Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Nitzavim (literalmente "Parados") e Vayelech (literalmente "E foi"). E na próxima 4ª feira de noite (20 de setembro) começa Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico, o dia no qual todos os nossos atos passam diante de D'us para serem analisados. Os que são considerados Tzadikim (justos) são imediatamente inscritos no Livro da Vida, os que são considerados Reshaim (malvados) são imediatamente inscritos no Livro da Morte e os que são considerados Beinonim (pessoas de nível intermediário) ficam com o seu julgamento pendente até o dia de Yom Kipur. Porém, nos assusta a ideia de um julgamento tão rigoroso e detalhado. D'us vê cada ato que fizemos e cada intenção. Fizemos inúmeros erros e tivemos infinitos maus pensamentos durante o ano. Então como passaremos por este julgamento tão rigoroso? O que fazer para sairmos com um bom decreto? A resposta está na Parashá Nitzavim: "Esta Mitzvá que eu comando hoje para vocês não está escondida de vocês e nem está distante. Não está nos céu para que você diga "Quem subirá até o céu para trazê-la para nós, para que possamos escutá-la e cumpri-la" (Devarim 30:11,12). De acordo com o Ramban zt"l (Nachmânides) (Espanha, 1194 - Israel, 1270), a Torá está se referindo à Mitzvá de Teshuvá, do arrependimento e conserto dos nossos maus atos. A Teshuvá pode apagar os nossos erros e, portanto, pode mudar o nosso julgamento de Rosh Hashaná. Além disso, de acordo com esta explicação do Ramban, a Torá está ressaltando que a Teshuvá não é uma Mitzvá que está longe do nosso alcance, ao contrário, é uma Mitzvá facilmente atingível se fizermos o esforço necessário. O Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) questiona esta explicação do Ramban. Se a Teshuvá é algo tão acessível a todos, então por que tão poucos fazem Teshuvá da forma apropriada? Se está tão claro para nós quais foram os erros que cometemos, por que não admitimos e não nos arrependemos deles? A resposta está em um interessante Midrash (parte da Torá Oral) que descreve detalhes sobre o que ocorreu após o primeiro assassinato da história da humanidade, quando Cain, movido pela inveja, se levantou e matou seu próprio irmão, Hevel (Abel). Apesar do crime hediondo, D'us não puniu Cain imediatamente após o assassinato, e sim perguntou a ele: "Onde está seu irmão Hevel?" (Bereshit 4:9). Cain respondeu para D'us: "Por acaso eu sou o cuidador do meu irmão?" (Bereshit 4:9). O Midrash se aprofunda nesta resposta de Cain e explica que assim ele quis dizer para D'us: "Você não é o protetor de toda a vida? Então por que Você está perguntando para mim?... Eu o matei, mas foi Você quem me deu a má inclinação. Você deveria proteger a todos, mas Você permitiu que eu o matasse, portanto foi Você que o matou... Se Você tivesse aceitado a minha oferenda como aceitou a dele, eu não teria sentido inveja dele". As palavras do Midrash são assustadoras. D'us iniciou uma conversação com Cain justamente para lhe dar a chance de fazer Teshuvá, mas ele desperdiçou a oportunidade. Por que? Pois se recusou a aceitar a culpa por sua participação no assassinato. Ele chegou ao ponto de culpar a D'us para não assumir que tinha errado. É justamente este o motivo que impede as pessoas de fazerem Teshuvá da maneira correta. Normalmente estamos plenamente conscientes das transgressões que cometemos, mas há um fator que nos impede de nos arrependermos da maneira apropriada: a falta de habilidade em aceitar que a responsabilidade dos nossos maus atos recai, em última instância, apenas sobre nós mesmos. Sempre temos um repertório completo de desculpas para justificar nossas falhas. Culpamos a nossa educação, as nossas inclinações naturais e a sociedade na qual vivemos, tirando das nossas costas a responsabilidade sobre os nossos erros. Como um dos pré-requisitos para a Teshuvá verdadeira é o reconhecimento que "eu poderia ter feito melhor" ou "eu poderia ter vencido o meu Yetzer Hará (má inclinação)", sem a admissão da culpa pelos nossos erros não podemos nem mesmo começar o nosso processo de Teshuvá. Porém, quando assumimos a responsabilidade pelos nossos atos, a Teshuvá se torna um processo muito mais fácil de ser alcançado. Esta dificuldade em assumir a culpa pelos nossos atos também é facilmente percebida no primeiro e mais decisivo erro da história da humanidade, que nos afeta até os dias de hoje: a transgressão de Adam Harishon e Chavá. À primeira vista, a pior parte da transgressão de Adam foi ter desobedecido a ordem de D'us e ter comido do fruto que Ele havia proibido, o que levou à expulsão de Adam do Gan Éden e outras terríveis consequências que afetaram toda a humanidade. Porém, novamente