sexta-feira, 19 de março de 2010

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAYIKRÁ 5770

BS"D
ESCRAVOS OU HOMENS LIVRES? - PARASHÁ VAYIKRÁ 5770 (19 de março de 2010)
"O dia estava muito frio e chuvoso e tudo o que Fernando queria era um pouquinho de calor. Ele estava passando por uma fábrica e sentiu um calor gostoso vindo lá de dentro. Curioso, ele entrou para verificar e viu um grande tanque com um líquido escuro. Colocou a mão lá dentro e estava deliciosamente quente. Será que alguém se incomodaria se ele desse apenas um mergulho para se esquentar?

Fernando olhou para os lados e, ao perceber que ninguém olhava, aproveitou para dar um rápido mergulho no tanque. A sensação foi incrível, aquele calor o encheu de satisfação. Fernando já não pensava mais em um mergulho rápido, queria ficar ali por muito tempo, relaxando.

Quase uma hora se passou e Fernando começou a sentir que o líquido já não estava mais tão quente. Certamente o aquecimento havia sido desligado e, portanto, era hora de sair. Mas para sua surpresa ele não conseguia mais se mover. O líquido havia se transformado em algo espesso, seu corpo estava grudado e ele não conseguia sair. Gritou por socorro e logo vários homens chegaram para ajudar. Quando viram a situação patética, começaram a rir, se divertindo muito às custas de Fernando.
Irritado, Fernando tentava se soltar, mas sentia que cada vez ficava mais preso naquela substância escura. Olhando para a porta da fábrica, ele viu uma placa e entendeu tudo o que estava acontecendo. Na placa estava escrito "Fábrica de piche"."

Assim funciona também com as pessoas que correm atrás de todos os seus desejos. Quando sua má inclinação os convence a transgredir, no começo a pessoa pensa que é livre e que os prazeres da transgressão são doces. Mas sem perceber acabam se tornando escravos dos seus prazeres.

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Nesta semana começamos o terceiro livro da Torá, Vayikrá. E na Parashá desta semana, Vayikrá, a Torá nos ensina algumas leis referentes aos Korbanot (sacrifícios) que eram oferecidos no Mishkan (Templo Móvel) e posteriormente no Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Se observarmos a primeira palavra desta Parashá, "Vayikrá", nos chama a atenção o fato da última letra, um Alef, ser escrita menor do que as outras letras. Todas as vezes em que uma letra está escrita menor do que as outras é para nos ensinar algo. O que esta alteração vem nos ensinar na nossa Parashá?

A palavra "Vayikrá" significa "e chamou" e foi utilizada quando D'us, após a conclusão da construção do Mishkan, chamou Moshé para que ele entrasse no Templo e iniciasse os serviços. Mas explicam nossos sábios que quando Moshé estava escrevendo a Torá, ditada diretamente por D'us, ele queria escrever "Vaykar" ao invés de "Vayikrá", isto é, sem o Alef no final, pois era assim que D'us chamava os profetas dos outros povos, como Bilaam. Qual a diferença? A palavra "Vaykar" vem da raiz "Mikrê", que significa "acaso". Para Bilaam D'us aparecia apenas casualmente, não era um relacionamento de amor. Moshé, em sua gigantesca humildade, não queria que estivesse escrito na Torá que seu relacionamento com D'us era algo especial e não apenas casual e por isso não quis escrever o Alef. Mesmo quando D'us ordenou que ele escrevesse, Moshé acatou a ordem de D'us, mas escreveu o Alef pequeno para não chamar a atenção. E a Torá atesta sobre a humildade de Moshé: "E o homem Moshé era muito humilde, mais do que todos os homens que estavam sobre a Terra". Portanto a Parashá começa com uma grande lição de humildade. Mesmo que Moshé era alguém muito especial, mesmo que ele tinha um relacionamento com D'us diferente das outras pessoas, ele não se sentia melhor do que ninguém e tratava a todos com respeito e carinho. Mas qual a relação entre a humildade de Moshé, os Korbanot que eram oferecidos e a festa de Pessach, para a qual já estamos nos preparando?

Explica o Rabeinu Iona, em seu livro "Shaarei Teshuvá", que o orgulho é uma das piores características do ser humano, a ponto de torná-lo desprezível aos olhos de D'us. O Criador se afasta dos orgulhosos, deixando-os entregues ao seu Yetzer Hará (mau instinto) e às transgressões. Portanto o orgulho é um dos principais motivos que levam a pessoa a cometer transgressões graves na vida, como ensina o Pirkei Avót: "A inveja, a busca pelos desejos e o orgulho tiram o homem do mundo". O invejoso, sem a proteção Divina, acaba se afundando em uma busca incessante de prazeres, passando todos os limites.

Explica o Ramban (Nachmânides) que quando uma pessoa cometia um pecado ela precisava oferecer um Korban para expiar seu erro. No momento da Shechitá (abate), a pessoa precisava colocar as mãos sobre o Korban que estava sendo sacrificado e sentia, ao ver o sangue do animal sendo derramado, que era o seu próprio sangue que deveria estar sendo derramado por causa de suas transgressões. D'us, em sua infinita bondade, permitia que a pessoa poupasse sua vida através do sacrifício do animal. A principal motivação dos Korbanot era que a pessoa refletisse sobre isso, "quebrasse" seu coração, se arrependesse dos erros cometidos e recebesse sobre si não voltar a errar. Esse arrependimento vinha junto com uma submissão ao Criador, que ajudava a pessoa a trabalhar seu orgulho, a verdadeira causa de suas transgressões.

E esta também é justamente uma das principais mensagens da festa de Pessach. Em Pessach nos livramos de todo o nosso Chametz (farinha fermentada), não deixamos nem mesmo migalhas em nossas casas. Por que esta rigorosidade maior do que a observada em outros tipos de alimentos proibidos? Pois o fermento representa o nosso Yetzer Hará e devemos retirá-lo completamente dos nossos corações até que não sobre nada. Apesar de ter os mesmos ingredientes da Matzá (farinha e água), o Chametz, em seu processo de fermentação, cresce e incha. Assim são as pessoas orgulhosas: apesar de serem exatamente iguais a qualquer outra pessoa em sua essência, elas se consideram superiores e desprezam os outros. Porém, após alguns poucos dias, qualquer coisa fermentada começa a apodrecer. Assim acontece com a pessoa que se deixa levar pelo orgulho, seu coração começa a "apodrecer", ela se deixa levar pelos desejos e o mal toma conta dela.

Por outro lado a Matzá representa o nosso Yetzer Hatov (bom instinto). Ela não fermenta e não se incha, permanecendo plana, como a pessoa humilde que vive de maneira recatada e sem buscar honras e reconhecimentos públicos. A Matzá dura muito mais tempo, mantendo por períodos muito mais longos o seu gosto e o seu frescor, como o humilde, que recebe uma proteção especial de D'us, consegue evitar as transgressões e não se deixa dominar por seus desejos.

Pessach, como os Korbanot, é um trabalho de submissão à D'us, de quebra do nosso orgulho. A liberdade não significa fazer tudo o que temos vontade e no momento em que temos vontade, isto é na verdade uma escravidão. Aqueles que deixam suas vidas serem guiadas pelos desejos se comportam como um cavaleiro que deixa seu cavalo decidir por quais caminhos ele quer seguir. Não é óbvio que desta maneira o cavaleiro nunca chegará ao seu destino? Liberdade é saber dizer não aos nossos instintos, às nossas vontades. A liberdade verdadeira é podermos viver cumprindo as Mitzvót, que vão moldando nosso caráter, nos salvando do orgulho e da busca pelos desejos.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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