quinta-feira, 8 de abril de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ SHEMINI 5770

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A CULPA É DOS OUTROS – PARASHÁ SHEMINI 5770 (09 de abril de 2010)

"Um poderoso rei vivia sendo cobrado por seus súditos, que eram muito exigentes e queriam uma cidade perfeita. O rei então quis testar seus súditos para saber se eles eram tão exigentes consigo mesmos como eram com os outros. Colocou uma grande pedra no meio da rua principal e ficou escondido, observando se as pessoas se preocupariam em desobstruir a rua ou passariam como se não tivessem visto a pedra.

Durante todo o dia as pessoas que passavam pela rua viram a grande pedra ali, obstruindo o caminho, mas não fizeram absolutamente nada. Elas sentiam que não era obrigação delas fazer nenhum esforço, pois entendiam que a culpa era do rei. Elas preferiam apenas desviar da pedra e continuar seus caminhos. Muitas pessoas olhavam a pedra e, além de não fazer absolutamente nada, ainda praguejavam o rei, pois achavam que ele não estava se esforçando para manter as ruas limpas. Outros pensavam que havia muitos moradores naquele reinado e, portanto, outra pessoa certamente se esforçaria para retirar a pedra. O resultado foi que, quase no final do dia, a pedra ainda estava ali, no meio do caminho, sem que nenhum morador tivesse se preocupado em retirá-la.

Chegou então um homem que carregava um enorme pacote de vegetais nas costas. Ele viu aquela enorme pedra no meio do caminho, que obrigava todos a se desviarem do caminho. Ele tinha todos os motivos para deixar para que os outros fizessem o serviço, afinal, ele carregava algo realmente pesado nas costas. Ele tinha todas as razões para falar mal do rei e reclamar da sua má administração. Mas ele não fez nada disso, pois ele sentia que se a pedra estava ali, no meio da rua pública, então também era sua obrigação tirá-la dali. Ele calmamente colocou seu pesado fardo no chão e empurrou a pedra com toda a sua força. Após muito esforço ele finalmente conseguiu mover a pedra.

Quando estava colocando de volta seu fardo nas costas, ele viu que havia algo no meio da rua, exatamente no lugar onde anteriormente estava a pedra. Parecia uma sacola, e estava cheia. Abriu a sacola e viu que ela continha centenas de moedas de ouro e um envelope. Era um bilhete escrito e selado pelo próprio rei. O bilhete dizia:

- Todo este ouro pertence ao cidadão que encontrá-lo. Pois é o cidadão que entendeu que, para que nosso reinado seja um lugar realmente melhor, cada um deve receber sobre si a responsabilidade de melhorá-lo, ao invés de colocar a culpa dos problemas nos outros"

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Nesta semana lemos a Parashá Shemini, que descreve um momento único do povo judeu: a inauguração do Mishkan (Templo Móvel). Em cada um dos sete dias iniciais de inauguração Moshé montou o Mishkan inteiro, fez sozinho todo o serviço sagrado e no final desmontou o Mishkan. No oitavo dia (Shemini, em hebraico) Aharon e seus filhos foram consagrados como Cohanim (sacerdotes). Daquele dia em diante apenas os Cohanim estavam aptos a fazer os serviços do Templo. Moshé então comandou Aharon, o Cohen Gadol (Sumo-sacerdote) a fazer todos os serviços, como está escrito: "E Moshé disse: 'É isso que D'us ordenou a vocês. Façam e então a presença de D'us aparecerá para vocês" (Vayikrá 9:6).

A Parashá então descreve todo o serviço realizado por Aharon, entre eles o oferecimento de alguns Korbanót (sacrifícios). E assim a Torá descreve o final do serviço no dia da inauguração: "E então ele (Aharon) desceu após ter realizado as oferendas de pecado, as oferendas de elevação e as oferendas de paz. Moshé e Aharon vieram para a Tenda da Assinação, e eles saíram e eles abençoaram as pessoas. E a presença de D'us apareceu para todo o povo" (Vayikrá 9:22,23). Este versículo é difícil de ser entendido por dois motivos. Primeiro, se os Cohanim já haviam sido consagrados para os serviços do Templo, por que Moshé precisou entrar junto com Aharon? E segundo, por que quando Aharon terminou o serviço do Mishkan a presença de D'us não apareceu imediatamente, conforme Moshé havia dito, tendo aparecido somente depois que Moshé e Aharon entraram juntos no Mishkan, algum tempo após a finalização do serviço?

Uma das características mais comuns do ser humano é se esquivar da culpa. Talvez para proteger nosso ego, constantemente jogamos a culpa dos nossos erros nos outros. Mesmo quando chegam sobre nós sofrimentos, o primeiro impulso é questionar a bondade de D'us, ao invés de questionar os nossos próprios atos e procurar algum motivo para o sofrimento ter recaído sobre nós. E isso é tão frequente que chegamos a pensar que este é o normal e o desejável ao ser humano.

Na Parashá desta semana aprendemos que um dos maiores sinais de grandeza de um ser humano é saber assumir a culpa pelos seus erros e aceitar as consequências. Isso demonstra maturidade e, principalmente, humildade. Foi exatamente o que aconteceu com Aharon HaCohen. Explica Rashi, comentarista da Torá, que quando Aharon terminou o serviço do Mishkan, a presença de D'us realmente deveria ter aparecido imediatamente, mas nada aconteceu. O que qualquer um de nós faria? O natural seria colocar a culpa nos outros, até mesmo em D'us, que não havia cumprido Sua "promessa". Mas não foi o que Aharon fez. Imediatamente ele procurou Moshé e disse: "Moshé, eu sei que D'us está bravo comigo por causa da minha participação na construção do bezerro de ouro. É por minha culpa que a presença de D'us não apareceu no Mishkan". Moshé então entrou no Mishkan junto com Aharon, rezou pela misericórdia de D'us e somente depois disso a presença de D'us apareceu.

Mas Aharon, um grande Tzadik (Justo), realmente havia participado da construção do bezerro de ouro? Explicam nossos sábios que Hur, cunhado de Moshé, tentou impedir os judeus quando eles começaram a construir o bezerro e foi imediatamente assassinado. Aharon entendeu que se ele tentasse impedir, também seria assassinado, aumentando ainda mais a culpa do povo e o conseqüente castigo. Então ele teve a idéia de fingir que estava interessado na construção e tomou sobre si o comando do "projeto". Ele queria ganhar tempo até a volta de Moshé e por isso pediu para o povo trazer suas jóias de ouro, na esperança de que as pessoas se negariam a trazer as suas próprias jóias e o processo demoraria muito tempo. Infelizmente o povo estava tão obstinado na construção do bezerro de ouro que todos trouxeram rapidamente o seu ouro e o bezerro acabou realmente sendo construído, o que foi considerado, em certo nível, responsabilidade de Aharon, apesar de suas boas intenções.

Porém, já que a participação de Aharon na construção do bezerro de ouro foi algo tão secundário, ao contrário da maioria do povo, que realmente doou seu ouro e construiu o bezerro com alegria e entusiasmo, por que ele recebeu sobre si a culpa da presença de D'us não ter vindo para o Mishkan? Por que ele não atribuiu o insucesso ao resto do povo, ficando com sua consciência limpa e tranquila?

Isso nos ensina quem são os grandes do nosso povo, que devem ser os nossos modelos de conduta em todos os tempos. Eles nos ensinam o que D'us realmente quer de nós e nos mostram que temos um grande potencial adormecido dentro de nós que, com muito esforço e dedicação, pode ser alcançado. Aharon nos ensinou que quando chega sobre nós algum tipo de sofrimento ou dificuldade, ao invés de procurar o que o outro está fazendo de errado, tempos que antes de tudo procurar o que nós mesmos estamos fazendo de errado. E este conceito não deve ser aplicado somente nos pequenos acontecimentos. Mesmo em grandes tragédias cada um de nós deve se sentir culpado pelas coisas que estão acontecendo no mundo. Explica o livro Messilat Yesharim (Caminho dos Justos) que quando o homem se eleva espiritualmente, o mundo inteiro se eleva junto com ele, mas quando o homem se corrompe, o mundo também se corrompe. D'us criou uma natureza perfeita e harmônica, mas quando o ser humano não se comporta dentro dos limites que D'us impôs, então a natureza também avança sobre seus limites e as catástrofes acontecem.

