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QUEM ESTÁ NO COMANDO? - PARASHIOT MATÓT E MASSEI 5772 (20 de julho de 2012)
"Jacó estava com dificuldades financeiras e acabou pedindo muito dinheiro emprestado para Abrão. Como era uma soma muito alta, quando chegou o dia do pagamento, Jacó ainda não tinha conseguido o dinheiro necessário. Ele ficou andando na sala, de um lado para o outro, pensando em como conseguiria aquela quantia. Já era tarde da noite e ele não conseguia dormir. Tentou deitar, mas ficava revirando na cama. Sara, incomodada com tamanha agitação, perguntou:
- O que você tem hoje? Por que está assim tão agitado? Deita e dorme, pois já é tarde!
- Não consigo dormir, querida - respondeu Jacó - Amanhã de manhã preciso devolver um empréstimo para o Abrão, mas não tenho este dinheiro. O que eu vou fazer? Como eu posso dormir?
Sara, ao escutar isso, pegou o telefone e ligou para o Abrão. Quando ele atendeu, assustado com o telefonema no meio da madrugada, ela disse:
- Abrão, aqui é a Sara. Estou ligando apenas para te avisar que meu marido não vai pagar o dinheiro que ele está devendo. Não adianta insistir. Boa noite.
Quando ela desligou o telefone, o marido, atônito, perguntou:
- Querida, você ficou louca? Por que fez isso?
- Jacó, você já pode deitar e dormir. O Abrão já sabe que você não vai pagar a dívida. Agora quem vai ficar sem dormir é ele..."
Muitas vezes fazemos o mesmo em relação às dívidas que temos com D'us. Nos esquecemos das nossas obrigações e nos comportamos como se, no nosso relacionamento, somente Ele tem deveres.
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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Matót e Massei, terminando o 4º livro da Torá, Bamidbar. E a Parashá Matót começa com um assunto muito importante dentro da lei judaica: as promessas e juramentos, como diz o versículo: "Um homem que fizer uma promessa para D'us ou um juramento para proibir algo sobre si, ele não deve descumprir sua palavra. Ele deve fazer de acordo com o que saiu de sua boca" (Bamidbar 30: 3).
Infelizmente não tratamos as promessas e juramentos com a devida seriedade. Estamos acostumados a nos comprometer e a não cumprir nossa palavra, sem sentir nenhuma vergonha por isso. Fazemos juramentos sem nenhuma intenção de cumprir, apenas para mostrar nossa convicção. "Juro que foi assim que aconteceu", "Juro que isso não acontecerá novamente". Será que não estamos desprezando algo importante, que pode ter graves consequências?
Existem duas categorias de promessas. A pessoa pode se proibir de algo que a Torá permite, como alguém que promete não comer mais maças, ou a pessoa pode se obrigar a fazer algo que não estava obrigada, como alguém que promete doar certa quantia de Tzedaká (caridade) para uma instituição. Em ambos os casos é muito grave a pessoa não cumprir sua promessa. E em relação às promessas nas quais nos obrigamos a fazer algo, não apenas é um problema não cumprir o que prometemos, mas também adiar o cumprimento de algo prometido já é extremamente grave. Podemos ver isto através das palavras de um Midrash (parte da Torá Oral), que nos ensina que aquele que prometeu algo e tarda em cumprir o que prometeu, seu castigo é ser lançado ao mar.
Apesar de parecer algo não literal, as palavras do Midrash já se cumpriram muitas vezes durante a história. O profeta Yoná, por exemplo, prometeu a D'us que iria à cidade de Nínive para advertir seus moradores sobre suas graves transgressões e avisá-los que a cidade seria destruída por D'us. Mas ao invés de cumprir sua palavra, Yoná tentou adiar sua missão, fugindo em um navio. D'us então mandou uma tempestade que quase afundou o navio onde estava Yoná. Os marinheiros, apavorados, jogaram a sorte e descobriram que o culpado era Yoná. A tempestade só parou quando ele foi atirado ao mar, cumprindo as palavras do Midrash.
Mas sabemos que os castigos de D'us são "Midá Kenegued Midá" (medida por medida), isto é, da maneira que erramos, assim somos punidos, para que possamos entender nosso erro e consertá-lo. Então por que a punição de alguém que adia o cumprimento de uma promessa é ser atirado ao mar? Mais do que isso, o que leva alguém a adiar o cumprimento de uma promessa? Provavelmente o Midrash não está falando de alguém que não cumpriu a promessa por algum impedimento de força maior, e sim daquele que poderia ter cumprido e não cumpriu. Se a pessoa prometeu, então por que não cumpre logo sua palavra? E finalmente, há um interessante ensinamento sobre promessas no Talmud (Nedarim 22a), que afirma que aquele que faz uma promessa se compara a alguém que constrói um altar próprio. O que o Talmud está nos ensinando, e qual a conexão com os ensinamentos trazidos anteriormente?
Explica o Rav Yohanan Zweig que, para responder todas estas perguntas, antes é necessário entender o que leva uma pessoa a fazer uma promessa. A promessa é uma ferramenta que a pessoa utiliza para fortalecer suas convicções. Se uma pessoa toma uma decisão sem nenhum tipo de comprometimento, ela pode facilmente mudar de ideia. A promessa entra como uma "ajuda Divina" para que a pessoa se mantenha firme em suas convicções, mesmo quando surgirem dificuldades e desejos contrários. Se refletirmos, vamos perceber que a promessa dá para a pessoa um direito que até agora pertencia somente à D'us: a capacidade de criar um novo status para um objeto. Por exemplo, quando alguém promete não comer mais maças, para esta pessoa a proibição de comer maças tem o status equivalente à proibição estabelecida por D'us de comer carne de porco. Pelo fato da promessa ser um poder dado por D'us aos seres humanos, aquele que a utiliza para o seu próprio benefício é comparado com alguém que constrói em seu quintal um altar para uso privado, ao invés de utilizar o altar coletivo.
Porém, esta consciência de que a pessoa precisa da ajuda de D'us para satisfazer suas necessidades pessoais causa uma forte sensação de endividamento. E assim diz Shlomo Hamelech (Rei Salomão): "Uma pessoa que toma dinheiro emprestado torna-se escravo daquele que emprestou" (Mishlei - Provérbios 22:7). Da mesma forma que alguém que pediu emprestado dinheiro ao seu companheiro sente que está nas mãos dele, assim também a pessoa que utilizou a força de D'us para o seu próprio benefício sente, mesmo que de forma subconsciente, que está nas mãos de D'us.
Há outro paralelo interessante entre as dívidas monetárias e as promessas. É muito comum encontrar pessoas que, apesar de terem dinheiro para pagar suas dívidas, ficam postergando o pagamento. Qual a verdadeira intenção delas? Ao atrasar o pagamento, elas estão reestruturando o relacionamento. Ao invés de serem controladas pela pessoa que emprestou o dinheiro, eles passam a assumir o papel de controladoras. Agora é a pessoa que emprestou o dinheiro que está nas mãos do devedor. Este paralelo pode ser aplicado à pessoa que pode cumprir uma promessa e adia. O adiamento da promessa dá para a pessoa a sensação de que ele não está mais nas mãos de D'us, ao contrário, ela sente que agora tem controle sobre seu relacionamento com Ele.
O que significa a punição de ser atirado nas águas? Na terra, a pessoa sente que tem controle. Como a terra é o nosso habitat natural, estamos acostumados e já temos muitas habilidades desenvolvidas neste meio. Já na água, a pessoa se sente completamente indefesa, ela sabe que não tem controle sobre nada. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o general Tito, como nos ensina o Talmud (Guitin 56b). Após ter destruído o Beit Hamikdash (Templo Sagrado) e ter causado todos os tipos de desonra possíveis para o nome de D'us, Tito partiu de volta para Roma em um navio carregado de tesouros roubados do Beit Hamikdash. D'us mandou uma forte tempestade que quase partiu seu navio ao meio. Tito então gritou para os Céus: "O D'us dos judeus somente é valente na água. Veio o Faraó e Ele o afogou na água. Veio Sisra e Ele o afogou na água. E quanto a mim, Ele também quer me afogar na água. Se Ele é realmente valente, que me deixe chegar à terra firme e lá guerrearemos". Isto demonstra que, enquanto as pessoas pensam que na terra podem controlar, na água todos se sentem indefesos e totalmente sob o controle de D'us. Aquele que atrasa o cumprimento de uma promessa é atirado ao mar, pois como a pessoa estava motivada pelo seu desejo de controlar, a punição é dada de maneira que ela perca qualquer falsa percepção de que está realmente no controle.
Infelizmente não é apenas com as promessas não cumpridas que tentamos, mesmo que inconscientemente, tirar das nossas costas a responsabilidade do nosso relacionamento com D'us. Pois todo relacionamento implica em uma reciprocidade. Qualquer pacto precisa de duas partes ativamente envolvidas. Mas nós estamos sempre cobrando a parte de D'us. Por que Ele não nos deu o que precisávamos? Por que Ele não evitou aquele problema? Será que esta é a postura correta, sempre jogar a responsabilidade para o outro lado, sem nunca questionar se estamos fazendo a nossa parte?
Além disso, damos diversas demonstrações de que sentimos que somos nós que estamos no comando, não D'us. Por exemplo, todas as vezes em que acontece algo diferente do que esperávamos, ficamos extremamente irritados. O que isto significa? Que estamos insatisfeitos com a vontade de D'us, que queremos as coisas do nosso jeito e não do jeito Dele. Também todas as vezes que sentimos inveja, o que estamos demonstrando? Que sentimos que sabemos mais do que D'us. Se Ele deu o carro novo para o vizinho e não para nós, certamente é porque Ele está equivocado. E assim, se prestarmos atenção no nosso comportamento cotidiano, perceberemos o quanto esquecemos que quem está no controle é D'us, e não nós.
Este é o ensinamento que fica com o assunto das promessas: a seriedade que devemos olhar nosso relacionamento com D'us. O quanto devemos nos sentir endividados por tudo o que Ele fez, faz e fará por cada um de nós. E, principalmente, devemos trabalhar a nossa característica de humildade para aceitar que D'us, cuja sabedoria é ilimitada, busca apenas o nosso bem, mesmo quando, em nossa sabedoria pequena e limitada, não conseguimos enxergar.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
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