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SHMINI ATSERET, SIMCHÁ TORÁ E PARASHÁ BERESHIT 5774 (27 de setembro de 2013)
“Antônio era um homem muito simples, e vivia em uma pequena cidade do interior cujo único acesso era uma estradinha de terra. Por isso, os habitantes daquela cidade muito raramente saiam de lá. Antônio nunca tinha ido para a cidade grande, nunca havia visto um edifício, não conhecia energia elétrica e nem ruas asfaltadas. Certa vez seu primo José, que morava na capital, o convidou para passar as férias em sua casa. Antônio ficou deslumbrado com toda aquela tecnologia, não sabia nem para onde olhar.
Mas Antônio ficou realmente sem palavras quando José o levou para um supermercado. Acostumado com a pequena mercearia da cidade onde morava, que não tinha mais do que 20 itens, ele percorria deslumbrado os corredores, observando a enorme quantidade diferentes de produtos e comidas. Até que ele viu uma lata onde estava escrito “café instantâneo”. José explicou que era só derramar um pouco do conteúdo daquela lata na água quente e imediatamente um delicioso café ficava pronto. Antônio ficou maravilhado. Para ele preparar um café significava colher os grãos, separar a sujeira, moer, jogar água fervendo e coar. Agora era só abrir uma lata e pronto! Também descobriu que existia leite em pó e até mesmo purê de batatas em pó. Bastava jogar um pouco de água quente e estava tudo pronto. Mas o auge do espanto de Antônio foi quando ele pegou na mão um pote de plástico e deu um grito. Quando José correu para ver qual era o problema, percebeu que Antônio segurava nas mãos um pote onde estava escrito: ‘talco em pó para bebês’. Balançando a cabeça, ele repetia:
- Não pode ser, não pode ser! Olha só o que são os avanços tecnológicos! Ter um bebê era algo tão trabalhoso. Eram 9 meses de ansiedade, de enjoos, de dificuldades. E agora, é só jogar água quente e pronto...”
A tecnologia avançou muito nos últimos séculos, principalmente depois da Revolução Industrial. Com um pouco de água quente podemos te comidas e bebidas preparadas instantaneamente. Mas para fazer um homem de verdade é preciso muito mais do que água quente. É preciso muito esforço e dedicação para que possamos construir um verdadeiro Mentch (ser humano de valores).
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Nesta 4ª feira de noite (25/09) começa a festa de Shmini Atseret. Apesar de vir logo em seguida de Sucót, é uma festa independente, com um grande significado espiritual. Durante os sete dias de Sucót, um total de 70 Korbanót (sacrifícios) eram oferecidos no Beit Hamikdash (Templo), para cada um dos 70 povos do mundo. Então vem a festa de Shmini Atseret, que literalmente significa “O oitavo, o dia da parada”, como se D’us estivesse nos pedindo, depois de uma festa aberta a todos os povos, para ficarmos com Ele mais um dia, mas desta vez em particular.
E junto com Shmini Atseret (fora de Israel, no dia seguinte) nossos sábios fixaram a festa de Simchá Torá, o dia em que terminamos o ciclo anual da leitura da Torá, com a leitura da última Parashá, Vezót Habrachá, que traz as Brachót (Bençãos) que Moshé deu para cada uma das tribos de Israel. E neste dia de tanta alegria para o povo judeu imediatamente recomeçamos a leitura da Torá, lendo um pequeno trecho do primeiro livro, Bereshit, para mostrar nosso amor pela Torá e a nossa vontade de recomeçar o ciclo de leitura semanal.
No Shabat lemos a primeira Parashá da Torá, Bereshit, que começa com a criação do mundo e do primeiro ser humano, Adam Harishon (Adão). Adam teve dois filhos, Cain e Hevel (Abel), e os dois resolveram oferecer Korbanót para D’us. O Korban de Hevel foi aceito, mas o Korban de Cain não, pois Hevel ofereceu a D’us o melhor do que tinha, enquanto Cain ofereceu apenas restos. Dominado pela inveja, Cain cometeu um crime hediondo e assassinou seu próprio irmão. Como castigo, D’us decretou que Cain vagaria pela Terra por toda a vida e nunca teria uma moradia fixa.
Quando a Torá nos ensina que D’us castigou alguém por uma transgressão cometida, não é como uma pessoa que, em um acesso de fúria, castiga por vingança. Um dos princípios da Torá é que qualquer punição Divina é aplicada sob medida, para despertar a pessoa e também como uma forma de conserto do erro cometido. Se a pessoa aceita as condições do castigo, com o tempo ela consegue consertar seu erro. Foi por isso que D’us decretou que Cain deveria viver em um exílio constante, para que o assassinato de Hevel tivesse um conserto.
Porém, vemos através do comportamento de Cain que ele decidiu não aceitar o castigo imposto por D’us. Imediatamente após ter recebido o decreto de exílio constante, a Torá nos descreve a atitude de Cain: “E (Cain) construiu uma cidade” (Bereshit 4:17). Explica o Ramban (Nachmânides) que esta não foi a única cidade que Cain construiu. Ao contrário, ele constantemente tentava construir cidades, mas elas imediatamente colapsavam por causa da maldição que ele havia recebido de D’us. Porém, ao invés de aprender com o colapso de suas cidades e aceitar o decreto Divino, Cain continuou desafiando D’us e tentou, em vão, construir cidades durante toda sua vida.
Esta característica negativa de Cain, de se rebelar contra os decretos Divinos e fugir do conserto dos seus erros, se propagou também para os seus descendentes. Quando Adam Harishon transgrediu, ele recebeu a maldição de que com o suor do seu rosto ele conseguiria seu sustento. Através do árduo trabalho da terra Adam e seus descendentes conseguiriam consertar o erro cometido. Porém, a Torá nos descreve que os descendentes de Cain preferiram evitar o trabalho da terra e buscaram outras formas de conseguir o seu sustento, como está escrito: “E Adá deu à luz Yaval, e ele foi o primeiro dos que moram em tendas e criam gado. E o nome do seu irmão era Yuval, e ele foi o primeiro a tocar lira e harpa. E Tsilá também deu à luz Tuval-Cain, que afiou todos os instrumentos de cobre e ferro” (Bereshit 4:20-22).
Apesar destes versículos aparentemente não acrescentarem nenhuma informação importante, na verdade eles são a chave para entender o desenvolvimento das primeiras gerações da humanidade. Quando Yuval escolheu ser um pastor de ovelhas, ele estava fugindo da determinação de D’us de que o ser humano deveria trabalhar a terra. Yuval foi o primeiro que desenvolveu a arte da música, demonstrando o quanto a humanidade tentou escapar, através das distrações e entretenimento, do peso e da dor que era trabalhar a terra. E finalmente Tuval Cain foi o primeiro a desenvolver armas, o que possibilitou ao ser humano conseguir seu sustento dominando os outros, outra maneira de fugir da maldição de trabalhar a terra.
Portanto, percebemos claramente que o início do desenvolvimento da humanidade foi marcado pelo desejo de evitar cumprir a vontade Divina, fugindo do árduo trabalho da terra, atividade que consertaria o erro de Adam, e optando por estilos de vida mais fáceis. Os avanços, ao invés de ajudarem o ser humano a consertar seus erros, fizeram com que ele caísse ainda mais. A consequência de a humanidade ter se desenvolvido ignorando a vontade de D’us foi que em poucas gerações os valores morais estavam tão corrompidos que D’us precisou mandou sobre o mundo o Grande Dilúvio.
O único que não fugiu do decreto de D’us foi Noach (Noé), como está escrito no final da Parashá: “Ele (Lamech) teve um filho, e chamou seu nome de Noach, dizendo: ‘este nos trará descanso do nosso trabalho e do esforço das nossas mãos, da terra que D’us amaldiçoou’” (Bereshit 5:29). Rashi, comentarista da Torá, explica que Noach inventou diversas ferramentas agrícolas que facilitaram o trabalho da terra e aumentaram muito a produtividade. Noach foi o primeiro que não tentou fugir da maldição que D’us mandou para Adam, ao contrário, ele encarou as dificuldades e aceitou sobre si o trabalho da terra. Ao contrário do resto da humanidade, a vida de Noach foi dedicada a cumprir a vontade de D’us e, por isso, ele não foi atingido pela degradação moral da sociedade em que vivia. Isto explica por que Noach foi o único que encontrou graça aos olhos de D’us e sua vida foi poupada no Dilúvio.
Explica o Rav Yehonasan Guefen que há uma lição muito importante para nossas vidas que aprendemos deste ensinamento da Torá. Os primeiros passos do desenvolvimento da civilização humana foram baseados no desejo de evitar cumprir a vontade Divina. Podemos olhar para as primeiras gerações da humanidade e criticá-los por este grande erro, mas a verdade é que infelizmente isto também se aplica à nossa geração. Nossos dias são marcados pelos imensos avanços tecnológicos em várias áreas: saúde, comunicação, automação residencial, transporte, entre outras, que trazem muitos benefícios diretos e indiretos para nossas vidas. Porém, usamos estes avanços para nos aproximar de D’us ou para fugir das nossas responsabilidades? Por exemplo, o celular foi criado para que as pessoas pudessem se comunicar melhor, em qualquer lugar e a qualquer momento. Mas como utilizamos o celular? Deixamos ligado durante o cinema ou o teatro, irritando as outras pessoas. Falamos alto no meio da rua, revelando detalhes de nossas vidas para quem quiser escutar. Destruímos a nossa privacidade ao não desligar nossos “smartphones” nem mesmo para dormir. Nos conectamos ao Whatsapp e ao Skype enquanto nos desconectamos das nossas famílias. Se pararmos para refletir, os danos que o celular causa para nossas vidas, por causa do mau uso, certamente superam os benefícios que ele traz. Isto não quer dizer que não podemos utilizar os benefícios da tecnologia, mas precisamos estar sempre atentos para que a tecnologia novamente não nos afaste da vontade de D’us, como aconteceu com as primeiras gerações.
Portanto, a Parashá Bereshit é muito mais do que uma descrição da história da humanidade e sua evolução. A Parashá nos ajuda a entender como D’us se comunica conosco e como Ele ajuda, mesmo através de castigos, a humanidade a consertar os erros cometidos. Os ensinamentos, apesar de terem sido transmitidos há mais de 3.300 anos, continuam sendo muito atuais. Os avanços tecnológicos podem nos fornecer cafés instantâneos, “smartphones” e satélites. Mas a única coisa que pode fazer com que as pessoas se tornem seres humanos melhores é a vontade de fazer o que é certo, apesar das dificuldades que surgem no caminho.
CHAG SAMEACH e SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
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São Paulo: 17h46 Rio de Janeiro: 17h32 Belo Horizonte: 17h34 Jerusalém: 17h53
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