Nesta semana começamos o último Livro da Torá, Devarim, que traz as cinco semanas finais de vida de Moshé. Ele aproveitou estes últimos momentos para recordar muitos erros que o povo judeu havia cometido, para que se arrependessem, aprendessem com os erros do passado e não os repetissem. E assim começa a Parashá Devarim (literalmente "Palavras"): "Estas são as palavras que Moshé falou a todo Israel, do outro lado do Jordão, no deserto, na planície oposta ao Suf, entre Paran, Tofel, Lavan, Chatzerot e Di Zahav" (Devarim 1:1). Rashi (França, 1040 - 1105) explica que como eram palavras de repreensão, Moshé simplesmente enumerou nesta introdução, por respeito ao povo, os lugares onde eles haviam provocado a fúria de D'us. Porém, se prestarmos atenção nos nomes mencionados por Moshé, perceberemos que a maioria deles não aparece na Parashá da semana passada, Massei, onde se encontra a lista completa das viagens do povo judeu no deserto. E Rashi menciona sábios que afirmam que não há base histórica para comprovar a existência de muitos destes lugares mencionados no início da nossa Parashá. Então o que Moshé está nos transmitindo? Explica o Midrash que, na verdade, os nomes mencionados em Devarim não são locais geográficos, e sim alusões veladas às gravíssimas transgressões cometidas pelo povo. Por exemplo, "no deserto" é uma alusão de quando o povo judeu provocou a ira de D'us no deserto, ao dizerem: "Quem dera tivéssemos morrido pela mão de D'us". "Na planície" era uma alusão à adoração de Baal-Peor em Shitim, nas planícies de Moav. "Oposta ao Suf" se refere ao Yam Suf, o Mar Vermelho, quando os judeus chegaram ao mar e disseram: "Será que não havia sepulturas suficientes no Egito, para que nos trouxessem para morrer no deserto?". "Paran" se refere ao erro que o povo judeu cometeu no deserto de Paran, quando enviaram os espiões que trouxeram um relato negativo sobre a Terra de Israel e todos choraram. "Tofel" e "Lavan" se referem a terem falado de forma depreciativa (em hebraico "Taflu") em relação ao Man, que era "lavan" (branco). "Chatzeirot" faz referência à rebelião de Korach e seus seguidores. "Di Zahav" se refere ao bezerro de ouro, pois "Zahav" em hebraico é "ouro". De todas estas explicações trazidas por Rashi, há uma que parece não fazer muito sentido. "Chatzerot" é referência à rebelião de Korach e seus seguidores. Mas por que a Torá associa esse episódio ao nome "Chatzerot", sendo que este acontecimento transcorreu em Paran, local também citado no mesmo versículo? De acordo com o Rav Yehuda Loew zt"l (Polônia, 1525 - República Checa, 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, como Paran já havia sido utilizada para aludir ao pecado dos espiões que falaram mal da Terra de Israel, a Torá optou por mencionar Chatzerot, que é o local mais próximo de Paran, para representar a revolta de Korach. Porém, se a intenção principal da Torá não era apontar com precisão geográfica onde a transgressão ocorreu, e sim escolher um nome que melhor simbolizasse e aludisse à transgressão cometida, ainda é necessário entender por que justamente Chatzerot foi escolhido para representar a rebelião de Korach. O que este nome transmite? Explica o Rav Yochanan Zweig shlita que Korach é descrito por nossos sábios como sendo um "Baal Machloket", alguém que provoca discórdias por natureza. Esse tipo de pessoa se alimenta das divisões entre as pessoas, enfatizando os elementos que geram conflito. Ele não busca a unidade, mas sim o caminho da separação e da disputa. Foi o que ele promoveu em sua rebelião, desunindo o povo, afastando as pessoas de Moshé e criando separações e divisões dentro do povo. Por isso, é apropriado que suas ações estejam simbolizadas pelo nome "Chatzerot", o plural de "Chatzer", que significa "pátio". Qual é a definição de "Chatzer"? É normalmente um espaço cercado por barreiras, o que lhe confere o status de uma entidade independente. A semente da Machloket, a discórdia, está em focarmos apenas nas diferenças entre nós, ignorando aquilo que temos em comum ou os aspectos nos quais podemos nos completar. Estas diferenças criam muros de separação, fazendo com que cada um viva em seu Chatzer particular. Isso é o que o nome "Chatzerot" representa. Entre as leis complexas do Tratado de Eruvin está o conceito de "Eruv Chatzerot", uma forma de conectar diversos domínios privados. Essa lei permite, por exemplo, que diversos pátios sejam unificados como se fossem um único domínio, possibilitando que pessoas carreguem objetos de um lugar para outro no Shabat. A palavra "Eruv" vem da mesma raiz de "Learbev", que significa "misturar". Com o Eruv, as pessoas podem sair de suas casas no Shabat, se "misturar" nas ruas e interagir com outras pessoas. Por exemplo, mães com bebês pequenos podem transportá-los, algo que seria impossível sem o Eruv. Portanto, o Eruv promove a união das pessoas. Quem nos ensinou o conceito do Eruv Chatzerot? Diz o Talmud (Eruvim 21b): "Rav Yehuda disse em nome de Shmuel: No momento em que o Shlomo HaMelech instituiu os decretos do Eruv Chatzerot e do Netilat Yadaim, uma Voz Celestial saiu e disse: 'Meu filho, se teu coração for sábio, também o Meu coração se alegrará' (Mishlei 23:15)". É bastante apropriado que esse decreto tenha sido instituído por Shlomo HaMelech, pois os sábios se referem a ele como "Melech Shehashalom Shelo" (o rei a quem pertence a paz). O Talmud (Meguila 11b) afirma que Shlomo governou sobre o mundo inteiro. Ele foi capaz de unir o mundo inteiro sob seu reinado, pois sabia enxergar os pontos que possibilitam a convivência harmoniosa. Ele conseguiu derrubar os muros que dividiam e conseguiu unificar domínios. Por isso, coube a ele estabelecer a regra que transforma entidades separadas em uma só unidade. Isso se conecta à nossa próxima parada no Calendário Judaico, Tishá Be Av, que começa logo após o final do Shabat. Um dia de muita tristeza, de jejum e de nos abstermos dos prazeres do corpo. Historicamente foi o dia no qual nossos dois Templos Sagrados foram destruídos. Nosso Segundo Templo foi destruído há quase dois mil anos por causa do ódio gratuito, das divisões, dos muros que as pessoas construíram entre elas. Está na hora de derrubarmos estes muros. A Torá utiliza duas linguagens diferentes para a palavra muro: "Kir" e "Chomá". "Kir" vem da mesma raiz de "Kar" (frio), enquanto "Chomá" vem da mesma raiz de "Cham" (quente). Kir representa um muro que serve para separar, desunir. Por exemplo, o Muro de Berlim. Chomá representa um muro que serve para unir, como os muros de uma casa, que mantém a família unida e protegida. Quando na parede da casa apareciam manchas de "Tzaráat", a doença espiritual que contaminava aqueles que falavam Lashon Hará, a linguagem utilizada na Torá é Kir. O Lashon Hará causa o esfriamento dos relacionamentos, o afastamento, a desunião. Mas quando falamos sobre a reconstrução do Beit Hamikdash, o local de reunião do povo judeu para servirmos D'us todos juntos, dizemos que "serão reconstruídas as Chomót de Yerushalaim". Yerushalaim representa a "Yir Shalem", a cidade da paz. O Beit Hamikdash representa a união, o calor humano. A palavra "Machloket" vem da mesma raiz de "Chelek", que significa "parte". A Machloket surge quando vemos apenas parte da outra pessoa, focando nos defeitos e ignorando suas qualidades. Já a palavra "Shalom" vem da mesma raiz de "Shalem", que significa "completo". Shalom é quando conseguimos ver a outra pessoa de forma completa. Esse é o desafio de Tishá Be Av: tentar buscar coisas boas mesmo em alguém que não gostamos e aceitar as diferenças com humildade. Todos têm falhas, e isso é parte dos planos de D'us. Quem sabe se, com união, ao invés de chorar, neste Tishá be Av poderemos comemorar a reconstrução do nosso Templo Sagrado. SHABAT SHALOM E TSOM KAL R' Efraim Birbojm |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor, deixe aqui a sua pergunta ou comentário sobre o texto da Parashá da semana. Retornarei o mais rápido possível.