sexta-feira, 27 de março de 2009

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAYIKRÁ 5769

BS"D

O BURACO É BEM MAIS FUNDO - PARASHÁ VAYIKRÁ 5769 (27 de março de 2009)

"Rogério fazia o primeiro passeio de navio da sua vida. Estava adorando a viagem, pois a vista das praias era maravilhosa e os outros passageiros eram muito divertidos. A única exceção era Jeferson, um rapaz muito esquisito que estava sempre sozinho e muito calado. Havia algo de errado com ele, mas ninguém sabia o que.

Certa noite Rogério voltava para sua cabine, depois de uma grande festa. Passando pela cabine de Jeferson, escutou ruídos estranhos, como se alguém estivesse fazendo furos. Curioso, abriu um pouquinho a porta e viu, para o seu espanto, que Jeferson abria um buraco no chão da sua cabine. O buraco já estava grande, provavelmente ele vinha trabalhando nisso fazia muitos dias.

Desesperado, Rogério foi buscar ajuda. Voltou com mais três amigos, entraram na cabine e, após alguns instantes de luta, dominaram Jeferson e o levaram até o capitão. Jeferson estava enfurecido e gritou:

- Por que vocês não me deixam em paz? Eu estou cansado desta viagem e quero abrir um buraco na minha cabine. O que importa para vocês?

- Claro que importa - explicou Rogério - pois todos nós estamos no mesmo barco, não há como afundar apenas a sua cabine. Se você abre um buraco, você afunda o barco inteiro. Por isso, a partir de agora, pense melhor antes de fazer qualquer besteira".

Assim funciona a vida. Podemos pensar que quando fazemos uma bobagem apenas nós perdemos com isso. Mas temos que saber que, na verdade, cada ato que fazemos influencia todo o mundo, não apenas a nós mesmos.
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Nesta semana começamos o terceiro livro da Torá, Vayikrá. E a Parashá Vayikrá trata principalmente do tema dos Korbanot (sacrifícios) que eram oferecidos no Mishkan (Templo Móvel) e posteriormente no Beit Hamikdash (Templo Sagrado). E assim a Torá introduz as leis dos Korbanot: "O Adam (ser humano), quando oferecer um Korban para D'us..." (Vayikrá 1:2). Mas há algo diferente neste versículo, pois normalmente quando a Torá se refere às pessoas utiliza a linguagem "Ish" e não "Adam". Então por que quando a Torá se refere aos Korbanot utiliza a linguagem "Adam"?

O Midrash (parte da Torá Oral) nos conta que a linguagem "Adam" é um lembrete do erro cometido por Adam Harishon (Adão), e foi utilizada para nos ensinar que toda vez que o ser humano transgredir, como fez Adam Harishon, deve trazer um Korban para que seu erro seja expiado. Mas por que a Torá precisa fazer esta comparação com Adam Harishon? Não seria suficiente apenas ordenar que aquele que transgrediu traga um Korban?

Quando uma pessoa trazia um Korban por um pecado cometido, não era suficiente apenas o ato externo e sem Cavaná (intenção) de trazer um animal para sacrificá-lo no Beit Hamikdash. Dentre as principais partes da Mitzvá estavam a Charatá (arrependimento pelo mau ato cometido) e a Teshuvá (decisão de retornar aos caminhos corretos). E dentro da Charatá a parte mais importante era entender o quanto o seu ato havia sido prejudicial. Quanto mais a pessoa refletisse e entendesse o quanto seu ato foi errado, maior seria a sua força para evitar esta mesma transgressão no futuro.

Muitas vezes o desejo nos faz cometer erros, apesar de sabermos que terão consequências negativas. Mas será que sabemos até onde vai o efeito dos nossos erros? Em relação a Adam Harishon, poderíamos pensar que a consequência do seu erro, ao não escutar um mandamento de D'us, foi apenas para ele mesmo, com a sua imediata expulsão do Gan Éden (Paraíso). Mas nossos sábios ensinam que as consequências são sentidas até os nossos dias. A morte, que originalmente não estava nos planos Divinos, foi decretada sobre Adam e sobre todos os seus descendentes. Também a terra, que produzia frutos em abundância e sem esforço, foi amaldiçoada por causa do erro de Adam, dificultando o sustento dele e de todos os seus descendentes. Em resumo, os dois maiores sofrimentos que afligem a humanidade - o medo da morte e a difícil luta pelo sustento - são consequências diretas do erro de Adam Harishon e nos afligem mesmo passados mais de cinco mil anos. Este é o motivo da linguagem "Adam" em relação aos Korbanot, pois cada um que trazia um Korban deveria colocar no coração as consequências do erro de Adam, para assim conseguir internalizar que o mau ato que havia cometido também era muito mais prejudicial para o mundo todo do que ele havia imaginado.

E isso não se aplica apenas para as épocas em que havia Korbanot. Da mesma forma que as consequências negativas do erro de Adam Harishon recaíram sobre ele e seus descendentes, o mesmo ocorre conosco, cada erro que cometemos tem consequências terríveis, muito além do que podemos enxergar, e devemos levar isso em conta nas nossas considerações, como nos ensinam nossos sábios: "Leve em consideração o que você ganha com uma transgressão e o que você perde" (Pirkei Avót 2:1). Com uma transgressão ganhamos prazeres materiais de pouca duração e intensidade, mas perdemos prazeres espirituais eternos e ainda influenciamos o mundo inteiro para o mau, como diz o livro Messilat Yesharim (Caminho dos Justos) que aquele que faz uma Mitzvá se eleva e eleva junto com ele todo o mundo, mas aquele que faz uma Aveirá (transgressão) se afunda e afunda com ele todo o mundo.

Precisamos também prestar atenção no lado positivo deste ensinamento, pois podemos enxergar o potencial que cada ser humano tem de influenciar todo o mundo com seus atos. Muitas pessoas se sentem deprimidas por acharem que não são importantes, que sua existência não muda nada no mundo. O judaísmo ensina que não tem sentido este sentimento de inferioridade, pois cada pequeno ato de cada ser humano pode influenciar toda a humanidade. Não sabemos onde pode chegar um bom ato, mas sabemos, por exemplo, que os méritos de nossos antepassados nos ajudam e nos protegem até hoje, mais de três mil anos depois. Por isso, ao invés de depressão, é hora de levantar as mangas e começar a construir, com cada pequeno ato, um mundo melhor.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm