Nesta semana lemos a Parashá Ki Tetsê (literalmente "Quando você sair"), que traz uma grande quantidade de Mitzvót, em especial "Bein Adam Lehaveiró", tais como a devolução de objetos perdidos, levantar o animal de outra pessoa que está caído, ter sensibilidade com um devedor e deixar partes da colheita aos necessitados. A Parashá começa com as seguintes palavras: "Quando você sair para a guerra contra o seu inimigo" (Devarim 21:10). Nossos sábios explicam que não se trata apenas de ensinamentos sobre as guerras físicas do povo judeu, mas também é uma preparação para as nossas guerras espirituais, em especial a guerra contra o nosso maior inimigo: o Yester Hará, nossa má inclinação. A Parashá traz dezenas de Mitzvót justamente para nos ensinar que é assim que nos elevamos e nos fortificamos espiritualmente para conseguir vencer nossa má inclinação. Um dos ensinamentos interessantes da nossa Parashá é sobre os povos que não podem entrar no "Kahal de Hashem", isto é, que podem até se converter ao judaísmo, mas não podem se casar com outros judeus, devendo se casar apenas entre si. Alguns povos são proibidos por apenas algumas gerações, enquanto outros são proibidos para sempre, como Amon e Moav. Mas por que justamente com estes dois povos D'us foi tão rigoroso? O versículo descreve que houveram dois motivos: "Por não terem saído ao encontro de vocês com pão e água... e por terem contratado Bilaam contra vocês" (Devarim 23:5). O primeiro motivo é que, após o povo judeu sair do Egito, depois de mais de 200 anos de uma escravidão brutal, os povos de Amon e Moav não nos receberam nem mesmo com pão e água. A Torá não está cobrando que eles não nos serviram iguarias finas. A seriedade da atitude é que nem mesmo alimentos simples e acessíveis, como pão e água, foram oferecidos. O que deixa a situação ainda mais grave é que Amon e Moav são descendentes de Lót, o sobrinho de Avraham Avinu. Aquele mesmo Lót que havia sido sequestrado pelos quatro reis e que foi salvo por Avraham, depois de um incrível ato de Messirut Nefesh (Autossacrifício). A Torá está nos informando que os descendentes de Lót não tiveram a decência de receber os descendentes de Avraham nem mesmo com pão e água, demonstrando que não tiveram nenhum tipo de gratidão e nem misericórdia. O segundo motivo é que, quando o povo judeu estava prestes a entrar na Terra de Israel, Balak, o rei de Moav, sentiu-se ameaçado, pois os judeus haviam derrotado de forma esmagadora os reis Og e Sichon, considerados os maiores guerreiros da época. Sabendo que seria inútil tentar lutar fisicamente contra o povo judeu, Balak contratou Bilaam, o profeta das nações, para amaldiçoar o povo judeu. Isso significa que foi uma tentativa de extermínio do povo todo, matando homens, mulheres, idosos e crianças. Mas esta dupla acusação da Torá contra os povos de Amon e Moav desperta um grande questionamento. Pela forma que a Torá apresenta os dois motivos, parece que eles estão no mesmo nível de gravidade. Obviamente que não fazer bondades é algo deplorável, com o agravante da falta de gratidão. Porém, como é possível colocar no mesmo nível o fato de terem contratado Bilaam para destruir Israel, isto é, a tentativa de assassinato em massa, com a falta de Derech Eretz, de não terem recebido o povo judeu com pão e água? A resposta começa nas palavras dos nossos sábios no Talmud (Sotá 2a): "Todo aquele que vê uma mulher Sotá em sua degradação deve se abster do vinho". A Sotá é uma mulher suspeita de adultério, após ter sido vista por testemunhas estando a sós, em um lugar isolado, com alguém sobre quem o marido já a havia advertido. Rashi explica que foi a embriaguez do vinho que levou a mulher Sotá a cometer atos de indecência. Ela então precisa passar por uma cerimônia degradante para provar sua inocência. O Rav Simcha Zissel Ziv Broida zt"l (Lituânia, 1824 - 1898), mais conhecido como Alter MiKelem, comenta que a linguagem do Talmud "Todo aquele que vê" inclui até mesmo os grandes Tzadikim. Mesmo os maiores Tzadikim, ao presenciar a terrível