percebemos que a punição não ocorreu imediatamente depois da transgressão. D'us iniciou uma conversa com Adam e Chavá, dando a eles a oportunidade de admitirem seu erro. Entretanto, a reação deles foi extremamente negativa. Ao invés de assumir a culpa, Adam respondeu "A esposa que Você me deu, ela me deu do fruto e eu comi" (Bereshit 3:12), desviando a culpa para Chavá e para D'us, que havia lhe dado a esposa. D'us então deu a Chavá a chance de assumir seu erro, mas ela também desperdiçou a oportunidade ao responder "a serpente me enganou e eu comi" (Bereshit 3:13). Somente então D'us puniu Adam e Chavá pela sua transgressão. Tanto no caso de Cain quanto no caso de Adam, o adiamento da aplicação do castigo nos ensina que, se eles tivessem assumido a responsabilidade por seus atos, certamente seus castigos teriam sido muito mais brandos e talvez a história da humanidade teria sido completamente diferente. De Adam e Cain aprendemos que a habilidade de admitir os próprios erros é talvez até mais importante do que não transgredir. Afinal, todos nós estamos propensos a errar em algum momento da vida, por mais que nos esforcemos para fazer sempre o que é correto, como afirmou o mais sábio de todos os homens, Shlomo HaMelech: "Não há nenhum Tzadik no mundo que faz o bem e não transgride" (Kohelet 7:20). O verdadeiro indicador do nosso nível espiritual é, portanto, a nossa habilidade de se levantar após uma queda espiritual e admitir o nosso erro. Passaram-se centenas de anos até que um homem se levantou e assumiu a responsabilidade por seus atos, consertando o erro de Adam HaRishon. Nossos sábios perguntam: "Por que Yehudá, o filho de Yaacov, teve o mérito de seus descendentes se tornarem os reis de Israel?" A resposta é incrível: "Pois ele admitiu seu erro no incidente com Tamar". Tamar estava prestes a morrer queimada, acusada de ter cometido adultério, quando ela deu a Yehudá a oportunidade dele assumir a sua participação. Yehudá poderia facilmente ter ficado quieto. Entretanto, em um determinado momento, ele corajosamente se levantou e aceitou a responsabilidade, como está escrito: "E Yehudá assumiu e disse: 'Ela está mais certa do que eu'" (Bereshit 38:26). Aquele foi o momento da criação da semente do Mashiach, um descendente de Yehudá que levará de volta a humanidade ao nível espiritual de antes da transgressão de Adam e Chavá. Uma das formas de consertar uma transgressão é corrigir o traço de caráter negativo demonstrado nela. Como a principal falha de Adam foi a falta de habilidade em aceitar sobre si a responsabilidade por seus erros, o nascimento da semente do Mashiach ocorreu justamente após o sucesso de Yehudá em tomar sobre si a responsabilidade por seus atos. David HaMelech também foi um dos descendentes de Yehudá. Apesar de seu gigantesco nível espiritual, ele cometeu dois erros que poderiam ter custado seu reinado. David foi duramente repreendido pelo profeta Nathan por estes erros. Porém, David não procurou desculpas nem em quem jogar a responsabilidade. Ao escutar as palavras do profeta, imediatamente David disse: "Eu pequei diante de D'us" (Shmuel 2 12:13). David HaMelech mostrou sua disposição para assumir a responsabilidade por seus erros ao imediatamente assumir sua culpa. Por sua Teshuvá completa, ele foi perdoado e não perdeu seu reinado. Vivemos uma sociedade que cada vez mais se esquiva do conceito da responsabilidade pelos atos cometidos. Pessoas esclarecidas e com elevado nível acadêmico defendem a ideia de que ninguém pode ser considerado culpado pelos seus maus comportamentos. O principal argumento utilizado é que as pessoas não têm escolha, pois são "predestinadas" por uma combinação de fatores externos, como acontecimentos do passado, educação, elementos genéticos e influência da sociedade. Nesta linha de raciocínio, qualquer criminoso deve ser perdoado por seus crimes, pois não teve escolha. Segundo estas pessoas, as falhas nos traços de caráter devem ser aceitas com naturalidade, pois são inevitáveis. Este conceito vai totalmente contra os ensinamentos da Torá. De acordo com o judaísmo, isto é um ato de covardia e de acomodação. A única maneira de fazermos Teshuvá é admitirmos que a responsabilidade pelo nosso comportamento, no final das contas, recai apenas sobre nós. Outros elementos certamente podem aumentar o nosso teste, mas em última instância temos o potencial de vencê-los. Se formos corajosos o suficiente para admitir que podemos e devemos melhorar, então certamente D'us nos ajudará a crescer e, apesar dos nossos muitos erros, nos inscreverá no Livro da Vida. QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ R' Efraim Birbojm |
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