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AMIGO DE VERDADE - PARASHÁ SHEMINI 5772 (20 de abril de 2012)
"No meio da guerra, após um duro combate contra o exército inimigo, um soldado se aproxima do capitão e faz um pedido dramático:
- Senhor, o meu amigo não regressou do campo de batalha. Peço autorização para ir procurá-lo.
- Autorização negada - respondeu o oficial - Não quero que você arrisque sua vida por um homem que provavelmente está morto. Já perdemos muitos homens hoje.
O soldado, ignorando a proibição, saiu em busca do amigo. Uma hora depois regressou, muito ferido, carregando o corpo do amigo. O oficial, ao ver a gravidade dos ferimentos de seu soldado, ficou furioso:
- Eu avisei que ele estava provavelmente morto! Por que fez esta tolice? Diga-me, valeu a pena quase perder a vida apenas para trazer um corpo?
O soldado ferido conseguiu, juntando todas as suas forças, dar um sorriso e responder:
- Claro que valeu, senhor! Quando o encontrei, ele ainda estava vivo. Ainda houve tempo para que ele olhasse nos meus olhos e dissesse: "Amigo, eu tinha a certeza de que você viria"
Podemos ter na vida muitos colegas. Colegas de trabalho, colegas de classe, a turma do futebol. Mas amigos de verdade temos poucos. Pois amigo de verdade é aquele que chega quando todos já foram embora.
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Um dos assuntos tratados na Parashá desta semana, Shemini, é a Kashrut, as leis alimentares que determinam quais os tipos de alimentos podemos consumir e quais são proibidos. Mas desde o começo do livro de Vayikrá a Torá estava falando sobre os Korbanót (sacrifícios) oferecidos no Templo Sagrado. Por que a Torá trouxe o assunto de Kashrut logo após os Korbanót? Pois da mesma maneira que os Korbanót são parte importante do nosso serviço a D'us e da nossa conexão espiritual, assim também é a Kashrut. A comida não-Kasher impurifica nosso coração e nos desconecta da nossa espiritualidade.
A Torá ensina, para cada tipo de animal, quais são os sinais de Kashrut para que possam ser consumidos. Por exemplo, para os animais domésticos, os sinais são a presença de um casco completamente fendido e a característica fisiológica de serem ruminantes, como a vaca e o carneiro. Nos peixes, os sinais são a presença de escamas e de barbatanas, como o atum e o linguado. Já em relação às aves é diferente, pois a Torá não apresenta sinais de Kashrut para as aves, apenas lista 20 espécies que não são Kasher, como está escrito: "Estes vocês devem considerar uma abominação entre os pássaros, eles não deverão ser comidos – eles são detestáveis: a águia, o abutre, a águia do mar... o corvo e sua espécie, a avestruz..., o falcão e sua espécie... a coruja... a cegonha... (Vaikrá 11:13,19)".
Qual o sentido das leis de Kashrut? Na Torá existem dois tipos de lei, os "Chukim" e os "Mishpatim". Os "Chukim" são as leis que D'us nos comandou, mas que intelectualmente, por causa de nossas limitações, não conseguimos entendemos qual a lógica Divina. Já os "Mishpatim" são as leis que conseguimos intelectualmente entender seu sentido, como as Mitzvót de honrar os pais e não matar. A Kashrut se enquadra nos "Chukim", isto é, trata-se de uma Mitzvá que cumprimos apenas por sabermos que foi o Criador do Universo que nos comandou, para cuidarmos da nossa alma.
Mas nossos sábios explicam que mesmo nos "Chukim" existe um entendimento lógico superficial que conseguimos captar. Por exemplo, o Ramban (Nachmânides) diz que todas as aves listadas entre as proibidas para o consumo têm um ponto em comum: são aves com má índole. A grande maioria são aves de rapina, que atacam com violência outras aves e animais para se alimentar. Segundo o Ramban, se uma pessoa consumisse a carne de alguma destas aves, absorveria também este desejo de violência e o comportamento animalesco, e devemos nos afastar destas terríveis características.
Mas nesta lista de aves há uma que aparentemente foge da explicação oferecida pelo Ramban: a cegonha, cujo nome em Lashon Hakodesh é "Chassida", que também significa "bondosa". O nome de todos os animais foi dado por Adam Harishon (Adão), após D'us ter terminado a criação do mundo. Adam olhou cada animal e, com um entendimento profundo, percebeu qual a característica principal de cada um deles, e de acordo com esta característica os nomeou. Por que a cegonha recebeu o nome de "Chassida"? Segundo o Talmud (Chulin 63a), este nome vem do fato da cegonha fazer bondade com seus companheiros e repartir entre eles a sua comida. Portanto, se ela tem esta característica tão boa, por que está na lista dos pássaros proibidos e abomináveis? Onde encontramos na cegonha a má índole mencionada pelo Ramban?
Explica o Rav Ytschak Meir Rothenberg Alter, mais conhecido como Chidushei Harim, que a cegonha faz bondades apenas com os seus companheiros, mas não com os pássaros das outras espécies. Fazer bondades com os amigos não torna ninguém especial, pois até mesmo os bandidos fazem bondades com as pessoas queridas. O que nos torna diferentes é fazer bondades com todos, sem distinção, de forma irrestrita. Fazer bondades apenas como os amigos não é uma bondade verdadeira, é uma bondade baseada em um sentimento egoísta e, portanto, uma característica indesejável para o povo judeu, o povo descendente de Avraham Avinu, cuja tenda era aberta em todas as direções para que pudesse fazer bondades com todos os que passavam por sua casa, sem nenhum tipo de distinção.
O Rav Yohanan Sweig acrescenta que há um entendimento ainda mais profundo de qual é a má característica da cegonha, que ajuda a entender um ensinamento do Talmud (Torá Oral). Está escrito no Talmud (Kidushin 49b) que cada local do mundo tem propensão a desenvolver certas características de comportamento. Um dos exemplos que o Talmud cita é a Babilônia, onde as pessoas tinham a característica de ser bajuladores, algo muito desprezado pela Torá. Como prova de que os babilônios eram bajuladores, o Talmud traz um versículo que descreve uma visão do profeta Zecharia, na qual duas mulheres com asas de cegonha traziam uma vasilha para a Babilônia. Rashi, comentarista da Torá e do Talmud, explica que aprendemos do versículo que os babilônios eram bajuladores pelo fato das asas das mulheres serem asas de cegonha. Mas por que aprendemos esta característica tão detestável justamente da cegonha?
Responde o Rav Yohanan Sweig com um fundamento muito importante do judaísmo. A palavra "amigo", em Lashon Hakodesh, é "Chaver", da mesma raiz de "Chibur", que significa "conectar-se". Quanto maior a amizade entre duas pessoas, maior a conexão entre elas e, portanto, maior a perda da independência das duas partes, pois o comprometimento em um relacionamento vem acompanhado de obrigações. Em uma amizade verdadeira, a pessoa deve estar sempre disponível para ajudar o amigo nos momentos de necessidade, não por bondade, mas por obrigação. Por isso, quando alguém sente que o que faz por um amigo é uma bondade, isto significa que ele entrou no compromisso com egoísmo, querendo manter sua independência, querendo manter o controle do relacionamento. Quando a Torá diz que a cegonha "faz bondade com seus amigos", significa que ela sente que cada coisa que faz pelos amigos é uma bondade. Portanto, ela não representa uma boa característica, ao contrário, representa o egoísmo, a falsidade e a falta de comprometimento.
Como isto se conecta com a bajulação? Se pararmos para refletir um pouco, a bajulação é nada mais do que uma forma de enganação no relacionamento entre duas pessoas. A bajulação é o ato de dar à outra pessoa uma falsa sensação de realidade. É um ato de manipulação, de egoísmo, uma tentativa de manter o controle do relacionamento para que seja sempre do seu jeito. Esta má característica vem do mesmo egoísmo que leva uma pessoa a não se comprometer em uma amizade. Esta é a característica da cegonha, certamente algo nada positivo e nem um pouco desejável para nós.
Fica para nós estes dois grandes ensinamentos que aprendemos da cegonha. Em primeiro lugar, que a bondade é verdadeira apenas quando nos preocupamos com todos, de forma irrestrita, e não apenas com aqueles que são mais próximos. Precisamos trabalhar para sentir a dor e a necessidade de todos. E em segundo lugar, temos que criar relacionamentos verdadeiros de amizade, nos quais entendemos nossas obrigações e as nossas responsabilidades. Este ensinamento também certamente se aplica ao casamento, onde um relacionamento verdadeiro deve ser baseado na premissa de um comprometimento mútuo, no qual cada ajuda que damos ao outro não é uma bondade, e sim uma obrigação.
O cuidado com a Kashrut é, entre outros motivos, uma maneira de cuidar das nossas boas características. Mas certamente que a alimentação Kasher deve vir acompanhada de um trabalho ativo de refinamento das nossas características. Não adianta apenas comer Kasher e ser grosseiro ou egoísta com os outros. Somente com estes dois elementos juntos, a boa alimentação e o trabalho constante para refinar nosso caráter, poderemos chegar ao mesmo nível de bondade e perfeição que chegaram os nossos patriarcas.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm