Nesta semana lemos a Parashá Toldot (literalmente "Gerações"). A Parashá da semana passada terminou mencionando rapidamente quem foram os descendentes de Ishmael, sem dar destaque e nem detalhes de como foi a vida deles, como se estivesse apenas cumprindo a obrigação de mencioná-los. Já a partir da nossa Parashá, indo até o final do Sefer Bereshit, a Torá se estende falando sobre os descendentes de Yitzchak, com muitos detalhes de suas vidas, demonstrando o amor que D'us sente pelos nossos patriarcas e seus descendentes. Nosso patriarca Yitzchak já estava casado há vinte anos e ainda não tinha filhos. Ele e sua esposa Rivka rezaram muito e D'us escutou suas Tefilót. Rivka engravidou e deu à luz dois filhos, Essav e Yaacov. Porém, apesar de serem gêmeos, eles eram muito diferentes, como diz o versículo: "E os jovens cresceram, e Essav era um homem que entendia de caça, um homem do campo, enquanto Yaacov era um homem inocente, morando em tendas" (Bereshit 25:27). Rashi (França, 1040 - 1105) explica que enquanto eles eram pequenos, ainda não era possível reconhecer através dos seus atos como seria o caráter de cada um deles. Isso não quer dizer que Essav ainda não fazia maus atos. Ele já tinha começados os seus pequenos desvios de caráter, mas naquele momento eles eram atribuídos à sua infantilidade. Porém, assim que completaram treze anos, Yaacov partiu para as casas de estudo, enquanto Essav partiu para a idolatria. Infelizmente o desvio de Essav não parou apenas na idolatria. Essav tinha um enorme potencial, ele poderia ter sido um dos patriarcas do povo judeu. Mas quando alguém se afasta dos caminhos espirituais, não há limites até onde pode cair. Por exemplo, no dia em que Essav vendeu a primogenitura por um prato de lentilhas, está escrito: "Essav voltou do campo e estava exausto" (25:29). Por que a Torá precisou nos informar que Essav estava no campo? E, além disso, o que ele estava fazendo no campo que o deixou tão exausto? Explicam os nossos sábios que aquele era o dia em que Avraham Avinu havia falecido, aos 175 anos. Apesar que cada um dos patriarcas deveria ter vivido 180 anos, D'us poupou Avraham de sofrer ao ver seu neto Essav se tornando um perverso completo, levando-o do mundo cinco anos antes. E, enquanto as pessoas mais importantes das nações da época estavam fazendo uma fila para consolar Yitzchak pela perda de seu pai, e todos se lamentavam e diziam "Pobre do mundo, que perdeu seu líder. Pobre do navio, que perdeu seu capitão", Essav foi ao campo, completamente alheio ao luto pela perda do seu avô, para praticar seus maus atos. Enquanto Yaacov cozinhava lentilhas para o seu pai enlutado, Essav fazia transgressões. Mas, afinal, o que Essav estava fazendo no campo? Rashi, citando um Midrash, explica que a palavra "exausto" ("Aief") significa que ele estava cansado depois de ter cometido assassinato. Para embasar sua opinião, Rashi menciona outro versículo da Torá no qual o termo "Aieif" se refere a assassinato: "Pois minha alma está exausta ("Aiefá") diante dos assassinos" (Yirmiahu 4:31). Entretanto, esta explicação de Rashi necessita de um entendimento mais profundo. Quem conhece seus comentários na Torá sabe que Rashi geralmente segue a interpretação literal dos versículos, isto é, a explicação mais simples do que está sendo transmitindo, citando Midrashim em suas explicações apenas quando eles vão de acordo com este entendimento mais simples. Porém, a priori, isto não aconteceu neste caso. O entendimento mais simples do termo "exausto" seria "esgotado fisicamente", se referindo a um esforço acima do normal em qualquer tipo de atividade física. Talvez Essav estava apenas caçando no campo e, por isso, estava exausto. Então por que explicar que ele estava exausto por praticar assassinato? Além disso, por que justamente um ato de assassinato, e não outra transgressão qualquer, seria o causador deste estado de exaustão de Essav? Explica o Rav Yochanan Zweig que existem duas maneiras pelas quais alguém pode ficar exausto. Uma pessoa pode estar fisicamente exausta, devido a um gasto excessivo de energia, ou emocionalmente exausta, por estar envolvida em algo que a deixa completamente insatisfeita, sem nenhum preenchimento. Por exemplo, alguém que completou pela primeira vez uma maratona alcança a linha de chegada completamente exausto, pois necessitou usar suas forças no limite para terminar a prova. Aqui a exaustão se refere a um sentimento físico. Já uma pessoa que administra uma loja e, apesar de suas enormes expectativas, fica o dia todo sentada, sem que nenhum cliente entre na loja nem mesmo para ver os produtos, no final do dia estará completamente esgotada. Isso não se refere à exaustão por esforço físico, já que ela passou o dia inteiro sentada, e sim à exaustão emocional, por não ter realizado nada o dia inteiro. É um cansaço que vêm de uma sensação de vazio. Como Rashi sabia que a Torá estava se referindo a uma exaustão emocional e não a uma exaustão física? A resposta está na continuação da narrativa. Essav chegou em casa exausto e pediu a Yaacov para ser alimentado, como está escrito "Despeje (em minha boca) um pouco deste (caldo) vermelho, vermelho" (Bereshit 25:30). Percebemos que Essav identificou o alimento apenas pela sua cor. Isso nos ensina que Essav estava tão desesperado por comida que não queria saber nem mesmo o que estava sendo cozinhado. Uma pessoa fisicamente exausta deseja dormir, não comer. A vontade de comer é, muitas vezes, uma manifestação de esgotamento emocional, de vazio interior. Quando uma pessoa se sente emocionalmente insatisfeita e vazia, ela procura comida para satisfazer seu desejo de realização. E por que foi justamente o assassinato que causou este vazio? Pois D'us nos criou apenas para exercer a Sua bondade, sem receber nada em troca, e a única maneira de nos preenchermos espiritualmente é nos assemelhando a Ele, isto é, fazendo bondades a todos a quem pudermos, sem esperar nada em troca. O assassinato é o oposto disso, é um ato completamente destrutivo, que afasta a pessoa de D'us. O assassinato não oferece à pessoa qualquer verdadeira sensação de realização e preenchimento, ao contrário, causa um enorme vazio. Portanto, a Torá conecta a exaustão ao assassinato pois, em última instância, este é o sentimento que o assassino experimenta. Deste ensinamento da Parashá podemos aprender algo incrível para as nossas vidas. Vemos as pessoas cada vez mais conectadas à busca de prazeres materiais, em todas as áreas. É cada vez maior o índice de crianças que já sofrem de obesidade. Tudo é feito com excessos, a variedade de todos os tipos de prazer, permitidos e proibidos, é enlouquecedor. Por que tudo isso? Por que as pessoas procuram tantas formas de conseguir sentir prazer? Para tentar preencher o nosso vazio existencial. Mas como o mundo material não consegue preencher as necessidades espirituais, as pessoas começam a se afundar cada vez mais, achando que, ao aumentar as doses de materialismo, conseguirão preencher o que falta. É como acontece com alguém que se envolve com drogas. Para continuar sentindo prazer, as doses precisam ser aumentadas, e muitas vezes a pessoa entra em um caminho sem volta. A busca por prazeres é um ciclo infinito, pois significa tentar encher algo espiritual com prazeres materiais. Foi isso que o filósofo francês Albert Camus disse, em seu livro "Mito de Sísifo": "Acordar, bonde, quatro horas no escritório ou na fábrica, almoço, bonde, quatro horas de trabalho, jantar, sono. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado. No mesmo ritmo, um percurso que transcorre sem problemas a maior parte do tempo. Um belo dia surge o 'por que?'". As pessoas se afundam nas atividades do cotidiano para fugir da principal questão: "Qual é o meu objetivo? Estou fazendo o que deveria fazer neste mundo?". A única solução para sair deste "círculo infinito" é buscar os preenchimentos espirituais, através do cumprimento das Mitzvót e dos bons atos. Que possamos nos saciar com as nossas boas ações, ao invés de nos afundar em prazeres que não nos preenchem. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |
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