degradação moral de uma Sotá em sua transgressão, deveriam refletir: "É verdade que eu não sou como essa mulher, mas talvez exista em mim o mesmo potencial de transgressão através do vinho". Por isso, ele deve se abster do vinho. O efeito prejudicial do vinho não é apenas algo teórico. Contaram certa vez ao Alter MiKelem sobre um bêbado caído no chão, em volta do qual crianças se reuniam e atiravam pedras. Mas o estranho é que, enquanto o bêbado estava caído, ele ficava falando palavras de Torá. O Alter investigou e descobriu que aquele homem já havia sido um grande Talmid Chacham. Um dia começou a beber um pouco de uísque, foi se acostumando e, com o tempo, chegou ao estado degradante no qual se encontrava naquele momento. O Alter decidiu imediatamente: "Se o uísque pode levar um homem a tal degradação, então é um destruidor de vidas! De agora em diante, não haverá mais uísque na minha mesa". As grandes transgressões são como o vício da bebida, começam com pequenas doses, pequenos desvios não corrigidos, e por isso devem ser cortados no início, quando ainda temos controle. A verdade é que cada transgressão começa com Midót Raót (traços de caráter ruins). Por exemplo, o Talmud (Shabat 105b) afirma: "Todo aquele que fica enfurecido é como se tivesse praticado idolatria". A pessoa que fica furiosa perde o domínio de si, não aceita a Providência Divina e acaba quebrando limites espirituais, semelhante ao comportamento de um idólatra. Em outro local, o Talmud (Sotá 4b) ensina: "Todo aquele que é orgulhoso nega a existência de D'us, como está escrito: 'O seu coração se elevará, e você esquecerá Hashem, seu D'us' (Devarim 8:14)". E, mais adiante, o Talmud continua e ensina: "Disse o Rabi Yochanan em nome do Rabi Shimon bar Yochai: Todo aquele que tem arrogância, seu pó não será reerguido na ressurreição dos mortos". Isso significa que, se por trás de cada transgressão há um desvio de Midót, então temos que tomar mais cuidado com as Midót do que com as Mitzvót. O Rav Eliahu Lopian zt"l (Polônia, 1876 - Israel, 1970) explica que as transgressões são como alguém que utiliza notas falsas de dinheiro, algo certamente proibido, enquanto as Midót ruins são como uma impressora de dinheiro falso, pois podem "fabricar", de forma quase ilimitada, maus atos. A pessoa age de acordo com as suas Midót. Por isso, ter Midót ruins é ainda pior do que fazer transgressões. Com estes conceitos podemos responder a pergunta sobre as duas falhas de Amon e Moav. O Rav Yaacov Naiman zt"l (Bielorússia, 1909 - EUA, 2009) explica que a Torá quer nos ensinar que quando vemos um assassino desejando exterminar uma nação inteira, devemos saber que ele não chegou a tal abismo espiritual de um instante para o outro. O início de tal ato terrível está enraizado em faltas anteriores de Derech Eretz e civilidade, isto é, uma falha nas Midót. O versículo destaca: "porque não receberam vocês com pão e água". O endurecimento do coração, expresso na recusa em dar pão e água a uma nação que atravessava o deserto, foi o que os levou, pouco a pouco, a chegarem ao terrível nível de não se importar mais com o assassinato de inocentes. A falta de Derech Eretz foi o que os conduziu a transgressões graves e, por isso, é considerado abominável por D'us. Já estamos em Elul, o último mês do ano, nos aproximando de Rosh Hashaná, o Yom HaDin. É o momento de fazermos Cheshbon HaNefesh, isso é, uma introspecção, a retrospectiva de como foi o ano, com nossos acertos e erros. Isso nos ajuda a focarmos em quais pontos devemos fazer Teshuvá. Porém, o Rambam nos ensina que Teshuvá não é apenas nos atos, mas também nas Midót. Precisamos entender o que está por trás dos nossos erros, o que nos leva às transgressões, quais são as Midót que nos desestabilizam e nos fazem cair. Midót ruins, tais como preguiça, desejo e orgulho, são responsáveis por muitas transgressões. Devemos aprender a cuidar dos pequenos detalhes. Pois, no final das contas, são os pequenos detalhes que causam os grandes problemas. SHABAT SHALOM R' Efraim Birbojm |