Estamos em um momento óbvio de "descontentamento" de D'us. Nos últimos meses o número de catástrofes "naturais" que ocorreram no mundo foi impressionante. Terremotos devastaram o Haiti e castigaram duramente o Chile. Chuvas em intensidades nunca antes registradas alagaram São Paulo e Rio de Janeiro, causando centenas de vítimas e muita destruição. Tempestades de neve e ondas de calor castigaram diferentes lugares do globo. Tsunamis, que até poucos anos atrás eram palavras encontradas somente nos dicionários, se tornaram constantes. Será tudo coincidência? Especialistas sempre trazem explicações naturais para estes fenômenos. Por que tanto interesse em procurar respostas naturais? Pois é mais fácil procurar culpados na natureza ou limpar a consciência culpando o aquecimento global do que procurar a culpa em cada um de nós. As pessoas grandes não fazem isso, elas não procuram culpados fora. Elas param para refletir quando escutam sobre alguma tragédia e procuram as causas nos seus próprios atos.

Esta é a decisão que temos que tomar em nossas vidas: viver uma vida de ilusão, onde só os outros são culpados de todos os problemas e nós somos sempre os injustiçados, ou viver na realidade de que nós também cometemos erros e muitos dos sofrimentos que chegam até nós são consequências diretas dos nossos próprios erros.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 2 de abril de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PESSACH II 5770

BS"D

PRIORIDADES CONFUSAS - PESSACH II 5770 (02 de abril de 2010)

"Há alguns anos um terrível atentado atingiu Jerusalém, deixando muitos mortos e feridos. O país inteiro ficou em estado de choque. Equipes de resgate, homens da Hatzalá (entidade de judeus religiosos que ajuda voluntariamente em acidentes e atentados) e membros do Chevra Kadisha (entidade judaica que cuida dos mortos) correram para o local do atentado. A televisão israelense cobriu todos os detalhes do atentado e transmitiu ao vivo, para todo o país, imagens que fizeram doer o coração de cada judeu.

Porém, toda a cobertura do atentado foi feito somente em metade da tela. Na outra metade estava sendo transmitida uma importante partida de futebol de um time israelense que jogava naquele momento..."

É incrível como o ser humano pode chegar a níveis inacreditáveis de insensibilidade. Como ensinam nossos sábios, o mundo material é como uma escada rolante que desce. Se não estamos subindo, automaticamente estamos descendo espiritualmente. (História Real)

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Nesta semana o Shabat coincide com a festa de Pessach, também conhecida como "Zman Cheruteinu" (o tempo da nossa liberdade). E é tão forte a liberdade que revivemos em Pessach que a Hagadá chega a afirmar que "se D'us não tivesse tirado nossos antepassados do Egito, nós, nossos filhos e os filhos dos nossos filhos ainda estaríamos subjugados ao Faraó no Egito". Mas é difícil entender esta afirmação da Hagadá. Mais de três mil anos já se passaram desde que o povo judeu foi libertado do Egito. Uma das bases do judaísmo é saber que D'us tem poderes ilimitados, que Ele tem controle sobre todo o universo e nada acontece sem o Seu comando. Mesmo que D'us não tivesse tirado o povo judeu naquele momento, poderia ter feito em qualquer outra oportunidade no decorrer da história!

A resposta desta pergunta pode ser encontrada nos 4 filhos descritos na Hagadá: o "Chacham" (sábio), o "Rashá" (malvado), o "Tam" (ingênuo) e o "Sheeinu iodeia lishol" (o que não sabe perguntar). Sobre estes 4 filhos temos algumas perguntas: Qual a explicação mais profunda desta passagem da Hagadá, que parece apenas algo para ser lido pelas crianças? Além disso, por que o primeiro filho é o "sábio" e não o "bondoso", já que o contrário de Rashá (malvado) é bondoso e não sábio? E finalmente, onde está o 5º filho?

Ensinam os nossos sábios que os 4 filhos da Hagadá representam o ciclo da assimilação do povo judeu. O povo judeu sempre esteve repleto de pessoas sábias, conectadas com a Torá e com as Mitzvót. Porém, durante nossa história sempre vieram gerações que, apesar de conhecerem a Torá e as Mitzvót, preferiram abandonar todos os ensinamentos que recebemos de D'us. A Hagadá chama o primeiro filho de "sábio" e não de "bondoso" para nos ensinar que o segundo filho também é um sábio. Mas ele utilizou sua sabedoria para o mal, ele se desviou do caminho por vontade e não por falta de conhecimento. Vem uma terceira geração que já é inocente, mantém uma identidade judaica mas praticamente não tem mais conhecimentos de Torá e Mitzvót. E finalmente vem uma quarta geração já completamente alienada, sem conhecimentos e sem identidade judaica. Onde está o 5º filho? Ele já está tão assimilado e afastado que não vem mais ao Seder de Pessach.

Foi isso o que aconteceu no Egito. Quando Yaacov foi obrigado a ir ao Egito por causa de uma grande fome que assolou o mundo, antes de tudo ele mandou um de seus filhos para estabelecer centros de estudo de Torá. Ele se preocupou com a espiritualidade dos seus descendentes. Por ser pai de Yossef, o vice-rei do Egito, Yaacov poderia ter vivido com luxo no palácio do Faraó, mas preferiu viver uma vida simples em uma cidade chamada Goshen, isolado dos egípcios, pois sabia que o povo judeu poderia ser muito influenciado pelos péssimos hábitos egípcios, que eram conhecidos pela idolatria e promiscuidade. Mas quando Yaacov e seus filhos morreram, o povo judeu quis se assimilar, mesmo sabendo dos riscos espirituais que corriam. Abandonaram seus bons costumes e começaram a viver o estilo de vida egípcio. Após poucas gerações o povo judeu estava completamente assimilado.

Para manter nosso livre arbítrio, D'us criou duas forças opostas, a pureza e a impureza espiritual. A decadência do povo judeu foi tão grande que, de 50 níveis de impureza possíveis, o povo judeu estava no nível 49. Apesar de D'us ter dito para Avraham que seus descendentes seriam escravos por 400 anos, após 210 anos D'us teve que tirar o povo judeu às pressas. A Matzá, a massa que não teve tempo de fermentar, representa que o povo judeu não poderia ter permanecido no Egito nem mesmo por mais um minuto. Se os judeus chegassem ao nível 50 de impureza espiritual perderiam o mérito para serem salvos, pois se tornariam egípcios e ficariam no Egito para sempre. A prova disso é que, apesar de todos os milagres que D'us fez no Egito diante de todo o povo judeu, apenas um quinto do povo saiu, o restante estava tão assimilado que preferiu ficar.

Ensina Shlomo Hamelech (Rei Salomão), o mais sábio de todos os homens, que não há nenhuma novidade sob o sol, isto é, a história da humanidade se repete em ciclos. Se pararmos para refletir um pouco, as 4 gerações descritas na Hagadá também estão se repetindo conosco. Nossos bisavós eram pessoas que viviam de acordo com a Halachá (lei judaica), vivenciavam as festas judaicas e cumpriam as Mitzvót. Nossos avós, apesar de terem recebido uma boa educação judaica, acabaram abandonando a prática da maioria das Mitzvót durante um forte movimento de assimilação e "reforma" do judaísmo. Nossos pais já não tiveram tanto acesso aos conhecimentos judaicos, mas mantiveram sempre o ideal de ter uma família judia. Nossa geração, a juventude de hoje, já não tem muito interesse em nada. Não temos nenhum conhecimento, não temos mais nenhum ideal. O judaísmo, para a maioria dos jovens judeus, é coisa do passado, deveria estar no museu. Onde estarão os nossos filhos? Nossos filhos virão ao Seder de Pessach? Nossos filhos serão judeus? Seremos os responsáveis pelo povo judeu ficar escravo no Egito para sempre?

Uma outra forma de explicar onde está o 5º filho é entender que ele voltou a ser o 1º filho, o Chacham (sábio). É o que está acontecendo com jovens judeus em todo o mundo. Jovens que voltaram a se interessar pelo legado milenar, pela sabedoria da Torá que recebemos no monte Sinai, diretamente de D'us. Jovens que fazem parte de um crescente movimento de Teshuvá (retorno ao judaísmo). Jovens que querem garantir que seus filhos e seus netos estarão sentados com eles no Seder de Pessach, nas rezas de Rosh Hashaná e Yom Kipur e na mesa de Shabat. Jovens que escolheram lutar para manter a chama do judaísmo acesa.

Em Pessach comemoramos o nascimento do povo judeu. Que neste Pessach possamos começar a comemorar o renascimento do povo judeu. O futuro do judaísmo está em nossas mãos.

SHABAT SHALOM e PESSACH KASHER VE SAMEACH (Um Pessach Kasher e alegre)

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 26 de março de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ TZAV E PESSACH 5770

BS"D

MUITO OBRIGADO - PARASHÁ TZAV e PESSACH 5770 (26 de março de 2010)

"Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, em 1945, a Europa estava devastada. Os judeus haviam sido dizimados e os poucos sobreviventes tinham perdido literalmente tudo. Era o caso de um jovem rapaz polonês que havia perdido toda a sua família, seu dinheiro e até mesmo a sua saúde. Estava completamente abandonado em uma enfermaria que cuidava de feridos de guerra. Seu tio, um milionário que morava nos Estados Unidos, fez um gigantesco esforço para encontrar o rapaz. Levou-o para viver nos Estados Unidos com sua família e pagou os melhores médicos e os mais caros remédios até que ele ficou completamente curado.

Como o rapaz tinha pouco estudo, seu tio pagou também os melhores professores particulares para o prepararem para a universidade. Comprou-lhe roupas novas, servia-lhe apenas as melhores comidas e bebidas. O rapaz começou a se desenvolver e entrou em uma excelente universidade. Lá conheceu uma boa moça, terminou como um dos melhores alunos de sua turma e conseguiu um bom emprego. Após algum tempo decidiu que era hora de casar e construir sua própria família. Novamente seu tio o ajudou, pagando todo o casamento e ajudando-o em cada pequeno detalhe. Um dia antes do casamento, o jovem olhou para o tio, apertou-lhe a mão e disse:

- Tio, obrigado por tudo o que você fez por mim.

O tio ficou furioso. Agarrando-o pela gola da camisa, ele falou:

- Eu te salvei da morte, cuidei da sua saúde, te dei as melhores roupas e comidas, cuidei dos seus estudos e do seu casamento e tudo o que você me diz é "obrigado por tudo"? É assim que você demonstra todo o seu agradecimento?"

Assim nos comportamos com D'us, que nos dá tudo: vida, comida, roupas, saúde, inteligência. E na maioria das vezes, quando nos lembramos de agradecer, dizemos apenas "muito obrigado".

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O Shabat desta semana é conhecido como "Shabat Hagadol", o último Shabat antes da festa de Pessach, que começa na noite da próxima segunda-feira (29 de março de 2010). Lemos a Parashá Tzav, que continua descrevendo alguns dos serviços realizados no Mishkan, entre eles os Korbanót (sacrifícios). Um Korban em especial que nos chama a atenção é o "Korban Todá" (Sacrifício de agradecimento), que era oferecido por qualquer pessoa que havia passado por um grande perigo e havia escapado com vida. Nossos sábios explicam que havia quatro casos em que a pessoa tinha que trazer o Korban Todá: ao ser libertado da prisão, após se curar de uma doença grave, após atravessar o oceano e após atravessar o deserto. Atualmente, quando não temos mais o nosso Beit-Hamikdash (Templo Sagrado), o Korban foi substituído pelo Birkat Hagomel, uma Brachá (Benção) pronunciada em público após passar por um dos quatro perigos mencionados anteriormente, em um agradecimento a D'us pela bondade de nos ter salvo.

O Korban Todá está muito relacionado com a festa de Pessach, pois a essência de Pessach é o reconhecimento e o agradecimento a D'us por todas as bondades que Ele fez conosco durante a época em que éramos escravos no Egito e fomos retirados de lá com Mão forte e Braço estendido. Grande parte da Hagadá que lemos no Seder de Pessach é composta de louvores e agradecimentos a D'us. E um dos momentos especiais de agradecimento é quando lemos o "Daienu" (Nos bastaria). Apesar de "Daienu" parecer uma divertida canção de crianças, ela nos ensina uma importante e profunda lição para nossas vidas. Uma lição de como deve ser o nosso agradecimento pelas bondades que recebemos dos outros.

Umas das maiores virtudes de um ser humano é saber ter "Acarat Hatóv" (reconhecer as bondades que recebe dos outros). Mas Acarat Hatóv não é apenas dizer "muito obrigado", é refletir sobre todo o esforço que foi investido para que a bondade chegasse até nós. Por exemplo, quando somos convidados a jantar em uma casa, ao sair nós agradecemos pela comida. Mas precisamos lembrar quantas bondades estão por trás daquele prato de comida. Para a comida estar pronta na mesa foi necessário alguém sair para comprar os ingredientes, lavá-los, prepará-los, cozinhá-los e arrumar toda a mesa. Quando o prato de comida está sendo servido, é apenas o último estágio de uma série de bondades anteriores. Passamos às vezes uma vida inteira casados sem nos dar conta de quanto esforço nossas esposas fizeram para que a janta esteja servida na mesa na hora em que voltamos do trabalho.

É isso o que o "Daienu" nos ensina. O "Daienu" é composto de 14 "estágios" de agradecimento. Expressamos que se D'us tivesse feito bem menos por nós, mesmo assim estaríamos agradecidos, mas Ele fez mais e mais, superando nossas expectativas. Ele poderia apenas nos ter tirado do Egito, mas fez ainda mais e castigou os egípcios que nos fizeram mal. Ele poderia ter apenas nos libertado fisicamente, mas fez ainda mais e nos libertou espiritualmente, nos entregando a Torá. Ele poderia ter nos deixado no deserto, mas fez ainda mais e nos trouxe para a Terra de Israel. Quando olhamos todos os "estágios" de bondades que D'us fez conosco, fica óbvio que não é suficiente apenas um "muito obrigado".

A palavra "Todá" (agradecimento) vem de "Lehodót", que significa tanto "agradecer" quanto "reconhecer". Apenas podemos agradecer de verdade quando reconhecemos o que recebemos de bom. Se uma pessoa nos dá um relógio Rolex e pensamos que é falsificado, falaremos apenas um "obrigado". Apenas quando reconhecermos o verdadeiro valor do relógio é que nosso agradecimento será sincero.

Precisamos aplicar este ensinamento em nossas vidas. Um exemplo trazido pelo Rabino Simcha Cohen em seu livro "Tikshoret" é quando uma pessoa faz uma festa e convida muitas pessoas. Como há muitos convidados, o dono da festa muitas vezes deixa de dar uma atenção especial a alguns dos convidados. Quantas vezes fazemos uma festa e no meio de uma animada conversa com um dos convidados chega outra pessoa que nos interrompe? Como não queremos parar a conversa no meio, damos apenas um rápido "oi" e logo voltamos à conversa anterior. Talvez aquele convidado tenha feito um gigantesco esforço para poder estar na festa e não soubemos dar valor. Ele precisou deixar seus filhos sozinhos com uma baby-sitter contratada, ficou muito tempo no trânsito e pagou um alto valor para estacionar o carro. E quando a pessoa chega, após todo este esforço, é literalmente ignorada pelo dono da festa. Isto acontece apenas porque não paramos para refletir e entender os esforços que estão atrás de cada bondade que recebemos. Recebemos as bondades e achamos tudo normal e óbvio.

Ensinam os nossos sábios que se não reconhecemos o bem recebido das pessoas mais próximas, certamente nunca chegaremos a reconhecer as bondades que D'us faz conosco. Por que? Pois D'us nos faz bondades o tempo inteiro, sem interrupção. O simples fato de estarmos respirando é um ato de grande bondade de D'us. Poder abrir os olhos de manhã e enxergar é uma bondade sem tamanho. Até mesmo ir ao banheiro e verificar que o corpo está funcionando como uma máquina perfeita é uma grande bondade. Porém, se não nos acostumamos a parar e refletir, as bondades se banalizam e não conseguimos mais reconhecê-las.

Voltando à Hagadá, observamos que após o "Daienu" repetimos novamente todos os 14 "estágios" resumidamente em um único parágrafo. Por que? Para ver o quadro completo, todas as bondades juntas pronunciadas de uma só vez. Para aprendermos a dar valor a tudo o que recebemos dos outros. Para aprendermos a enxergar sempre o quadro completo. Para deixarmos de receber bondades sem perceber o esforço que está por trás delas. Somente assim poderemos um dia chegar a reconhecer e agradecer as bondades que recebemos constantemente de D'us.

SHABAT SHALOM e PESSACH KASHER VE SAMEACH (Um Pessach Kasher e alegre)

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 19 de março de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAYIKRÁ 5770

BS"D
ESCRAVOS OU HOMENS LIVRES? - PARASHÁ VAYIKRÁ 5770 (19 de março de 2010)
"O dia estava muito frio e chuvoso e tudo o que Fernando queria era um pouquinho de calor. Ele estava passando por uma fábrica e sentiu um calor gostoso vindo lá de dentro. Curioso, ele entrou para verificar e viu um grande tanque com um líquido escuro. Colocou a mão lá dentro e estava deliciosamente quente. Será que alguém se incomodaria se ele desse apenas um mergulho para se esquentar?

Fernando olhou para os lados e, ao perceber que ninguém olhava, aproveitou para dar um rápido mergulho no tanque. A sensação foi incrível, aquele calor o encheu de satisfação. Fernando já não pensava mais em um mergulho rápido, queria ficar ali por muito tempo, relaxando.

Quase uma hora se passou e Fernando começou a sentir que o líquido já não estava mais tão quente. Certamente o aquecimento havia sido desligado e, portanto, era hora de sair. Mas para sua surpresa ele não conseguia mais se mover. O líquido havia se transformado em algo espesso, seu corpo estava grudado e ele não conseguia sair. Gritou por socorro e logo vários homens chegaram para ajudar. Quando viram a situação patética, começaram a rir, se divertindo muito às custas de Fernando.
Irritado, Fernando tentava se soltar, mas sentia que cada vez ficava mais preso naquela substância escura. Olhando para a porta da fábrica, ele viu uma placa e entendeu tudo o que estava acontecendo. Na placa estava escrito "Fábrica de piche"."

Assim funciona também com as pessoas que correm atrás de todos os seus desejos. Quando sua má inclinação os convence a transgredir, no começo a pessoa pensa que é livre e que os prazeres da transgressão são doces. Mas sem perceber acabam se tornando escravos dos seus prazeres.

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Nesta semana começamos o terceiro livro da Torá, Vayikrá. E na Parashá desta semana, Vayikrá, a Torá nos ensina algumas leis referentes aos Korbanot (sacrifícios) que eram oferecidos no Mishkan (Templo Móvel) e posteriormente no Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Se observarmos a primeira palavra desta Parashá, "Vayikrá", nos chama a atenção o fato da última letra, um Alef, ser escrita menor do que as outras letras. Todas as vezes em que uma letra está escrita menor do que as outras é para nos ensinar algo. O que esta alteração vem nos ensinar na nossa Parashá?

A palavra "Vayikrá" significa "e chamou" e foi utilizada quando D'us, após a conclusão da construção do Mishkan, chamou Moshé para que ele entrasse no Templo e iniciasse os serviços. Mas explicam nossos sábios que quando Moshé estava escrevendo a Torá, ditada diretamente por D'us, ele queria escrever "Vaykar" ao invés de "Vayikrá", isto é, sem o Alef no final, pois era assim que D'us chamava os profetas dos outros povos, como Bilaam. Qual a diferença? A palavra "Vaykar" vem da raiz "Mikrê", que significa "acaso". Para Bilaam D'us aparecia apenas casualmente, não era um relacionamento de amor. Moshé, em sua gigantesca humildade, não queria que estivesse escrito na Torá que seu relacionamento com D'us era algo especial e não apenas casual e por isso não quis escrever o Alef. Mesmo quando D'us ordenou que ele escrevesse, Moshé acatou a ordem de D'us, mas escreveu o Alef pequeno para não chamar a atenção. E a Torá atesta sobre a humildade de Moshé: "E o homem Moshé era muito humilde, mais do que todos os homens que estavam sobre a Terra". Portanto a Parashá começa com uma grande lição de humildade. Mesmo que Moshé era alguém muito especial, mesmo que ele tinha um relacionamento com D'us diferente das outras pessoas, ele não se sentia melhor do que ninguém e tratava a todos com respeito e carinho. Mas qual a relação entre a humildade de Moshé, os Korbanot que eram oferecidos e a festa de Pessach, para a qual já estamos nos preparando?

Explica o Rabeinu Iona, em seu livro "Shaarei Teshuvá", que o orgulho é uma das piores características do ser humano, a ponto de torná-lo desprezível aos olhos de D'us. O Criador se afasta dos orgulhosos, deixando-os entregues ao seu Yetzer Hará (mau instinto) e às transgressões. Portanto o orgulho é um dos principais motivos que levam a pessoa a cometer transgressões graves na vida, como ensina o Pirkei Avót: "A inveja, a busca pelos desejos e o orgulho tiram o homem do mundo". O invejoso, sem a proteção Divina, acaba se afundando em uma busca incessante de prazeres, passando todos os limites.

Explica o Ramban (Nachmânides) que quando uma pessoa cometia um pecado ela precisava oferecer um Korban para expiar seu erro. No momento da Shechitá (abate), a pessoa precisava colocar as mãos sobre o Korban que estava sendo sacrificado e sentia, ao ver o sangue do animal sendo derramado, que era o seu próprio sangue que deveria estar sendo derramado por causa de suas transgressões. D'us, em sua infinita bondade, permitia que a pessoa poupasse sua vida através do sacrifício do animal. A principal motivação dos Korbanot era que a pessoa refletisse sobre isso, "quebrasse" seu coração, se arrependesse dos erros cometidos e recebesse sobre si não voltar a errar. Esse arrependimento vinha junto com uma submissão ao Criador, que ajudava a pessoa a trabalhar seu orgulho, a verdadeira causa de suas transgressões.

E esta também é justamente uma das principais mensagens da festa de Pessach. Em Pessach nos livramos de todo o nosso Chametz (farinha fermentada), não deixamos nem mesmo migalhas em nossas casas. Por que esta rigorosidade maior do que a observada em outros tipos de alimentos proibidos? Pois o fermento representa o nosso Yetzer Hará e devemos retirá-lo completamente dos nossos corações até que não sobre nada. Apesar de ter os mesmos ingredientes da Matzá (farinha e água), o Chametz, em seu processo de fermentação, cresce e incha. Assim são as pessoas orgulhosas: apesar de serem exatamente iguais a qualquer outra pessoa em sua essência, elas se consideram superiores e desprezam os outros. Porém, após alguns poucos dias, qualquer coisa fermentada começa a apodrecer. Assim acontece com a pessoa que se deixa levar pelo orgulho, seu coração começa a "apodrecer", ela se deixa levar pelos desejos e o mal toma conta dela.

Por outro lado a Matzá representa o nosso Yetzer Hatov (bom instinto). Ela não fermenta e não se incha, permanecendo plana, como a pessoa humilde que vive de maneira recatada e sem buscar honras e reconhecimentos públicos. A Matzá dura muito mais tempo, mantendo por períodos muito mais longos o seu gosto e o seu frescor, como o humilde, que recebe uma proteção especial de D'us, consegue evitar as transgressões e não se deixa dominar por seus desejos.

Pessach, como os Korbanot, é um trabalho de submissão à D'us, de quebra do nosso orgulho. A liberdade não significa fazer tudo o que temos vontade e no momento em que temos vontade, isto é na verdade uma escravidão. Aqueles que deixam suas vidas serem guiadas pelos desejos se comportam como um cavaleiro que deixa seu cavalo decidir por quais caminhos ele quer seguir. Não é óbvio que desta maneira o cavaleiro nunca chegará ao seu destino? Liberdade é saber dizer não aos nossos instintos, às nossas vontades. A liberdade verdadeira é podermos viver cumprindo as Mitzvót, que vão moldando nosso caráter, nos salvando do orgulho e da busca pelos desejos.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

sexta-feira, 12 de março de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHIOT VAYAKEL E PEKUDEI 5770

BS"D

NOVAS APTIDÕES - PARASHIOT VAYAKEL E PEKUDEI 5770 (12 de março de 2010)

O Sr. Dovid Dryan, um judeu muito humilde e simples, era um Shochet (pessoa que faz o abate Kasher de animais) conhecido por todos pelo seu temor a D'us e extremo cuidado com a fala, evitando a todo custo pronunciar Lashon Hará (falar mal de outras pessoas). Em certa fase de sua vida o Sr. Dovid precisou mudar-se para uma cidade inglesa chamada Gateshead. Chegando lá ele descobriu que naquela cidade não havia nenhuma Yeshivá. Ele pensou consigo mesmo:

- Como posso viver em um lugar onde não há uma única Yeshivá?

Talvez muitos de nós também pensaria a mesma coisa nesta situação. Mas que atitude tomaríamos? Nenhuma. Já o Sr. Dovid decidiu não ficar apenas na pergunta, ele agiu. Ele dedicou muito tempo e esforço para realizar uma tarefa aparentemente impossível em face das consideráveis dificuldades. Ele assumiu muitas tarefas que não estavam dentro das áreas de suas competências, incluindo a captação e a administração de fundos para a Yeshivá, atividades que ele não tinha o mínimo conhecimento e experiência.

Com seu esforço incansável o Sr. Dovid conseguiu fundar e administrar por muitos anos a Yeshivá Gateshead. Desempenhou também um papel significativo na formação do Kolel Gateshead
(centro de estudos de Torá para homens casados) e de um Seminário de estudos judaicos para mulheres. Certamente sua dedicação sem limites é um dos grandes responsáveis pelo fato da Yeshivá Gateshead ser atualmente reconhecida como o maior centro Torá da Europa, através do qual milhares de rapazes e moças recebem um elevado nível de educação de Torá.

O Sr. Dovid Dryan poderia ter decidido que sua função no mundo era apenas ser um simples Shochet, sem precisar se envolver em projetos difíceis. Ele poderia assumir que desta maneira estava cumprindo todas as suas responsabilidades com a comunidade e com D'us. Mas em vez disso ele motivou-se a fazer o que era necessário e D'us ajudou-o a ter sucesso. (História Real)

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Nesta semana lemos duas Parashiot juntas, Vayakel e Pekudei, que tratam basicamente do mesmo assunto: as atividades de construção do Mishkan (Templo Móvel) de acordo com todos os ensinamentos de D'us. No meio da descrição das atividades de construção do Mishkan a Torá diz: "E veio todo homem cujo coração o inspirou..." (Shemot 35:21). Mas foi esta a qualificação necessária para as pessoas que construíram o Mishkan? Não era necessário provar nenhum tipo de habilidade? Apesar da Torá descrever detalhes construtivos difíceis de serem executados, o necessário foi apenas um coração inspirado?

O Ramban (Nachmânides) escreve que o Mishkan envolvia vários trabalhos de tecelagem, costura e construção, que exigiam pessoas muito habilidosas e experientes. Mas os judeus eram aparentemente desqualificados para estes tipos de trabalho, pois durante os dois séculos de escravidão no Egito eles haviam realizado apenas tarefas grosseiras de construção. Onde é que estas pessoas haviam aprendido a executar trabalhos finos tão difíceis? Explica o Ramban que realmente ninguém tinha nenhuma experiência nem conhecimento nestas áreas, mas as pessoas encontraram no fundo de suas almas a capacidade de fazer estes trabalhos. Essa força oculta veio à tona como consequência do profundo desejo de cumprir a vontade de D'us. Como resultado do desejo ardente de cada judeu que se voluntariou para construir o Mishkan, D'us deu-lhes a capacidade de fazer coisas que nunca haviam aprendido na vida.

Há um princípio muito conhecido de que D'us dá para cada um de nós um conjunto único de ferramentas com as quais podemos chegar ao nosso máximo potencial. Mas este conceito é muitas vezes mal aplicado no nosso crescimento espiritual. À medida que crescemos naturalmente ficamos cientes dos nossos pontos fortes e fracos e temos a tendência de limitar nossas atividades apenas dentro de áreas de atuação dos nossos pontos fortes, ignorando os campos em que somos menos aptos. Por exemplo, uma pessoa pode sentir que ela desempenha bem a função de falar na frente de pequenos grupos, mas que não pode falar diante de grandes audiências. Assim, mesmo quando existir a necessidade de alguém para falar em tal situação, ela vai fugir da responsabilidade porque se rotulou como alguém incapaz de falar na frente de muitas pessoas. Aprendemos com a Parashá desta semana que esta é uma atitude errada. As pessoas que se apresentaram para trabalhar no Mishkan não tinham consciência do quanto eram capazes de realizar. No entanto, como resultado da sua vontade de cumprir a vontade de D'us, descobriram talentos até então inexplorados.

Assim também acontece em nossas próprias vidas, muitas vezes nos limitamos por acharmos que não temos capacidade de ir mais longe. Às vezes surge a necessidade de que uma determinada tarefa espiritual seja executada e nos esquivamos por sentir que somos incapazes de realizá-la. Mas nos ensina o Pirkei Avót (Ética dos patriarcas): "Em um lugar onde não há homens, se esforce para ser um homem", isto é, se não há pessoas aptas a realizarem certa tarefa, devemos tomar sobre nós a responsabilidade de fazê-la. Não está escrito no Pirkei Avót que devemos nos levantar para fazer o que ninguém está fazendo apenas em uma área onde nos sentimos altamente capazes. Pelo contrário, a única coisa que devemos analisar é se existe alguém que pode realizar as tarefas necessárias para cumprir a vontade de D'us. Se não há, então é certo que se nos esforçarmos então D'us revelará em nós talentos ocultos.

Muitas vezes o fracasso inicial nos faz desistir. Mas mesmo pessoas que no passado já se esforçaram em certas áreas e não tiveram sucesso não estão isentas das responsabilidades nestas áreas. O rabino Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, nos dá um exemplo prático deste conceito. Ele nos ensina a medir nossas forças observando o quanto estamos dispostos a nos esforçar quando o que está em jogo são os nossos próprios interesses. Por exemplo, se um negócio não está indo bem, uma pessoa não vai simplesmente desistir, antes ela sempre pensa em como pode melhorar a situação. Ela procura o conselho de outros homens de negócio, tenta outras alternativas, investe de maneiras diferentes e, eventualmente, muitas vezes acaba sendo bem sucedida após algumas tentativas.

Ensina o Chafetz Chaim que se cumprir a vontade de D'us tivesse o mesmo valor para uma pessoa do que os seus próprios assuntos pessoais, ela procuraria aconselhamento e estratégias de como se desenvolver espiritualmente e com certeza D'us a ajudaria a encontrar formas de ter sucesso. No entanto, não o fazemos desta maneira. Quando vemos que nosso crescimento espiritual é difícil, que não há nenhuma maneira de crescermos imediatamente, muitas vezes desistimos com a sensação de que estamos isentos de qualquer esforço futuro. A verdade é que se estivéssemos dispostos a aplicar o mesmo esforço que utilizamos nos nossos interesses financeiros no nosso crescimento espiritual, poderíamos então superar nossos limites.

As pessoas que elevaram seus corações para cumprir a vontade de D'us descobriram forças que eles nunca poderiam imaginar que possuíam. Nós também temos a habilidade de quebrar nossos limites e conseguir o aparentemente impossível. Basta ter o senso de responsabilidade e, acima de tudo, querer.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 5 de março de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ KI TISSÁ 5770

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TUDO PELA METADE - PARASHÁ KI TISSÁ 5770 (05 de março de 2010)

Jaime era um garoto que nasceu e cresceu na cidade grande sem nunca ter conhecido o campo. Comprava todos os dias pães na padaria mas não tinha a mínima idéia de todos os processos necessários para fazê-los. Imaginava que, como as maças e as peras, os pães também já nasciam prontos e eram colhidos das árvores.

Certa vez seus pais tiveram que se mudar para uma pequena fazenda. Iriam passar algum tempo lá e seria uma grande oportunidade para Jaime aprender coisas novas. Se tornaram vizinhos de um agricultor com extensos campos de cultivo. Nos primeiros dias Jaime viu o vizinho dirigindo um trator e abrindo sulcos na terra. Parecia ser algo interessante, mas para que serviam aqueles buracos todos? No dia seguinte ele estranhou ver o agricultor atirando nos sulcos alguns feixes de trigo. Por que ele estragava tanto trigo assim? E para o seu desespero ele viu novamente o trator passar pelo campo, enterrando de vez aquele trigo. Jaime ficou um pouco chateado, sem entender as atitudes daquele agricultor. Parecia um grande tolo!

Passados alguns dias ele foi novamente até o campo e viu que começavam a brotar algumas plantas. Que cena maravilhosa, o campo inteiro estava começando a florir. Ele pensou que aquilo era um grande jardim, plantado para enfeitar a fazenda vizinha. As plantas foram crescendo e viraram belos feixes de trigo. Jaime todos os dias acordava e ia ver o maravilhoso campo de trigo.

Mas uma surpresa o esperava. Certa manhã o agricultor levantou cedo e, junto com muitos funcionários munidos de foice, começou a cortar todos os feixes de trigo. Jaime se desesperou. Por que aquele homem malvado estragava o lindo jardim que havia plantado? Por que ele destruía o que havia trabalhado tanto para plantar? No final do dia já não havia mais nenhum feixe de trigo plantado, havia sido tudo cortado e atirado no chão. Para piorar, aquele homem malvado ainda pegou uma carroça sem rodas puxada por bois e começou a passar por cima dos feixes de trigo, destruindo-os completamente. Depois recolheu as pequenas sementes que haviam se separado do caule e, para completar a maldade, moeu todas elas, transformando-as em pó. Que desperdício! Jaime já não agüentava mais, queria ir embora e abandonar aquele lugar estranho.

Mas para a surpresa de Jaime, no dia seguinte ele viu um pouco daquele pó ser misturado com água, tomar a forma de um pão e ser levado ao forno. Em poucos minutos saía do forno um lindo pão fresco, que enchia a casa com seu cheiro delicioso. Era assim que os pães eram feitos! Tudo era parte do processo! Mesmo aqueles momentos de "maldade" eram, na verdade, parte do processo necessário para produzir o pão. Se Jaime tivesse saído no meio do processo, certamente nunca teria entendido nada e teria achando que o agricultor era uma pessoa malvada"

Assim é a nossa vida. Vemos coisas que não entendemos. Inundações, terremotos, doenças, sofrimentos. Questionamos constantemente a bondade do Criador do mundo. Mas como queremos entender tudo de uma vez só se estamos apenas entrando no mundo "no meio do processo"? Será que não é injusto julgar as atitudes de D'us sem saber onde tudo começou e onde tudo vai terminar?

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Nesta semana lemos a Parashá Ki Tissá, que começa com um ensinamento muito interessante: o povo judeu não pode ser contado de forma direta, o censo deve ser feito sempre de uma maneira indireta, isto é, as pessoas devem trazer algum objeto e assim, através da contagem dos objetos, pode-se saber o número de pessoas. Durante a época em que o povo judeu estava no deserto a contagem era feita através da doação de meio Shekel (uma moeda de prata utilizada na época) cada um. Por que a contagem era feita com dinheiro e não com outro objeto? Pois o dinheiro arrecadado era utilizado para construir e manter as bases de sustentação do Mishkan (Templo Móvel). Tanto os pobres quanto os ricos precisavam doar, mas a doação não podia ser nem mais nem menos do que meio Shekel, como está escrito "Todo aquele que passar pelo censo, de 20 anos para cima, deve dar sua porção para D'us. Os ricos não podem aumentar e os pobres não podem diminuir do meio Shekel" (Shemot 30:14,15).

Mas desta doação surgem algumas perguntas: em todas as partes que compunham o Mishkan, como os utensílios e as outras partes estruturais, cada um doava de acordo com a vontade de seu coração, isto é, cada um doava quanto desejava, alguns mais e outros menos. Por que então na base do Mishkan todas as pessoas tinham que doar a mesma quantia? Além disso, por que o valor doado era de meio Shekel e não de um Shekel inteiro, o que facilitaria na contagem do povo? E finalmente, qual a relação deste ensinamento com o terrível pecado da construção do bezerro de ouro, que é descrito na continuação desta Parashá?

Explicam os nossos sábios que existe uma regra interessante sobre o Mishkan: todos os elementos que compõem o Mishkan nos ensinam sobre alguma característica com a qual devemos nos comportar para chegarmos a níveis espirituais mais elevados. A base do Mishkan é o elemento que sustentava toda a estrutura, era o que mantinha o Mishkan de pé. Nos ensina o rabino Yossef Salant que a base do Mishkan está associada com a base do ser humano: a sua Emuná (fé). É a Emuná que mantém o homem de pé, que o sustenta durante todos os seus dias. Se uma pessoa perde sua Emuná, ele não tem mais nada em sua vida. Se pudéssemos concentrar todas as 613 Mitzvót da Torá em apenas uma Mitzvá, seria a Mitzvá de Emuná.

Em todas as Mitzvót e níveis espirituais que o ser humano pode chegar em sua vida, D'us não cobra que todos estejam no mesmo nível. É o que afirma a própria Torá em suas palavras finais "Nunca mais se levantou um profeta em Israel como Moshé" (Devarim 34:10). D'us cobra cada pessoa de acordo com as suas possibilidades, cada um tem um propósito diferente e pode chegar a um nível compatível com as suas próprias características. Não vamos ser cobrados por não termos chegado ao mesmo nível de Moshé, cada um vai ser cobrado de acordo com as ferramentas que recebeu de D'us. É por isso que em todos os outros elementos do Mishkan cada um podia doar quanto quisesse, de acordo com a vontade de seu coração, nos ensinando que as pessoas têm capacidades diferentes e são cobradas por D'us em níveis diferentes.

O mesmo não ocorre em relação à Emuná. O nível de Emuná que devemos ter na vida é o mesmo para todos, independente do nível de cada pessoa, independente de qualquer outra característica. Cada ser humano deve trabalhar para chegar até o máximo nível possível de Emuná, tanto na certeza da veracidade de cada palavra da Torá quanto na existência de um Criador que sabe tudo, pode tudo e está presente em todos os lugares. É por isso que, para as doações que eram destinadas para a base do Mishkan, cada pessoa precisava trazer a mesma doação, nem um centavo a mais nem a menos.

Mas por que a doação para a base do Mishkan era de meia moeda e não uma moeda inteira? Para nos ensinar que um dos fundamentos da Emuná é sabermos que em nenhum evento que ocorre em nossas vidas estamos vendo o quadro completo, em nenhum acontecimento vemos o começo, o meio e o fim, sempre estamos no meio de um processo. Com este ensinamento claro em nossos corações conseguimos responder muitos questionamentos que nos incomodam. Perguntas do tipo "Por que pessoas boas sofrem e pessoas más têm sucesso na vida?" somente nos incomodam porque estamos vendo apenas parte do filme. Temos uma vida limitada, não vimos o começo de muitos processos, entramos apenas no meio e, portanto, é impossível querer entender tudo de uma só vez. Por isso a pessoa que tem esta certeza no coração consegue trabalhar e crescer em seu nível de Emuná.

Ensina o Talmud que a doação do meio Shekel veio como uma expiação por termos construído o bezerro de ouro no meio do dia. O que isto significa? A construção do bezerro de ouro aconteceu porque o povo judeu se desesperou. O povo judeu se equivocou na conta dos 40 dias que Moshé deveria permanecer no Monte Sinai e se desesperou ao imaginar que ele havia morrido. O que significa que o bezerro de ouro foi feito "no meio do dia"? Que o erro do povo judeu foi conseqüência da falta de Emuná, pois eles viram somente uma parte da história e quiseram tirar conclusões de forma precipitada. A consequência foi trágica para o povo judeu, pois quando se tira a fundação de uma estrutura, a estrutura inteira racha e desmorona.

