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LÁGRIMAS DO CORAÇÃO - PARASHÁ DEVARIM E TISHÁ
BE AV 5772 (27 de julho de 2012)
“Quando o Campo de Concentração de Buchenwald foi libertado pelos
aliados, todas as crianças órfãs sobreviventes foram levadas para um orfanato
em Ecouis, um pequeno vilarejo da França, onde receberam muitos cuidados e
carinho da comunidade judaica local. Havia no orfanato um total de 500 crianças
e jovens que não tinham mais ninguém no mundo.
Certa vez organizaram uma homenagem pública aos órfãos, onde estariam
presentes muitas personalidades locais, entre eles o comandante da polícia, o
comandante militar e o prefeito. Os órfãos não quiseram ir, pois sabiam que
aquela homenagem era apenas por interesse das autoridades de fazer propaganda diante
da mídia. Mas a responsável pelo orfanato, a Sra. Rachel Mintz, insistiu para
que todos fossem, e os rapazes concordaram em comparecer, mas decidiram que não
aplaudiriam e nem mesmo levantariam seus olhos do chão quando as personalidades
discursassem.
E assim foi. 500 jovens escutaram os discursos de cabeça baixa, sem
demonstrar nenhuma emoção. Até que subiu para discursar o último convidado. Era
um senhor judeu que havia se salvado de Aushwitz, mas tinha perdido a esposa e
todos os filhos. Desde sua libertação, ele havia dedicado todos os seus bens
aos órfãos. Ele tentou começar seu discurso, mas as lágrimas embargaram sua
voz. Tentou mais uma vez, mas ele tremia muito e as palavras não saíam.
Finalmente conseguiu dizer apenas 3 palavras em Ídishe: “Filhos, queridos
filhos”. Aqueles órfãos eram tudo o que havia lhe restado na vida.
Os órfãos então levantaram pela primeira vez seus olhos. Cada um
começou, sem querer demonstrar a emoção, a enxugar as lágrimas com a manga da
camisa, olhando com vergonha para o lado para ver se alguém tinha percebido
aquela pequena lágrima escorrendo. E então, de repente, rompeu-se a barreira.
De uma só vez abriram-se as comportas, e aqueles 500 jovens choraram um choro
sincero e libertador.
Em meio ao choro, levantou-se um jovem chamado Aharon Feldberg, de 25
anos, um dos mais velhos do grupo, e dirigiu-se aos visitantes:
- Gostaria de dizer algumas palavras. Desejo, em nome de todos, agradecer
a todos vocês. Não por terem vindo, pois não queríamos esta visita. Não pelos
presentes que nos trouxeram, pois não estamos interessados neles. Queremos lhes
agradecer pelo maior presente que recebemos de vocês há alguns instantes, que foi
a possibilidade de voltar a chorar.
O rapaz, visivelmente emocionado, continuou seu discurso:
- Quando os nazistas levaram meu pai e minha mãe, eu não chorei. Eu
estava seco de lágrimas. Quando diversas vezes me golpearam no Campo de
Concentração, eu mordi os lábios e não chorei. Há anos não rio e não choro.
Passamos fome, congelamos de frio, sangramos, mas não choramos. Desde a
libertação do Campo, e ainda antes dela, eu andava com a sensação de que não
sou mais uma pessoa normal. Achava que eu não tinha coração, que não conseguiria
chorar nos momentos em que é preciso chorar. Achei que eu tinha uma pedra no
peito e não um coração humano. Assim eu pensava até 5 minutos atrás, mas não
penso mais. Agora eu chorei, e bastante, e lhes digo, que quem é capaz de
chorar, poderá amanhã também rir e se alegrar. E é por isto que eu lhes
agradeço”
Esta história real, retirada do livro “Lúlek”, uma biografia do rabino
Israel Meir Lau, nos ensina que através das lágrimas sinceras, um dia
chegaremos à alegria e consolo verdadeiros.
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Nesta semana começamos o último livro da Torá, Devarim, também conhecido
como “Mishnê Torá”, cuja tradução literal é “Repetição da Torá”. Por que este “apelido”?
Pois grande parte do livro contém o discurso de despedida de Moshé Rabeinu
antes de seu falecimento. Para que o povo judeu aprendesse com o passado, tanto
com os acertos quanto com os erros, Moshé relembrou muitos dos acontecimentos
marcantes nos 40 anos em que o povo permaneceu no deserto.
Esta “revisão” feita por Moshé foi certamente importante para a geração
do deserto, pois foi uma preparação para a entrada em Israel. Mas para que
serve esta “revisão” para nós, mais de 3 mil anos depois? Se quisermos rever
algum acontecimento, podemos simplesmente abrir a Torá na passagem que nos
interessa e ler novamente. Então para nós, qual a importância do livro de
Devarim?
A resposta é que, apesar de conter repetições, o livro de Devarim também
traz muitas novidades. Em primeiro lugar, são ensinadas muitas Mitzvót novas,
que ainda não haviam sido ensinadas antes. Além disso, quando a Torá repete os
acontecimentos, acrescenta detalhes que ajudam a entender e a se aprofundar em
alguns conceitos. É o que acontece, por exemplo, na Parashá desta semana,
Devarim, que nos ajuda a entender melhor um dos eventos mais marcantes para o
povo judeu: o pecado dos espiões.
Na Parashá Shelach, no livro de Bamidbar, a Torá descreve que o povo
judeu, ainda no primeiro ano no deserto, se aproximava da terra de Israel. Ao
invés de confiar na promessa de D’us, que havia garantido que a terra era boa e
fértil e que eles teriam sucesso em conquistá-la, o povo pediu para enviar
espiões. A consequência foi trágica, pois dos 12 espiões enviados, 10 voltaram
falando mal da terra, causando uma histeria coletiva e um choro de desespero. D’us
então jurou: “Hoje vocês choraram sem motivo. Este dia será fixado como um dia
de choro para todas as gerações”. Este dia era Tishá Be Av, o nono dia do mês
judaico de Av.
No próximo sábado de noite (28/07), assim que terminar o Shabat, é Tishá
Be Av, um dia marcado por tristezas e sofrimentos. Neste dia, conforme D’us
havia jurado, terríveis tragédias atingiram o povo judeu, desde as épocas
bíblicas até os nossos dias. Exatamente neste dia nossos dois Templos Sagrados
foram destruídos, fomos expulsos da Inglaterra, Espanha e Portugal, e foi o dia
em que se iniciou a Primeira Guerra Mundial. Também a queda do primeiro avião
da companhia aérea israelense El Al aconteceu justamente em Tishá Be Av. Neste
dia nós jejuamos e nos abstemos de vários tipos de prazer, como relações
maritais, usar sapatos de couro, tomar banho ou passar óleo no corpo. Será que
há algo que podemos fazer para mudar este dia tão triste e consertar o erro dos
nossos antepassados?
A Parashá Devarim é sempre lida na semana em que cai Tishá Be Av. Um dos
motivos é que nesta Parashá Moshé relembra o erro do povo de ter chorado após o
relato dos espiões, acrescentando alguns detalhes que nos ajudam a entender um
pouco melhor qual foi o erro. A Torá diz que os judeus se desesperaram com as palavras
dos espiões, que disseram que os habitantes de Israel eram gigantes e seria
impossível derrotá-los. O povo então disse para Moshé: “Com ódio D’us nos tirou
do Egito, para nos entregar nas mãos dos Emoritas para nos destruir” (Devarim
1:27). O que significam estas palavras? Por que os judeus achavam que D’us
sentia ódio deles?
Explica o Sforno, comentarista da Torá, que o povo judeu pensou que D’us
estava bravo por causa da idolatria que eles fizeram enquanto ainda viviam no
Egito e que Ele, por causa deste ódio, mesmo tendo poder para esmagar os Emoritas,
castigaria o povo judeu entregando-o nas mãos de seus inimigos. Por isso eles
choraram tão amargamente.
Mas desta explicação do Sforno surge uma grande pergunta. Segundo suas
palavras, o choro do povo judeu foi um choro de arrependimento por um erro
cometido, isto é, um choro positivo, uma demonstração de temor a D’us. Então
por que nossos sábios dizem que este foi um choro em vão, e que resultou em
todas as catástrofes que nos atingem até hoje?
Responde o Rav Eliahu Dessler que realmente a motivação original do povo
judeu era proveniente de uma fonte pura de temor a D’us. Porém, o Yetzer Hará (má
inclinação) conseguiu misturar neles a falta de Bitachon (confiança em D’us), o
que pode ser visto no final do versículo: “Não podemos subir contra eles (os
habitantes da terra), pois eles são mais fortes do que nós” (Bamidbar 13:31).
Rashi explica que a intenção da frase era também incluir D’us, isto é, o povo
começou a acreditar que os habitantes da terra eram fortes demais até mesmo
para D’us. O choro, uma demonstração de sofrimento interno, foi consequência da
falta de Bitachon, causando uma rápida deterioração espiritual que os levou a
se desconectar de D’us.
O conceito de “destruição do Beit Hamikdash (Templo Sagrado)” pode
ocorrer em dois níveis: coletivo e individual. O Beit Hamikdash era o lugar
onde a presença de D’us repousava. Quando ele foi destruído, os portões
celestiais se fecharam e a Presença de D’us se ocultou, como se Ele estivesse
em exílio. Há um paralelo com o coração de cada judeu. Existe uma faísca
sagrada escondida dentro do coração de cada judeu, como se fosse a Presença de
D’us. Esta faísca não pode ser apagada nunca, por mais assimilada e afastada
que a pessoa possa estar. Mas quando a pessoa começa a cometer transgressões e
a se impurificar, ela cria uma muralha de ferro entre esta faísca sagrada e o
seu “eu” exterior. Isto causa um “exílio espiritual interno”, quando a espiritualidade,
que deveria estar revelada e brilhando, está escondida e obscurecida. Quando
isto ocorre com a maioria do povo, então é como se a presença de D’us tivesse
se afastado de nós. É um momento crítico, onde se aproxima uma situação de
extermínio espiritual. Foi nesta situação em que ocorreu a destruição dos
nossos dois Templos Sagrados, isto é, o exílio espiritual interno causou o
exílio espiritual externo.
Infelizmente hoje já não sentimos mais a perda do Beit Hamikdash e nem a
falta da espiritualidade em nossas vidas. Aquele que não sente este vazio
espiritual é porque já tem dentro de si um “exílio espiritual”, isto é, uma
muralha bloqueando seu coração. Mas ao contrário, se a pessoa consegue sentir
este vazio espiritual e sofre até o ponto de chorar, um choro verdadeiro e
sincero, significa que percebeu a ausência de espiritualidade e conseguiu abrir
uma brecha na muralha para começar a consertar o vazio do seu coração.
Por todas as tragédias que ocorreram neste dia, vemos Tishá Be Av de uma
maneira negativa, queremos que esta data de luto e tristeza passe rápido. Mas
temos que saber que o dia de Tishá Be Av é uma grande oportunidade de despertar
espiritual. Quando D’us fixou um choro para todas as gerações, não foi um choro
de castigo, e sim um choro de renovação, um choro de conserto espiritual. Quando
conseguimos refletir e internalizar nossa perda espiritual, o choro vem
automaticamente, sem a necessidade de nenhuma intervenção externa. Mas se não
paramos para refletir, então D’us precisa nos mandar sofrimentos e dificuldades
externas, para que elas nos causem motivos que nos façam sofrer pela perda da espiritualidade
do nosso coração. Este choro, mesmo que causado por fatores externos, é o
caminho para a redenção, tanto pessoal quanto do povo judeu como um todo.
Por que o conserto precisa vir através de lágrimas? Pelo fato de todo o
problema ser algo interno, então necessariamente o conserto também deve ser de
caráter interno. O Talmud (Brachót 32a) diz que quando o Beit Hamikdash foi
destruído, todos os portões celestiais se fecharam, com exceção do Portão das
lágrimas. Com a mesma intensidade que a pessoa se esforçar para abrir seu
coração, assim serão abertos para ela os portões celestiais.
Portanto, quando nos abstemos dos prazeres em Tishá Be Av, junto com a
leitura do Livro de Kinót (Lamentações), que nos ajuda a construir em nossas cabeças
uma imagem real da destruição do Beit Hamikdash, é possível despertar e chegar
ao choro verdadeiro, que sai do coração. E esta é a raiz do conserto interno,
que nos ajuda a revelar a espiritualidade que estava escondida e obscurecida.
O que mais nos impressiona é poder perceber a mão de D’us nos
acompanhando em todas as gerações. Os vários acontecimentos históricos que ocorreram
justamente em Tishá Be Av, apesar de terem sido trágicos, nos ajudam a perceber
que é apenas a mão de D’us que guia todos os acontecimentos, mesmo nos momentos
de sofrimento. Se o Rei Fernando e a Rainha Isabel, que nos expulsaram de
Portugal e Espanha, soubessem quanta Emuná (fé) eles plantaram no coração do
povo judeu ao expulsá-los justamente em Tishá Be Av, certamente teriam se
arrependido de seu ato.
A nossa preparação para Tishá Be Av é entender pelo que precisamos
sofrer e para onde este sofrimento deve nos levar. Em geral a tristeza é um
sentimento perigoso, que pode nos levar ao desânimo e a uma queda espiritual.
Mas podemos utilizá-la de maneira positiva, para fixar tempos de reflexão, para
pensar na grandeza de D’us, contra quem nós constantemente transgredimos, e
possamos “quebrar” nosso coração em arrependimento. Mas imediatamente após este
arrependimento, devemos abandonar a tristeza e voltar a colocar em nosso
coração a certeza de que D’us perdoa as transgressões e é misericordioso com
aqueles que se arrependem e decidem consertar seus caminhos. Esta é a alegria
que vem imediatamente após a tristeza de Tishá Be Av. Por isto o Shabat logo
depois de Tishá Be Av é chamado “Nachamu” (Se consolem), pois é um aviso que
depois da tristeza e do choro verdadeiro vem a alegria verdadeira.
Portanto, o propósito de Tishá Be Av é, através da tristeza, enxergar
que a destruição dos nossos dois Templos Sagrados, que causou o exílio da
Presença Divina, é apenas consequência da nossa queda e do nosso exílio
espiritual interno, a muralha de ferro que criamos com nossos maus atos e que separa
nossa faísca de Divindade do nosso corpo material. Este choro e sofrimento é a
preparação para a nossa redenção e a fonte da alegria verdadeira e do consolo,
para nós e para todo o povo judeu.
SHABAT SHALOM
R’ Efraim Birbojm
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HORÁRIO DE ACENDIMENTO DAS VELAS DE SHABAT
São Paulo: 17h24 Rio de Janeiro: 17h08 Belo Horizonte: 17h19 Jerusalém: 18h59
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dedicado à Leilui Nishmat (elevação da alma) dos meus queridos e saudosos avós,
Meir ben Eliezer Baruch Z"L e Shandla bat Hersh Mendel Z"L, que nos
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