sexta-feira, 27 de julho de 2012

SHABAT SHALOM M@IL - PARASHÁ DEVARIM E TISHÁ BE AV 5772


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LÁGRIMAS DO CORAÇÃO - PARASHÁ DEVARIM E TISHÁ BE AV 5772 (27 de julho de 2012)

“Quando o Campo de Concentração de Buchenwald foi libertado pelos aliados, todas as crianças órfãs sobreviventes foram levadas para um orfanato em Ecouis, um pequeno vilarejo da França, onde receberam muitos cuidados e carinho da comunidade judaica local. Havia no orfanato um total de 500 crianças e jovens que não tinham mais ninguém no mundo.

Certa vez organizaram uma homenagem pública aos órfãos, onde estariam presentes muitas personalidades locais, entre eles o comandante da polícia, o comandante militar e o prefeito. Os órfãos não quiseram ir, pois sabiam que aquela homenagem era apenas por interesse das autoridades de fazer propaganda diante da mídia. Mas a responsável pelo orfanato, a Sra. Rachel Mintz, insistiu para que todos fossem, e os rapazes concordaram em comparecer, mas decidiram que não aplaudiriam e nem mesmo levantariam seus olhos do chão quando as personalidades discursassem.

E assim foi. 500 jovens escutaram os discursos de cabeça baixa, sem demonstrar nenhuma emoção. Até que subiu para discursar o último convidado. Era um senhor judeu que havia se salvado de Aushwitz, mas tinha perdido a esposa e todos os filhos. Desde sua libertação, ele havia dedicado todos os seus bens aos órfãos. Ele tentou começar seu discurso, mas as lágrimas embargaram sua voz. Tentou mais uma vez, mas ele tremia muito e as palavras não saíam. Finalmente conseguiu dizer apenas 3 palavras em Ídishe: “Filhos, queridos filhos”. Aqueles órfãos eram tudo o que havia lhe restado na vida.

Os órfãos então levantaram pela primeira vez seus olhos. Cada um começou, sem querer demonstrar a emoção, a enxugar as lágrimas com a manga da camisa, olhando com vergonha para o lado para ver se alguém tinha percebido aquela pequena lágrima escorrendo. E então, de repente, rompeu-se a barreira. De uma só vez abriram-se as comportas, e aqueles 500 jovens choraram um choro sincero e libertador.

Em meio ao choro, levantou-se um jovem chamado Aharon Feldberg, de 25 anos, um dos mais velhos do grupo, e dirigiu-se aos visitantes:

- Gostaria de dizer algumas palavras. Desejo, em nome de todos, agradecer a todos vocês. Não por terem vindo, pois não queríamos esta visita. Não pelos presentes que nos trouxeram, pois não estamos interessados neles. Queremos lhes agradecer pelo maior presente que recebemos de vocês há alguns instantes, que foi a possibilidade de voltar a chorar.

O rapaz, visivelmente emocionado, continuou seu discurso:

- Quando os nazistas levaram meu pai e minha mãe, eu não chorei. Eu estava seco de lágrimas. Quando diversas vezes me golpearam no Campo de Concentração, eu mordi os lábios e não chorei. Há anos não rio e não choro. Passamos fome, congelamos de frio, sangramos, mas não choramos. Desde a libertação do Campo, e ainda antes dela, eu andava com a sensação de que não sou mais uma pessoa normal. Achava que eu não tinha coração, que não conseguiria chorar nos momentos em que é preciso chorar. Achei que eu tinha uma pedra no peito e não um coração humano. Assim eu pensava até 5 minutos atrás, mas não penso mais. Agora eu chorei, e bastante, e lhes digo, que quem é capaz de chorar, poderá amanhã também rir e se alegrar. E é por isto que eu lhes agradeço”
                       
Esta história real, retirada do livro “Lúlek”, uma biografia do rabino Israel Meir Lau, nos ensina que através das lágrimas sinceras, um dia chegaremos à alegria e consolo verdadeiros.

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Nesta semana começamos o último livro da Torá, Devarim, também conhecido como “Mishnê Torá”, cuja tradução literal é “Repetição da Torá”. Por que este “apelido”? Pois grande parte do livro contém o discurso de despedida de Moshé Rabeinu antes de seu falecimento. Para que o povo judeu aprendesse com o passado, tanto com os acertos quanto com os erros, Moshé relembrou muitos dos acontecimentos marcantes nos 40 anos em que o povo permaneceu no deserto.

Esta “revisão” feita por Moshé foi certamente importante para a geração do deserto, pois foi uma preparação para a entrada em Israel. Mas para que serve esta “revisão” para nós, mais de 3 mil anos depois? Se quisermos rever algum acontecimento, podemos simplesmente abrir a Torá na passagem que nos interessa e ler novamente. Então para nós, qual a importância do livro de Devarim?

A resposta é que, apesar de conter repetições, o livro de Devarim também traz muitas novidades. Em primeiro lugar, são ensinadas muitas Mitzvót novas, que ainda não haviam sido ensinadas antes. Além disso, quando a Torá repete os acontecimentos, acrescenta detalhes que ajudam a entender e a se aprofundar em alguns conceitos. É o que acontece, por exemplo, na Parashá desta semana, Devarim, que nos ajuda a entender melhor um dos eventos mais marcantes para o povo judeu: o pecado dos espiões.

Na Parashá Shelach, no livro de Bamidbar, a Torá descreve que o povo judeu, ainda no primeiro ano no deserto, se aproximava da terra de Israel. Ao invés de confiar na promessa de D’us, que havia garantido que a terra era boa e fértil e que eles teriam sucesso em conquistá-la, o povo pediu para enviar espiões. A consequência foi trágica, pois dos 12 espiões enviados, 10 voltaram falando mal da terra, causando uma histeria coletiva e um choro de desespero. D’us então jurou: “Hoje vocês choraram sem motivo. Este dia será fixado como um dia de choro para todas as gerações”. Este dia era Tishá Be Av, o nono dia do mês judaico de Av.

No próximo sábado de noite (28/07), assim que terminar o Shabat, é Tishá Be Av, um dia marcado por tristezas e sofrimentos. Neste dia, conforme D’us havia jurado, terríveis tragédias atingiram o povo judeu, desde as épocas bíblicas até os nossos dias. Exatamente neste dia nossos dois Templos Sagrados foram destruídos, fomos expulsos da Inglaterra, Espanha e Portugal, e foi o dia em que se iniciou a Primeira Guerra Mundial. Também a queda do primeiro avião da companhia aérea israelense El Al aconteceu justamente em Tishá Be Av. Neste dia nós jejuamos e nos abstemos de vários tipos de prazer, como relações maritais, usar sapatos de couro, tomar banho ou passar óleo no corpo. Será que há algo que podemos fazer para mudar este dia tão triste e consertar o erro dos nossos antepassados?

A Parashá Devarim é sempre lida na semana em que cai Tishá Be Av. Um dos motivos é que nesta Parashá Moshé relembra o erro do povo de ter chorado após o relato dos espiões, acrescentando alguns detalhes que nos ajudam a entender um pouco melhor qual foi o erro. A Torá diz que os judeus se desesperaram com as palavras dos espiões, que disseram que os habitantes de Israel eram gigantes e seria impossível derrotá-los. O povo então disse para Moshé: “Com ódio D’us nos tirou do Egito, para nos entregar nas mãos dos Emoritas para nos destruir” (Devarim 1:27). O que significam estas palavras? Por que os judeus achavam que D’us sentia ódio deles?

Explica o Sforno, comentarista da Torá, que o povo judeu pensou que D’us estava bravo por causa da idolatria que eles fizeram enquanto ainda viviam no Egito e que Ele, por causa deste ódio, mesmo tendo poder para esmagar os Emoritas, castigaria o povo judeu entregando-o nas mãos de seus inimigos. Por isso eles choraram tão amargamente.

Mas desta explicação do Sforno surge uma grande pergunta. Segundo suas palavras, o choro do povo judeu foi um choro de arrependimento por um erro cometido, isto é, um choro positivo, uma demonstração de temor a D’us. Então por que nossos sábios dizem que este foi um choro em vão, e que resultou em todas as catástrofes que nos atingem até hoje?

Responde o Rav Eliahu Dessler que realmente a motivação original do povo judeu era proveniente de uma fonte pura de temor a D’us. Porém, o Yetzer Hará (má inclinação) conseguiu misturar neles a falta de Bitachon (confiança em D’us), o que pode ser visto no final do versículo: “Não podemos subir contra eles (os habitantes da terra), pois eles são mais fortes do que nós” (Bamidbar 13:31). Rashi explica que a intenção da frase era também incluir D’us, isto é, o povo começou a acreditar que os habitantes da terra eram fortes demais até mesmo para D’us. O choro, uma demonstração de sofrimento interno, foi consequência da falta de Bitachon, causando uma rápida deterioração espiritual que os levou a se desconectar de D’us.

O conceito de “destruição do Beit Hamikdash (Templo Sagrado)” pode ocorrer em dois níveis: coletivo e individual. O Beit Hamikdash era o lugar onde a presença de D’us repousava. Quando ele foi destruído, os portões celestiais se fecharam e a Presença de D’us se ocultou, como se Ele estivesse em exílio. Há um paralelo com o coração de cada judeu. Existe uma faísca sagrada escondida dentro do coração de cada judeu, como se fosse a Presença de D’us. Esta faísca não pode ser apagada nunca, por mais assimilada e afastada que a pessoa possa estar. Mas quando a pessoa começa a cometer transgressões e a se impurificar, ela cria uma muralha de ferro entre esta faísca sagrada e o seu “eu” exterior. Isto causa um “exílio espiritual interno”, quando a espiritualidade, que deveria estar revelada e brilhando, está escondida e obscurecida. Quando isto ocorre com a maioria do povo, então é como se a presença de D’us tivesse se afastado de nós. É um momento crítico, onde se aproxima uma situação de extermínio espiritual. Foi nesta situação em que ocorreu a destruição dos nossos dois Templos Sagrados, isto é, o exílio espiritual interno causou o exílio espiritual externo.

Infelizmente hoje já não sentimos mais a perda do Beit Hamikdash e nem a falta da espiritualidade em nossas vidas. Aquele que não sente este vazio espiritual é porque já tem dentro de si um “exílio espiritual”, isto é, uma muralha bloqueando seu coração. Mas ao contrário, se a pessoa consegue sentir este vazio espiritual e sofre até o ponto de chorar, um choro verdadeiro e sincero, significa que percebeu a ausência de espiritualidade e conseguiu abrir uma brecha na muralha para começar a consertar o vazio do seu coração.

Por todas as tragédias que ocorreram neste dia, vemos Tishá Be Av de uma maneira negativa, queremos que esta data de luto e tristeza passe rápido. Mas temos que saber que o dia de Tishá Be Av é uma grande oportunidade de despertar espiritual. Quando D’us fixou um choro para todas as gerações, não foi um choro de castigo, e sim um choro de renovação, um choro de conserto espiritual. Quando conseguimos refletir e internalizar nossa perda espiritual, o choro vem automaticamente, sem a necessidade de nenhuma intervenção externa. Mas se não paramos para refletir, então D’us precisa nos mandar sofrimentos e dificuldades externas, para que elas nos causem motivos que nos façam sofrer pela perda da espiritualidade do nosso coração. Este choro, mesmo que causado por fatores externos, é o caminho para a redenção, tanto pessoal quanto do povo judeu como um todo.

Por que o conserto precisa vir através de lágrimas? Pelo fato de todo o problema ser algo interno, então necessariamente o conserto também deve ser de caráter interno. O Talmud (Brachót 32a) diz que quando o Beit Hamikdash foi destruído, todos os portões celestiais se fecharam, com exceção do Portão das lágrimas. Com a mesma intensidade que a pessoa se esforçar para abrir seu coração, assim serão abertos para ela os portões celestiais.

Portanto, quando nos abstemos dos prazeres em Tishá Be Av, junto com a leitura do Livro de Kinót (Lamentações), que nos ajuda a construir em nossas cabeças uma imagem real da destruição do Beit Hamikdash, é possível despertar e chegar ao choro verdadeiro, que sai do coração. E esta é a raiz do conserto interno, que nos ajuda a revelar a espiritualidade que estava escondida e obscurecida.

O que mais nos impressiona é poder perceber a mão de D’us nos acompanhando em todas as gerações. Os vários acontecimentos históricos que ocorreram justamente em Tishá Be Av, apesar de terem sido trágicos, nos ajudam a perceber que é apenas a mão de D’us que guia todos os acontecimentos, mesmo nos momentos de sofrimento. Se o Rei Fernando e a Rainha Isabel, que nos expulsaram de Portugal e Espanha, soubessem quanta Emuná (fé) eles plantaram no coração do povo judeu ao expulsá-los justamente em Tishá Be Av, certamente teriam se arrependido de seu ato.

A nossa preparação para Tishá Be Av é entender pelo que precisamos sofrer e para onde este sofrimento deve nos levar. Em geral a tristeza é um sentimento perigoso, que pode nos levar ao desânimo e a uma queda espiritual. Mas podemos utilizá-la de maneira positiva, para fixar tempos de reflexão, para pensar na grandeza de D’us, contra quem nós constantemente transgredimos, e possamos “quebrar” nosso coração em arrependimento. Mas imediatamente após este arrependimento, devemos abandonar a tristeza e voltar a colocar em nosso coração a certeza de que D’us perdoa as transgressões e é misericordioso com aqueles que se arrependem e decidem consertar seus caminhos. Esta é a alegria que vem imediatamente após a tristeza de Tishá Be Av. Por isto o Shabat logo depois de Tishá Be Av é chamado “Nachamu” (Se consolem), pois é um aviso que depois da tristeza e do choro verdadeiro vem a alegria verdadeira.

Portanto, o propósito de Tishá Be Av é, através da tristeza, enxergar que a destruição dos nossos dois Templos Sagrados, que causou o exílio da Presença Divina, é apenas consequência da nossa queda e do nosso exílio espiritual interno, a muralha de ferro que criamos com nossos maus atos e que separa nossa faísca de Divindade do nosso corpo material. Este choro e sofrimento é a preparação para a nossa redenção e a fonte da alegria verdadeira e do consolo, para nós e para todo o povo judeu.

SHABAT SHALOM

R’ Efraim Birbojm

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