É por isso que nossos sábios estabeleceram tantas Brachót (bênçãos) no nosso dia, praticamente tudo o que nós fazemos está associado a uma Brachá. Por exemplo, até mesmo após o simples ato de ir ao banheiro nós pronunciamos uma Brachá, na qual agradecemos pelo perfeito funcionamento do nosso corpo. Isso nos faz refletir sobre a perfeição do Criador do universo, que fez tudo com capricho até os mínimos detalhes. As Brachót colocam a tranqüilidade no nosso coração de saber que tudo o que o Criador faz é com perfeição e para o nosso bem. Se algo nos parece que não está completo, temos que saber que o erro não está nos atos do Criador e sim na limitação dos nossos olhos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ TETZAVÊ, PARASHÁ ZACHOR E PURIM 5770

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TUDO FAZ SENTIDO - PARASHÁ TETZAVÊ, PARASHÁ ZACHOR E PURIM 5770 (26 de fevereiro de 2010)

"Da primeira vez em que eu (Rav Efraim Birbojm) estive em uma Yeshivá em Israel, no início do meu processo de Teshuvá (retorno aos caminhos da Torá), fui com um pequeno grupo de rapazes passar um Shabat na cidade de Bnei Brak, perto de Tel Aviv. Nesta cidade a grande maioria dos moradores são judeus ortodoxos que cumprem as Mitzvót da Torá. A cidade não tem delegacia de polícia, não existem assaltos e as frutas e livros ficam expostos em mesas no meio da rua, sem vendedores, para que os compradores levem o que querem e deixem o dinheiro em uma caixinha.

Ninguém do grupo conhecia a cidade, apenas tínhamos os nomes e endereços das famílias que nos receberiam para as refeições e para dormirmos (o que havia sido previamente organizado por uma pessoa da Yeshivá). Deixamos nossas malas na casa onde dormiríamos e saímos para o Kabalat Shabat. O jantar, em outra família, terminou um pouco tarde e decidimos dar uma volta para conhecer a cidade. Quando nos demos conta já era quase uma da manhã e decidimos voltar. Como não conhecíamos o caminho, fomos perguntando como chegar para as poucas pessoas que ainda estavam nas ruas. Finalmente chegamos na casa onde deveríamos dormir, mas a porta estava trancada. Batemos por uns 15 minutos e ninguém veio atender. Naquele momento, desanimado, eu sentei no chão e comecei a questionar D'us: "Eu estou aqui, em uma cidade estranha, disposto a guardar o Shabat, então o que Você quer de mim?".

Sem lugar para dormir, decidimos procurar alguma sinagoga aberta onde pudéssemos passar a noite. Porém, não havia mais ninguém na rua e estávamos completamente sem idéia de que direção tomar. Começamos a caminhar, mas as ruas pareciam todas iguais, cada vez nos sentíamos mais perdidos. Foi quando vimos um homem acompanhado de 2 filhos pequenos caminhando na rua. Corremos para pedir informações de como chegar em alguma sinagoga aberta e, após explicarmos o que fazíamos tão tarde na rua, ele nos convidou para passarmos a noite em sua casa. Nos serviu chá, bolos e ofereceu o quarto onde os seus filhos dormiam para que ficássemos confortáveis. Ficamos muito agradecidos por tanta hospitalidade, principalmente com pessoas que eles nem mesmo conheciam. Antes de dormir, o dono da casa veio nos dar boa noite e nos contou algo que nos deixou perplexos:

- Hoje é o Yortzait (aniversário de falecimento) da minha querida mãe. Durante todo o dia eu pedi para D'us me ajudar a encontrar alguma Mitzvá especial para fazer no Shabat e assim elevar a alma dela. Mas o que eu poderia fazer de especial em uma cidade onde todos já são religiosos? Todos já têm suas casas para passar o Shabat e fazer suas refeições, quem eu poderia convidar? Agora eu vejo que D'us escutou as minhas Tefilót (rezas), pois Ele me mandou vocês para que eu pudesse cumprir a Mitzvá de receber convidados no Shabat e assim elevar a alma de minha mãe.

Fomos dormir impressionados com tudo o que havia acontecido. Na manhã seguinte voltamos à casa onde deveríamos ter dormido. Eles estavam muito preocupados conosco e explicaram que não queriam dormir com a porta aberta, por isso a trancaram e a cada meia hora eles vinham até a porta para ver se havíamos chegado. Os 15 minutos que estivemos lá batendo na porta foram justamente quando eles estavam no quarto, de onde mal se ouviam as batidas.

Naquele momento tudo fez sentido. Aquele questionamento que eu havia feito para D'us, "o que Você quer de mim?", estava respondido. Ele queria me dar uma das lições mais importantes da minha vida: que não existe acaso, Ele tem o controle sobre todas as coisas que acontecem e pode mudar tudo apenas para atender a Tefilá de um homem que queria elevar a alma de sua mãe. (História Real)

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Neste Shabat lemos a Parashá Tetzavê, que continua descrevendo detalhes do Mishkan (Templo Móvel), em especial as roupas que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) utilizava durante os serviços no Mishkan. Lemos também a Parashá Zachor, um trecho da Torá que nos relembra da nossa luta contra o povo de Amalek e tudo o que eles fizeram contra o povo judeu no deserto. Por que a Parashá Zachor é lida justamente neste Shabat? Pois após o Shabat, no sábado de noite (em Jerusalém no domingo de noite) começamos a comemorar a festa de Purim, revivendo com alegria o milagre da salvação do povo judeu nos dias de Mordechai e Ester, quando fomos salvos do extermínio certo. A história de Purim é mais um "round" da nossa luta contra Amalek, pois Haman, o homem que queria exterminar o povo judeu, era do povo de Amalek.

Uma das principais Mitzvót de Purim é ler a Meguilat Ester, o livro do Tanach que descreve a subida do rei Achashverosh no poder, a escolha de Ester como rainha, a subida de Haman e a sua posterior queda. Infelizmente temos muitas vezes uma visão infantil da Meguilá, como se ela fosse apenas um livro de histórias. A verdade é que se nos aprofundarmos na Meguilá poderemos aprender importantes lições para nossas vidas.

Por exemplo, no segundo capítulo a Meguilá nos conta que Mordechai descobriu que Bigtan e Teresh, dois homens da guarda pessoal do rei Achashverosh, planejavam matá-lo. Mordechai imediatamente informou Ester e ela contou ao rei. Investigações foram abertas, o plano foi descoberto e Bigtan e Teresh foram enforcados. O que isto mudou na história do povo judeu? Muitos anos depois, quando certa noite o rei Achashverosh não conseguia dormir, ele pediu a seus serviçais que lessem o livro das crônicas, onde constava tudo o que havia ocorrido no reinado. Então ele escutou novamente o episódio de Bigtan e Teresh e lembrou-se que Mordechai havia salvado sua vida e nunca havia recebido nenhuma recompensa por isso. A partir deste momento a sorte do povo judeu começou a mudar.

Mas se pararmos para refletir sobre este acontecimento, surge uma grande pergunta: o rei Achashverosh não era nenhum Tzadik (Justo). Ele pegou Ester à força para ser sua esposa e mostrava seu poder exibindo em público os tesouros roubados do Beit-Hamikdash (Templo Sagrado). Portanto, por que Mordechai decidiu salvar a vida de Achashverosh e não preferiu deixá-lo morrer para poder salvar Ester?

Para responder esta pergunta precisamos antes de tudo entender a luta espiritual que existe entre o povo judeu e o povo de Amalek. A essência de Amalek é ensinar que tudo é um grande acaso, que não existe um Criador nem uma ordem nas coisas que ocorrem no mundo. O nome Purim vem da palavra "Pur", que significa sorteio, pois Haman sorteou o dia em que o povo judeu seria exterminado, tentando mostrar através do sorteio que tudo é um grande acaso. Já a essência do povo judeu é ensinar ao mundo que existe um Criador, que não apenas criou o mundo mas que cuida de cada um de nós com "Hashgachá Pratid" (Supervisão Particular). Tudo o que acontece tem um motivo, tudo o que ocorre está de acordo com os planos de D'us para o mundo. Não há acaso nem coincidências.

E assim vivem os Tzadikim, com a certeza de que tudo o que o Criador do mundo faz é com algum propósito, nada é por acaso. Cada pequeno detalhe tem um motivo, pois tudo é controlado por D'us. Quando Mordechai escutou o plano de Bigtan e Teresh para matar o rei, ele parou para refletir e perguntou para si mesmo: "Se a morte de Achashverosh fosse algo bom para o povo judeu, então ele teria morrido e eu não ficaria nem sabendo dos planos. Mas se D'us me fez escutar o plano deles é porque certamente é minha função interferir".

Portanto, a Meguilá é um ensinamento de como vencer a guerra contra Amalek. Mordechai não sabia que no futuro este acontecimento mudaria toda a história do povo judeu. Mas ele também não precisava saber disso. Tudo o que ele precisava saber é que nada que ocorre no mundo é por acaso. Tudo tem um porque. Assim ele venceu Haman e assim podemos vencer Amalek. Tendo a certeza de que não existe acaso, que D'us está em cada detalhe de nossas vidas. E para isso não é necessário uma fé cega. Se pararmos para refletir sobre nossas vidas, certamente vamos enxergar vários momentos em que a mão de D'us estava evidente. Quanto mais certeza colocarmos no nosso coração de que tudo o que ocorre em nossas vidas é com Hashgachá Pratid, mais estaremos contribuindo para vencer a luta contra Amalek.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ TERUMÁ 5770

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PERDENDO TUDO - PARASHÁ TERUMÁ 5770 (19 de fevereiro de 2010)

"Havia um certo camponês que, inconformado com o sucesso de seu vizinho, decidiu iniciar uma empreitada para conseguir aumentar suas propriedades e assim superá-lo. Juntou todo o seu dinheiro e saiu procurando oportunidades. Encontrou um fazendeiro que tinha terras a perder de vista e que lhe fez uma excelente proposta de enriquecimento fácil. O camponês daria todo o dinheiro que tinha e em troca poderia se apropriar de quanta terra conseguisse. A regra era a seguinte: no início do dia o camponês marcaria com uma pedra o início das suas terras. Caminharia o quanto quisesse e marcaria o limite final de suas terra com uma segunda pedra. A única condição seria voltar até o pôr-do-sol até a primeira pedra. Caso ele não conseguisse voltar até o anoitecer, perderia tudo. O camponês aceitou imediatamente a proposta. Em sua cabeça, pensava que aquele fazendeiro era um grande tolo. Seria fácil conseguir muita terra com aquele dinheiro.

Na manhã seguinte o camponês chegou cedinho, marcou com uma pedra o local inicial e guardou no bolso uma segunda pedra para marcar o limite final das suas terras. Começou a caminhar, passou primeiro por terras boas para plantar milho. Mais adiante descobriu um pedaço excelente para o cultivo de batatas. E assim, durante todo o dia, ele percebeu que surgiam cada vez terras melhores. Sempre que ele pensava em parar e marcar o limite de suas terras para começar a voltar, ele se lembrava de seu vizinho e por isso queria mais.

E assim, deslumbrado com tantas terras boas e motivado pela inveja, ele seguiu o dia inteiro caminhando. De repente, quando se deu conta, percebeu que o sol já começava a aparecer no horizonte. Desesperado, ele colocou a segunda pedra no chão e começou a voltar. Primeiro em passos cadenciados, mas o desespero começou a tomar conta dele e os passos foram se transformando em uma corrida. O tempo acabava e ele não conseguia ver nem de longe o local onde estava a primeira pedra. Apavorado, correu com todas as forças que tinha enquanto o sol ia sumindo no horizonte. Finalmente chegou, completamente exausto, na primeira pedra. Mal podia falar, mal podia se mover. Caiu imóvel no chão e pôde ver o céu. Já era noite, as estrelas já tinham saído. O tempo havia acabado, ele havia perdido o dinheiro. Pela inveja do vizinho ele havia perdido tudo o que tinha".

Esta história se repete todos os dias. Ao invés de estarem satisfeitas com o que têm, as pessoas estão sempre desejando o que os outros têm. Pessoas motivadas pela inveja perdem suas famílias, perdem sua saúde, perdem tudo.

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A Parashá desta semana, Terumá, começa a nos contar sobre a construção do Mishkan, o Templo móvel que acompanhou o povo judeu durante os 40 anos no deserto e foi substituído posteriormente pelo Beit Hamikdash (Templo Sagrado) de Jerusalém. E se prestarmos atenção veremos que não apenas esta Parashá trata do Mishkan, cerca de cinco Parashiot inteiras da Torá descrevem os mínimos detalhes de todos os seus utensílios. Então temos que nos perguntar: por que a Torá precisava se alongar tanto na descrição do Mishkan e seus utensílios se o Mishkan foi apenas algo temporário?

A resposta é que apesar do Mishkan ter funcionado somente por alguns anos, em cada detalhe da sua construção há mensagens eternas para todo o povo judeu e não apenas para a geração do deserto. Por exemplo, algo nos chama a atenção sobre uma diferença entre o Aron Hakodesh, a arca sagrada que continha a Torá, e o Mizbeach interno, o altar onde eram oferecidos incensos. Enquanto as medidas do Mizbeach interno eram todas medidas inteiras (um cúbito de comprimento, um cúbito de largura e dois cúbitos de profundidade), as medidas do Aron Hakodesh eram justamente o contrário, todas elas medidas quebradas (dois cúbitos e meio de comprimento, um cúbito e meio de largura e um cúbito e meio de profundidade). O que isto nos ensina?

Explica o Kli Yakar, um famoso comentarista da Torá, que neste pequeno detalhe está contido um grande ensinamento. O Aron Hakodesh que continha a Torá representa a nossa parte espiritual. Em relação ao nosso crescimento espiritual, temos sempre que olhar como se estivéssemos incompletos, que nos falta algo, que estamos apenas na metade do caminho. Temos que olhar sempre para quem tem mais espiritualidade do que nós, criando assim uma inveja positiva que nos leva a um crescimento espiritual. A pessoa que acha que já tem toda a sabedoria que precisa fica estagnada, não cresce mais espiritualmente. Por isso as medidas do Aron Hakodesh são todas quebradas.

Mas ao contrário, em relação ao mundo material, representado pelo Mizbeach de incenso, nas áreas como a riqueza e a honra temos que olhar sempre para aqueles que tem menos do que nós, e buscar enxergar que estamos completos com o que já temos. Por isso as medidas do Mizbeach de incenso são inteiras.

Ensinam os nossos sábios que todas as características que D'us colocou na alma do ser humano, mesmo as que parecem ser apenas negativas, podem ser canalizadas para o lado positivo, como é o caso da inveja. Se a inveja é utilizada para desejar as aquisições materiais que pertencem ao outro, ela se torna uma característica muito negativa e pode levar o ser humano à destruição, como está escrito no Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas): "Três coisas tiram o homem do mundo: a inveja, a honra e a busca pelos desejos". A pessoa invejosa se torna triste e depressiva pois nunca está contente com o que possui e vive em função do que os outros têm. Não importa que o carro dela é bom e tem tudo o que ela precisa, o que importa é que o vizinho tem um melhor e mais moderno. É por isso que o ápice dos 10 mandamentos é "Não cobiçarás", pois a cobiça destrói a vida do ser humano e pode fazê-los transgredir os outros 9 mandamentos.

Mas D'us colocou a inveja em nossa alma para que possamos canalizá-la para o lado positivo, para o lado espiritual. Para que possamos ver o crescimento espiritual de outra pessoa e desejarmos também crescer espiritualmente. Isto faz com que tenhamos mais incentivos para nos esforçar e atingir nossos objetivos espirituais.

E assim ensinam os nossos sábios: "A pessoa que reza deve voltar seu coração para cima e seus olhos para baixo". O coração está relacionado com o nosso crescimento espiritual e, portanto, devemos olhar para cima, para quem tem mais de que nós. Já os olhos estão relacionados com o desejo material e, portanto, devemos olhar para baixo, para quem tem menos do que nós. Somente assim poderemos continuar nosso trabalho de crescimento espiritual com a sensação de tranqüilidade de termos todas as ferramentas do mundo material que necessitamos para podermos crescer.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm