Nesta semana lemos a Parashá Lech Lechá, que começa a descrever os difíceis testes com os quais Avraham teve que lidar durante sua vida, e que foram moldando seu caráter. Avraham passou por todos os seus testes com sucesso, e nos deixou de herança a força para superarmos as dificuldades que enfrentamos no nosso cotidiano. Entre outros assuntos, a Parashá nos conta sobre a primeira grande guerra da humanidade, a guerra entre os cinco reis contra os quatro reis, que terminou com a derrota de Sdom, o lugar onde Lót, sobrinho de Avraham, havia decidido ir morar. Lót, que tinha muitas riquezas, foi sequestrado e seus bens foram levados como despojos de guerra. Porém, o curso dos eventos teve uma mudança drástica quando Avraham foi avisado sobre o que havia ocorrido com Lót, como está escrito: "E eles tomaram Lót, filho do irmão de Avram, e seus bens, e partiram, e ele estava morando em Sdom. E o refugiado veio e contou a Avram HaIvri" (Bereshit 14:13). O Midrash explica que "refugiado" se refere ao gigante Og. Quando os quatro reis começaram a avançar em sua ofensiva triunfal, Og conseguiu se salvar da morte. Ele escapou do campo de batalha e foi até Avraham para contar o que havia acontecido. Porém, apesar de parecer um ato meritório, o Midrash afirma que ele não fez isto com boas intenções, ao contrário, seu plano era causar com que Avraham fosse morto para que ele pudesse se casar com Sara. Og conhecia a índole de Avraham e sabia que ele arriscaria a vida para salvar seu sobrinho, não se importando com os perigos envolvidos, o que seria uma missão suicida. E, realmente, se não fossem grandes milagres de D'us, Avraham nunca sobreviveria a uma guerra tão desequilibrada, pois seu exército contava apenas com 318 soldados. O Midrash descreve, portanto, que as intenções de Og eram mesquinhas e egoístas. Porém, há uma aparente contradição com um ensinamento do Talmud (Nidá 61a), que afirma que este ato de Og foi considerado um grande mérito, graças ao qual ele viveu por mais de quatrocentos anos, além de ter se tornado um poderoso rei. Futuramente, Moshé e seiscentos mil homens do povo judeu temeram lutar contra Og no deserto, justamente por causa deste mérito. Como este ensinamento do Talmud se encaixa com as palavras do Midrash? Afinal, se ele teve intenções tão ruins, como pode ser que mereceu recompensas tão grandes? Além disso, de onde o Midrash afirma, de forma tão contundente, que as verdadeiras intenções de Og eram cometer assassinato e adultério? É permitido suspeitar de uma pessoa, que está se ocupando de uma Mitzvá, de estar tramando coisas tão baixas? Responde o Rav Yehuda Leib Chassman zt"l (Lituânia,1869 - Israel, 1935) que se refletirmos sobre esta aparente contradição, encontraremos uma resposta simples. Vimos na Parashá Bereshit que o ser humano foi criado do pó da terra, ou seja, com uma força material grosseira e obscura, que o arrasta para todos os tipos de desejos e perversões. Esta força foi internalizada no ser humano desde o seu nascimento, como está escrito: "O homem nasce como um burro selvagem" (Yov 11:12). À medida que uma pessoa cresce, esta força se enraíza nela e não há nada que ela pense, fale ou aja sem que esta força esteja envolvida. É isso que nós chamamos de "interesses". Toda pessoa tem muito amor próprio, isto é, sempre busca atividades que deem prazer a ela, e quando encontra, imediatamente desejos surgem nela para alcançar este prazer. Se a pessoa não se esforça no sentido contrário, o natural é ela se afundar no materialismo e na busca de preenchimento dos seus desejos. Somente aquele que se esforça para chegar à raiz dos seus maus hábitos conseguirá fazer com que sua alma domine o materialismo do seu corpo. Somente a pessoa sábia, temente e que se afasta do mal é capaz de se elevar acima dos seus interesses. Devemos saber que a palavra "Torá" vem de "Horaá", que significa "ensinamento". A Torá ensina o homem a direcionar seus caminhos. Entre outras coisas, a Torá nos ensina a como descobrir dentro de nós os traços de caráter negativos e os desejos, para que possamos arrancá-los. Aqui também, no ato de Og, nossos sábios ensinam a não nos enganarmos pensando que somos completamente puros. A pessoa deve aprender daqui que mesmo que na prática pense que não é um assassino nem um ladrão, ainda assim isso não é prova de retidão e integridade. A razão pela qual não cometemos más ações está, na maioria das vezes, no medo do castigo que um juiz ou que a sociedade podem aplicar. E a prova disso é o fato de que na mente e no coração de uma pessoa, que estão ocultos aos olhos do mundo, aparecem todos os tipos de pensamentos estranhos e ruins. Pode parecer uma ideia extrema, mas vamos pegar um exemplo para entender o quanto isso é real. Imagine uma pessoa que tem um parente rico, que deixará de herança uma grande fortuna para seus herdeiros após a sua morte. Exteriormente, a pessoa certamente respeita seu parente e busca sua segurança e seu bem-estar. Porém, em seu coração, às vezes ela é assombrada por pensamentos sobre o que futuramente herdará. Em sua imaginação, às vezes ela se vê voltando do funeral do parente rico com uma enorme riqueza nas mãos. Se examinarmos cuidadosamente, parece que há algo de assassinato e roubo neste pensamento. Afinal, todo assassino e ladrão não age exceto para o seu próprio prazer e benefício. De certa maneira, esta pessoa está interessada na morte de seu parente para alcançar seus desejos. Ninguém revelaria este tipo de pensamento, pelo medo do julgamento da sociedade. Porém, ela não tira isso do coração, onde ninguém pode ver. Por isso, o ser humano está muito mais próximo das transgressões do que imagina. E foi isso o que o Midrash percebeu na atitude de Og. O único remédio para esta deficiência é o uso da sabedoria e da moralidade. Devemos chegar ao nível de termos o controle, não apenas sobre os nossos atos, mas também sobre o nosso pensamento, as nossas vontades e os desejos do nosso coração. Somente o temor de D'us leva a pessoa a dominar seus instintos, como ensina Shlomo Hamelech: "O sábio teme e se afasta do mal, mas o tolo passa com confiança e escorrega" (Mishlei 14:16). Aprendemos, portanto, dois ensinamentos importantes nesta Parashá. Em primeiro lugar, é assustador perceber até onde chega a força da corrupção moral do ser humano. E, se formos mais a fundo na reflexão, perceberemos que mesmo ações que parecem superficialmente boas e puras, às vezes estão enraizadas no mal e na corrupção moral. Portanto, se não nos livrarmos dos maus hábitos e dos maus pensamentos, eles atuarão em nós. Mas podemos aprender também algo bom, no que diz respeito à magnitude da força dos nossos bons atos. Apesar de toda a intenção de Og ser apenas ruim, para que Avraham morresse e ele pudesse ficar com Sara, como no final acabaram saindo apenas coisas boas para Avraham, Og recebeu uma enorme recompensa por isso. E se isso vale para atos com más intenções, quão maravilhosa será a recompensa guardada para aqueles cujos atos e intenções são boas e puras? Portanto, vale a pena se esforçar, não apenas que nossos atos sejam bons, mas também para que as intenções sejam sempre as mais puras possíveis. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |