Nesta semana lemos a Parashá Ekev (literalmente "Recompensa"), na qual Moshé continuou preparando o povo judeu para a entrada na Terra de Israel, após terem vivido de uma maneira "artificial" durante 40 anos no deserto, quando o alimento, a água, as roupas e a proteção contra os inimigos vinham de forma completamente milagrosa. A transição não seria fácil, de uma vida de milagres abertos para uma vida na qual as regras do mundo material voltariam a prevalecer, enquanto os milagres de D'us seriam ocultos. Moshé fez questão de enfatizar que D'us não abandonaria Seu povo após a entrada na Terra de Israel. Ele explicou como aquela era uma terra diferente de qualquer lugar no mundo, como está escrito: "Uma terra que Hashem, teu D'us, cuida. Os olhos de Hashem, teu D'us, estão sempre sobre ela, desde o início do ano até o fim do ano" (Devarim 11:12). O povo começava a entender o enorme valor da terra que estariam em breve herdando, mas que seus pais haviam desprezado, após os espiões falarem mal dela, dizendo que seria impossível conquistá-la. Na realidade, não apenas a geração do deserto foi punida por causa do relato negativo dos espiões sobre a Terra de Israel, mas até hoje continuamos sofrendo as consequências. O povo ter acreditado naquele relato negativo e ter chorado a noite inteira no deserto nos faz chorar até hoje. Mas, afinal, qual foi exatamente o erro dos espiões? Se eles realmente acreditavam que seria impossível conquistar a Terra de Israel, o que deveriam ter dito ao povo? O Rav Yitzchak Arama zt"l (Espanha, 1420 - Itália, 1494), o "Baal HaAkeidá", responde com uma analogia: Um homem enviou seu amigo à alfaiataria para verificar uma roupa que estava à venda. Sua missão era investigar o tecido, a qualidade da costura, as medidas e o preço. O mensageiro cumpriu a tarefa, conferindo todos os detalhes. Porém, ao voltar, não apenas apresentou as informações, mas também acrescentou: "A cor não combina com você e a roupa é muito cara". Neste caso, o mensageiro excedeu sua missão. Ele deveria apenas transmitir os dados coletados, mas acabou dando sua opinião pessoal, que não lhe havia sido pedida. Era o comprador quem deveria decidir se a cor lhe agradava e se podia pagar pelo traje. O Baal HaAkeidá conclui, portanto, que o pecado dos espiões foi ter acrescentado observações pessoais ao relato. Eles deveriam apenas descrever a situação e deixar que Moshé a interpretasse para o povo. Não deveriam ter afirmado que não havia como conquistar a terra. O Rabi Yeshayahu HaLevi Horowitz zt"l (Boêmia, 1555 - Israel, 1630), mais conhecido como Shelá HaKadosh, rejeita essa explicação. Afinal, Moshé havia pedido explicitamente que os espiões trouxessem informações sobre a força dos habitantes e das cidades de Eretz Knaan, algo que envolve um julgamento subjetivo. Não se pode esperar que um mensageiro relate apenas fatos objetivos quando o próprio pedido envolve uma avaliação pessoal! Ele, portanto, propõe outra abordagem: Moshé queria ouvir a opinião dos espiões, mas não baseada apenas em projeções militares. Não era para eles elaborarem um "boletim técnico", apenas baseado nas observações do mundo material. A opinião deles deveria ser fundamentada também na "Hashkafá" (visão de mundo) da Torá, levando em conta também o lado espiritual. Moshé sabia que eles encontrariam cidades fortificadas habitadas por gigantes poderosos, mas o relato correto deveria ter sido: "Sim, eles são fortes e suas cidades são protegidas. Pelos meios naturais, não temos chance. Porém, como D'us nos ordenou entrar na terra, certamente os derrotaremos". A missão deles era apresentar os fatos acompanhados de palavras de encorajamento, fundamentadas em uma Emuná profunda. Deveriam ter lembrado ao povo que, assim como D'us os salvou milagrosamente no Mar Vermelho, Sua Presença anularia qualquer vantagem militar dos Knaanim. O erro dos espiões foi apresentar uma análise fria, técnica e secular, sem levar em conta a perspectiva da Torá. Porém, o Rav Moshé Shmuel Shapiro zt"l (Bielorússia, 1917 - Israel, 2006) questiona a explicação do Shelá HaKadosh. Sua abordagem parece ir contra o princípio de que devemos evitar nos colocarmos em situações de teste. Nem todos conseguem suportar um relato tão negativo apenas porque vem acompanhado de um discurso motivador. Se os espiões dissessem: "Não podemos vencer pelos meios naturais, mas não se preocupem, pois D'us nos ajudará", muitos duvidariam da sensatez de entrar em uma batalha com chances tão baixas de vitória. Por que, então, colocar o povo nesse teste tão difícil? Ele responde que, embora em todas as outras áreas realmente devemos evitar nos colocar em teste, no caso da conquista de Eretz Israel era necessário deixar claro um pré-requisito: não há como conquistar e viver em Eretz Israel de forma puramente natural. Sem a Presença Divina, Eretz Israel não é habitável. Essa lição é expressa claramente quando Moshé declarou que Eretz Israel era "uma terra que Hashem, teu D'us, cuida". Eretz Israel possui uma existência sobrenatural. Moshé sabia que se o povo não entrasse com essa consciência, não permaneceria nela. Por isso, em vez de tentar esconder essa característica única, Moshé enviou os espiões para que constatassem por si mesmos quão "não natural" teria de ser a conquista. Infelizmente, eles não cumpriram adequadamente sua tarefa e apresentaram apenas uma análise técnica, em vez de injetar Emuná no povo. De acordo com o Rav Yssocher Frand shlita, ao longo dos séculos, essa mensagem se manifestou inúmeras vezes. Quando Eretz Israel estava sendo destruída por Nevuchadnetzar e seu exército, D'us ordenou ao profeta Yirmiyahu que comprasse um terreno e guardasse a escritura em um local seguro (Yirmiyahu 32:9-10). Quem compraria terras quando o valor estava despencando e, em poucos anos, não restaria nenhum judeu no país? Depende de qual terra estamos falando. Essa lógica vale para todos os outros países. No mundo "natural", quando os preços caem, não faz sentido investir até que o mercado se recupere. Mas Eretz Israel é diferente. Como foi D'us quem nos prometeu a Terra, ela voltará para nós. Mesmo nos momentos mais sombrios, vale a pena investir em Eretz Israel. Um exemplo marcante disso ocorreu quando o "Raposa do deserto", o general nazista Erwin Rommel, já avançava pelo norte da África em direção a Eretz Israel. O Rav Yossef Shlomo Kahaneman zt"l (Império Russo, 1886 - Israel, 1969), o Ponovicher Rav, contraiu um empréstimo para comprar um terreno em Bnei Brak. Muitos acharam que ele havia perdido o juízo. Que sentido havia em comprar terras prestes a cair nas mãos dos alemães, que certamente exterminariam todos os judeus, como haviam feito na Europa? Se até os britânicos, que administravam o território sob mandato da ONU, já estavam queimando documentos confidenciais, quem em sã consciência compraria terras? O Ponovicher Rav explicou que nem todas as profecias foram registradas no Tanach, apenas aquelas com lições para o futuro. Assim, a ordem de D'us a Yirmiyahu para comprar terras às vésperas da destruição era válida para todas as gerações. Como sabemos, o Rav Kahaneman estava certo. Em uma campanha surpreendente, o marechal britânico Bernard Montgomery derrotou Rommel no litoral norte do Egito, a centenas de quilômetros de Eretz Israel. Os nazistas nunca chegaram lá. Essa lição se repetiu diversas vezes nos últimos cem anos. O fato de Eretz Israel estar novamente habitada por judeus, após quase dois mil anos de exílio, é algo absolutamente milagroso. Não é assim que funciona nos Estados Unidos, na França ou no Brasil. Nenhum outro país possui a promessa de ser "uma terra que Hashem, teu D'us, cuida". Eretz Israel sempre foi, e sempre será, uma terra sobrenatural. Dessa forma ela deveria ser conquistada, e desta forma ela deve ser vivida. E tão sobrenatural quanto a Terra de Israel é o povo que vive nela, que não depende das leis da natureza, e sim das leis de D'us, que sempre nos protegeu e continuará nos protegendo. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |