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VIVER, E NÃO MORRER, POR UM IDEAL - PARASHÁ BALAK 5772 (06 de julho de 2012)
"Roberto era uma ótima pessoa. Era muito responsável e queria que sua família tivesse uma vida tranquila e sem nenhum tipo de privação. Para isso, trabalhava duro, inclusive aos domingos e feriados. Mas seu filho, o pequeno Johny, não estava contente. Apesar de ter os melhores brinquedos, ele sentia a falta do pai. Toda semana Johny perguntava para seu pai se eles poderiam jogar bola no domingo, mas sempre recebia a mesma resposta: "Infelizmente nesta semana não vai dar, filhão. O papai precisa trabalhar".
Então, numa certa semana, após muitas e muitas recusas de Roberto, Johny perguntou:
- Pai, quanto dinheiro você ganha quando trabalha no domingo?
O pai, perplexo com a pergunta do filho de 5 anos, fez algumas contas rápidas de cabeça e respondeu o valor. O filho agradeceu e entrou no quarto, sem dar nenhuma satisfação do porquê tinha perguntado aquilo. O pai ficou curioso, mas preferiu não falar nada.
No domingo de manhã, Roberto estava saindo de casa para ir trabalhar quando viu Johny parado na porta de casa. Era muito cedo, por que será que ele já tinha levantado? Johny mostrou ao pai a mão fechada. Quando abriu, Roberto viu que havia muitas moedinhas. Johny então começou a contá-las em voz alta e, quando terminou a conta, estendeu o dinheiro ao pai e disse:
- Pai, isto deve ser suficiente para pagar 1 hora do seu domingo. Podemos agora sair para jogar futebol?"
Esta história é um bom exemplo de como vivemos em uma triste ironia. Toda razão pelo qual um pai trabalha tão duro é para dar aos filhos uma boa vida. Mas o trabalho acaba ocupando tanto nosso tempo que, no final das contas, perdemos o propósito das coisas. Pois os filhos acabam tendo tudo do bom e do melhor, mas ficam sem o principal: ficam sem um pai...
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Nesta semana lemos a Parashá Balak, que nos descreve um dos personagens mais contraditórios da Torá: o profeta Bilaam. Em geral, todas as pessoas que estão mencionadas na Torá têm um comportamento bem definido, isto é, ou são Tzadikim (justos), apesar de algumas vezes cometerem erros, ou são Reshaim (malvados). Mas Bilaam é uma grande exceção. Por um lado era uma pessoa com alto nível de profecia, talvez até maior do que Moshé Rabeinu, e podia falar diretamente com D'us através de sonhos. Por outro lado, se comportava como um animal, dominado por seus desejos e pela busca de honrarias.
Bilaam era muito famoso por utilizar seus "dons espirituais" para amaldiçoar pessoas ou povos inteiros. O rei Balak, do povo de Moav, teve medo do avanço esmagador do povo judeu, que no deserto conseguiu derrotar todas as grandes potências da época. Balak sabia que era inútil tentar lutar contra os judeus, pois eram abençoados por D'us. Ele sabia que o sucesso na batalha dependia de méritos espirituais e, por isso, contratou Bilaam para amaldiçoar o povo judeu, aumentando suas chances de vitória. Bilaam aceitou, em troca de uma grande quantidade de moedas de ouro, mas sua missão foi um grande fracasso, pois D'us protegeu o povo judeu e, por três vezes, transformou as tentativas de maldição de Bilaam em Brachót (bênçãos) para o povo judeu.
Das palavras que saíram da boca de Bilaam aprendemos muito para nossas vidas. Por exemplo, da primeira vez em que ele tentou amaldiçoar o povo judeu, assim ele falou: "Que minha alma morra a morte dos justos, e que meu fim seja como o deles" (Bamidbar 23:10). O que estas palavras significam? Que tipo de morte Bilaam queria? E por que ele, um grande Rashá, se compara aos Tzadikim?
A resposta começa na diferença entre Bilaam e os grandes profetas do povo judeu. Os grandes profetas judeus tiveram que trabalhar duro para atingir o nível de profecia. Para cada um deles foi um trabalho de crescimento gradual, durante toda a vida. Pessoas como Moshé Rabeinu e Eliahu Hanavi trabalharam muito para chegar ao nível em que chegaram. Já Bilaam recebeu seu elevado nível espiritual pronto, sem nenhum esforço, e por isso não conseguiu manter-se elevado.
Mas se Bilaam era um profeta, então ele sabia toda a verdade. Ele sabia da existência de D'us, sabia que Ele entregou ao povo judeu a Torá, o documento Divino que contém valores morais para toda a humanidade. E se ele sabia que a Torá era Divina, sabia que todos nossos atos têm consequências espirituais eternas, para o bem ou para o mal. Então, com todo este conhecimento, como ele pode ter se transformado em uma pessoa tão baixa, quase no nível de um animal?
Explica um dos mais famosos comentaristas da Torá, o Rav Chaim ben Atar, mais conhecido como Or Hachaim, que Bilaam não conseguiu internalizar as verdades que conhecia porque não parava para refletir e, consequentemente, seus atos não estavam de acordo com seu elevado potencial espiritual. Mas por outro lado, as palavras que saíram de sua boca demonstram que, apesar de viver uma vida desregrada e vazia, ele esperava receber, após a morte, a mesma recompensa dos grandes Tzadikim, isto é, o Mundo Vindouro e seus prazeres espirituais infinitos. Bilaam, que sabia a verdade, achava que receberia uma recompensa mesmo sem ter feito nenhum bom ato? Certamente que não. Ele sabia que existe um sistema de castigo e recompensa para os nossos atos, nada é de graça no mundo espiritual. Então como ele esperava receber esta grande recompensa eterna?
O Or HaChaim traz uma resposta surpreendente. Bilaam planejava corrigir sua conduta e fazer Teshuvá (se arrepender de todos os seus maus atos). Mas quando ele pretendia fazer isto? Bilaam sabia que vivia uma vida de mentira e que perdia, a cada instante, méritos para adquirir a vida eterna no Mundo Vindouro. Ele queria mudar, queria ser uma pessoa correta, mas queria isto somente no final de sua vida.
Mas por que deixar para o final da vida? Se esta era a verdade, por que não se arrependeu imediatamente?
Bilaam fez um erro nos seus cálculos. E por mais ilógico que seus pensamentos possam parecer, não foi o único na história que errou desta maneira. O Or HaChaim diz que conheceu pessoalmente muitos Reshaim que afirmaram que, se fosse possível fazer Teshuvá e imediatamente morrer, eles fariam, mas não conseguiriam fazer Teshuvá e viver da maneira correta uma vida inteira. Eles argumentavam que eram dominados pelo Yetzer Hará, a má inclinação, e por isso logo voltariam aos maus atos. Bilaam e todos os seus "seguidores" durante a história achavam que era impossível derrotar o Yetzer Hará. Mas eles se esqueceram de um fundamento ensinado pelos nossos sábios: "Não há nada que pode impedir a vontade verdadeira". Mesmo que eles tinham muito Yetzer Hará, se quisessem de verdade poderiam ter vencido. Mas preferiram se acomodar e aceitar passivamente a derrota.
Bilaam não é apenas mais um personagem da Torá. Ele representa as pessoas que sabem a verdade e estão dispostas a morrer por ela, mas não estão dispostas a viver por ela. Parece que Bilaam era um grande tolo e fraco. Mas será que muitas vezes não cometemos o mesmo erro? Será que não nos comportamos da mesma maneira no nosso cotidiano, apesar de saber a verdade?
Há uma questão básica que todos devem se perguntar em algum momento da vida: "Qual é o propósito da minha vida? Pelo que eu estou vivendo?". E, ao contrário do que parece, esta não é uma questão simples de ser respondida. A grande maioria das pessoas não tem resposta, pois nunca se questionou ou, mesmo se chegou ao questionamento, nunca se aprofundou para encontrar respostas. E mesmo entre os que realmente buscam respostas, a maioria define seu propósito de maneira vaga, dizendo que a meta é se aproximar de D'us. Mas há muitas maneiras de se aproximar de D'us, e não é fácil encontrar um caminho específico, que se adeque ao potencial e às características individuais de cada pessoa. Como fazer então, na prática, para ter a certeza de que estamos vivendo uma vida de verdade?
O Rav Noach Weinberg dá uma sugestão para tornar esta busca menos abstrata. A pessoa deve pensar nas coisas pelas quais ela está disposta a morrer. Então, ela deve dizer a si mesma: "Eu não quero morrer por isso. Eu quero viver por isso".
Um excelente exemplo, que demonstra que não vivemos de acordo com nossas convicções, é como cuidamos dos nossos filhos. Qualquer um de nós daria a vida pelos filhos, mas será que dedicamos o tempo e a energia suficientes para viver por eles? Muitas vezes optamos por uma vida com mais conforto, mesmo que isto resulte em praticamente trocar o tempo com os filhos por mais e mais tempo no escritório. Também muitos dariam a vida pelo povo judeu, em situações em que a continuidade do judaísmo está sob ameaça de destruição, como fizeram tantos mártires durante nossa história. Mas quanto nos dedicamos para viver pelo povo judeu? Quanto do nosso tempo é dedicado aos nossos irmãos necessitados? Quanta energia gastamos para trazer de volta judeus afastados, que mal sabem o que é judaísmo? Abrimos mão do tempo em que ficamos no escritório em prol do judaísmo ou do povo judeu? Nos sentimos verdadeiramente responsáveis pela continuidade do judaísmo? Infelizmente não.
Apesar do seu potencial espiritual elevado, Bilaam é chamado pela Torá de Rashá, pois ele estava apenas disposto a morrer pela verdade, não a viver por ela. Por isso ele acabou se deixando levar pelos seus desejos mais baixos. Qualquer um deve parar e se questionar sobre suas convicções, para não nos perdermos com a correria de nossas vidas. A dica prática é sempre lembrar quais são as coisas pelas quais estaríamos dispostos a morrer, e nos questionar o quanto estamos efetivamente vivendo por elas.
Explica o Rav Yonathan Guefen que em muitas gerações os judeus precisaram morrer fazendo "Kidush Hashem" (santificando o nome de D'us), isto é, dando suas próprias vidas para manter a chama do judaísmo aceso. Durante a Inquisição, por exemplo, muitos judeus preferiram morrer a se converter. Também os judeus preferiram abandonar a comodidade de suas vidas em Portugal e na Espanha, e muitos morreram de fome e doenças pelo caminho, mas nunca abandonaram seu judaísmo. Mas nossa geração não precisa mais de judeus que estão dispostos a morrer pelo judaísmo. Nossa geração precisa cada vez mais de judeus que estão dispostos a viver pelo judaísmo. Pois decidir fazer um ato heroico e logo depois morrer é muito louvável e uma decisão difícil, mas não se compara a viver uma vida inteira heroicamente fazendo o que é correto, mesmo quando vai contra nosso comodismo e nossos desejos.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
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