us, era importante saber que aquelas pessoas viveram, tiveram filhos e morreram em idades muito avançadas. Foi por isso que a Torá se alongou e trouxe todas estas informações. Porém, para transmitir que Avraham recebeu a recompensa de 10 gerações, não era necessário saber os detalhes destas gerações. Pelo fato de ser irrelevante em relação à mensagem que a Torá queria transmitir, então estes detalhes foram todos omitidos. Isto nos ajuda a entender porque a narrativa da Torá nem sempre segue uma ordem cronológica. Como o propósito da Torá é colocar em nosso coração amor e temor a D'us, então a ordem que resulta em uma melhor forma de ensinar certa lição tem preferência até mesmo sobre a verdadeira ordem cronológica em que os eventos ocorreram. Com estas explicações podemos finalmente entender de forma mais profunda o questionamento do Rebe Ytzchak trazido por Rashi. Se o propósito de cada palavra contida na Torá é nos guiar em direção a D'us, então a essência verdadeira da Torá são as Mitzvót. Quando alguém escreve um livro, normalmente começa já informando ao leitor qual é a natureza do material que está contido neste livro. Se o principal da Torá são as Mitzvót, então o Rebe Ytzchak questiona o porquê do "Escritor" não ter começado Seu livro com as Mitzvót. Mesmo que depois viessem histórias e narrativas, ao começar com as Mitzvót já seria criado um padrão para o livro, deixando claro que mesmo as narrativas que viessem posteriormente estariam incluídas na eterna mensagem de amor e temor a D'us. Porém, ao começar a Torá com histórias e narrativas, então haveria o risco de não ser perfeitamente entendida da mensagem de que a Torá é um guia de comportamento. Foi isto o que provocou o questionamento do Rebe Ytzchak. De acordo com o Zohar (fonte mística da Torá), todas as narrativas da Torá são, na realidade, Mitzvót disfarçadas de histórias. Nenhuma palavra está na Torá apenas para nos ensinar algum contexto histórico ou alguma informação desnecessária, tudo nos leva a amar e temer a D'us. Devemos, portanto, ver a Torá com outros olhos e saber que cada história e cada detalhe devem nos ensinar algo sobre a forma de nos conectarmos a D'us. A Torá não é apenas um livro de sabedoria. Livros de sabedoria não necessariamente precisam influenciar o comportamento da pessoa que o lê. Grandes gênios das artes, das áreas humanas e das ciências tiveram um caráter repreensível. Quando um certo filósofo famoso, que lecionava Moral e Ética em uma das mais renomadas universidades americanas, foi acusado de levar uma vida imoral, ao invés de assumir suas falhas e se comprometer a melhorar, ele disse publicamente: "Da mesma forma que um professor de geometria não precisa ser um triângulo, então um professor de Moral e Ética não precisa levar uma vida moral". A Torá, ao contrário, tem o objetivo de influenciar o comportamento e o caráter daquele que a estuda. Muitas vezes a Torá é comparada ao fogo, pois da mesma forma que o fogo deixa uma marca quando passa por uma pessoa, assim também a Torá tem o objetivo de deixar uma marca na pessoa. É por isso que em Simchá Torá nós dançamos com a nossa Torá e recomeçamos com muita alegria a sua leitura, pois reconhecemos e agradecemos que a Torá não é como os outros livros que apenas ensinam sabedorias. A Torá nos ensina a como viver da maneira correta, a como cumprirmos o nosso objetivo. Cada palavra, cada Mitzvá e cada história trazem ensinamentos eternos. E, acima de tudo, a Torá nos deixa uma marca, nos faz crescer e, a cada dia, nos transforma em pessoas melhores. CHAG SAMEACH E SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |
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