sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAERÁ 5769

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VIVER SEM SENTIDO DÓI - PARASHÁ VAERÁ 5769 (23 de janeiro de 2009)

Por muitos anos os judeus da Rússia foram proibidos de cumprir qualquer Mitzvá da Torá, sob a ameaça de serem deportados para a Sibéria. Muitos arriscaram suas vidas e, quando descobertos pelas autoridades russas, foram levados à Sibéria para trabalhos forçados sob um frio muito rigoroso. Muitos não aguentavam a rigorosidade do inverno e do trabalho, e morriam.

Apesar de todas as dificuldades, um judeu que sobreviveu a 5 anos de trabalhos forçados na Sibéria conta que o pior sofrimento da sua vida não foi por causa dos trabalhos forçados, nem dos duros castigos, nem do rigoroso frio. O pior sofrimento de sua vida foi o dia da sua libertação.

Por 5 anos ele havia passado muitas horas do seu dia girando uma pesada manivela, acreditando que estava moendo cereais. Apesar das terríveis condições, ele se sentia útil e isso lhe trazia um pouco de conforto. Mas os russos fizeram questão de, no momento de sua liberação, levá-lo até a sala ao lado e mostrar que a manivela não estava conectada a absolutamente nada.

A dor de saber que seus 5 últimos anos haviam sido sem propósito nenhum foi maior do que qualquer outra dor que já havia sentido na sua vida... (História real)
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Na Parashá da semana passada, Moshé foi pedir ao faraó para que ele libertasse o povo judeu, mas ao invés disso o faraó aumentou ainda mais o trabalho e o sofrimento dos judeus. E na Parashá desta semana, Vaerá, D'us fala para Moshé pedir novamente ao faraó para que ele deixasse o povo judeu sair. Mas Moshé questionou a ordem de D'us, dizendo que o faraó já havia se mostrado decidido a não libertar os judeus antes, por que mudaria de idéia diante de um novo pedido? Então D'us instruiu Moshé a tentar convencer o faraó fazendo diante dele um milagre: jogar sua vara no chão para que ela se transformasse em uma cobra.

Para nós talvez este sinal Divino teria sido algo impressionante. Mas a Torá diz que não impressionou nem um pouco o faraó. Ele imediatamente chamou seus magos, que prontamente também transformaram varas em cobras. A pergunta fica ainda mais forte segundo o Midrash (parte da Torá Oral), que nos ensina que os egípcios conheciam tanto de magia negra que mesmo crianças de quatro anos facilmente transformavam varas em cobras. Então por que D'us pediu para que Moshé fizesse este milagre diante do faraó?

Explica o livro "Lekach Tov" que a intenção de D'us não era impressionar o faraó mostrando que Ele podia controlar a natureza, isso Ele fez através das 10 pragas. Na verdade D'us estava transmitindo ao faraó uma mensagem, Ele estava revelando ao faraó o verdadeiro motivo pelo qual os egípcios seriam tão duramente castigados com as 10 pragas e com o afogamento no Mar Vermelho. Que mensagem era esta?

Diz o Rambam (Maimônides) que D'us já havia decretado ao povo judeu a escravidão, e se os egípcios tivessem escravizado os judeus apenas por seus interesses, como qualquer outro Império que, ao se expandir, escraviza outros povos visando território, impostos e mão-de-obra, eles não teriam sido punidos por D'us, pois teriam se comportado como uma vara, cujo golpe não é mais forte do que a força utilizada pela mão que a segura para golpear. Mas quando D'us fez com que a vara de Moshé se transformasse em uma cobra, Ele estava avisando que o duro castigo viria pois os egípcios haviam escolhido se comportar como uma cobra, isto é, eles haviam se comportado de maneira cruel, causando muito mais sofrimento do que havia sido inicialmente decretado por D'us ao povo judeu. Os egípcios chegaram ao ponto de escravizar e maltratar os judeus mesmo sem receber nada em troca, revelando requintes de crueldade.

Um dos maiores exemplos da crueldade dos egípcios foi a construção de duas cidades, Pitom e Ramsés, executada pelos judeus. Apesar de aparentemente os egípcios estarem interessados na mão-de-obra dos judeus para o seu benefício, o Talmud nos ensina que estas duas cidades foram construídas sobre areia movediça, e após algum tempo de trabalho tudo o que havia sido construído desmoronava, obrigado-os a recomeçar o trabalho do zero sabendo que tudo o que construíssem voltaria a cair em um futuro próximo. A maldade egípcia era tanta que o único motivo da escravidão foi infernizar a vida dos judeus, e os egípcios já sabiam que não há sofrimento maior para o ser humano do que saber que não há nenhum sentido no que ele faz na vida.

A humanidade se confronta com o problema da falta de sentido na vida há milênios. Os gregos também já conheciam este conceito e utilizaram-no em sua mitologia. Sísifo, um homem que enfureceu os deuses gregos, recebeu um castigo eterno e terrível: todos os dias ele era obrigado a rolar uma enorme e pesada pedra até o topo de uma montanha, e na manhã seguinte a pedra era derrubada para que ele recomeçasse o trabalho. Isto mostra que mesmo os gregos já entendiam que uma das piores punições possíveis para um ser humano é dar-lhe uma vida sem nenhum propósito.

Explica Viktor Frankel, o psiquiatra criador da "Logoterapia" (terapia de pessoas depressivas através da busca de um sentido para a vida), que a busca do homem por significado é a motivação primária de sua vida, e não uma racionalização secundária. Por que vivemos no "Século da depressão"? Pois o slogan da nossa geração é "Não importa para onde você vai, aproveite a viagem". Infelizmente a maioria das pessoas vive uma vida completamente sem sentido. Levantamos, vamos ao escritório ou à faculdade, trabalhamos, almoçamos, trabalhamos, voltamos para casa, comemos e dormimos. Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado, tudo no mesmo ritmo, sempre constante. Não sabemos onde queremos chegar e raramente paramos para pensar nisso.

Neste ponto o judaísmo nos ajuda muito, pois as Mitzvót servem como placas na estrada, nos indicando exatamente onde estamos, qual o caminho correto e onde precisamos chegar. O judaísmo nos dá estabilidade interna ao nos ensinar que a vida é significativa e nossas escolhas realmente importam e fazem a diferença. O importante não é apenas a meta final, cada pequeno ato do cotidiano faz parte do caminho e da nossa construção espiritual para a eternidade.

Portanto, conclui Viktor Frankel, tão vital quanto respirar, comer e dormir, todo ser humano precisa saber que sua existência importa. O judaísmo concorda.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ SHEMOT 5769

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MUITO OBRIGADO - PARASHÁ SHEMOT 5769 (16 de janeiro de 2009)

"Em um reino distante havia muita alegria e tranquilidade. Porém, um dia a paz foi quebrada por um grave crime. Um homem, descontente com um decreto de um dos ministros do rei, levantou-se contra ele e o matou. Imediatamente os guardas reais prenderam o homem e o levaram para o tribunal.

Diferentemente das outras vezes, o próprio rei presidiu o tribunal, pois achava que a decisão daquele julgamento poderia mudar o rumo da história do reinado. Escutou as acusações contra o assassino, escutou o que o homem tinha para dizer em sua defesa, e reuniu-se com seus conselheiros para discutir o caso. Uma hora depois o rei voltou com seu conselheiros, e o veredicto foi anunciado para o público que aguardava ansioso:

- O réu é declarado culpado pelo assassinato de um dos ministros do rei, e receberá a pena de morte.

Os habitantes do reino se agitaram. Apesar de saberem que o homem realmente era culpado pelo assassinato, sabiam que no reino não se aplicava a pena de morte. Por que o rei havia sido tão duro desta vez? O rei então explicou para os seus súditos:

- Realmente a pena aplicada foi dura, mas é porque o crime foi mais grave do que aparenta. Se uma pessoa tem a coragem de matar um ministro do rei por ter se desentendido com ele, no futuro também poderá tentar matar o próprio rei por qualquer discórdia. Por isso, me senti obrigado a dar uma punição exemplar"

Desta história aprendemos uma importante lição: a forma como nos comportamos com o próximo é a forma como nos comportamos com D'us.
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Nesta semana começamos o segundo livro da Torá, Shemot, que também é conhecido como "Sefer Hagalut Ve Hagueulá" (O livro do exílio e da redenção), por descrever a história do povo judeu desde a escravidão no Egito até a sua salvação física e espiritual. E na Parashá desta semana, Shemot, a Torá descreve que, apesar das boas vindas iniciais que o povo judeu recebeu nos dias de Yaacov e seus filhos, nas futuras gerações os egípcios começaram a tratar mal os judeus e finalmente os escravizaram. Mas com o grande nome que Yossef havia construído no Egito e tudo o que ele havia feito pelos egípcios, quem foi o faraó que teve o descaramento de fazer algo assim contra os judeus? A Torá nos dá a resposta: "E se levantou um novo rei sobre o Egito, que não conheceu Yossef" (Shemot 1:5).

Segundo uma das opiniões trazidas no Talmud, na verdade não era um faraó novo, e sim aquele mesmo faraó cujos sonhos foram decifrados por Yossef. Então por que está escrito "um novo rei"? Pois o faraó, que havia sido tão receptivo com Yossef e sua família, resolveu renovar seus decretos e criar leis contra os judeus. Mas segundo esta opinião do Talmud, se era o mesmo faraó da época de Yossef, então o que significa as palavras finais do versículo "que não conheceu Yossef"? E mais estranho ainda é que, no final da Parashá, quando Moshé Rabeinu foi falar com o faraó em nome de D'us para pedir a libertação do povo judeu, o faraó falou "Eu não sei quem é Hashem, e não vou libertar o povo judeu (Shemot 5:2)". Como pode ser que o mesmo faraó que conheceu Yossef não sabia quem é Hashem, se foi ele mesmo quem falou para Yossef, quando seus sonhos foram decifrados, "Já que Hashem revelou tudo isso para você" (Bereshit 41:39)?

Explica o Talmud que, segundo esta opinião, as palavras "que não conheceu Yossef" não querem dizer literalmente que eles não viveram na mesma época. O significado destas palavras é que o faraó se comportou como se não o tivesse conhecido. Apesar de ter presenciado a salvação de todo o povo egípcio através de Yossef, tanto na interpretação correta dos sonhos quanto no conselho de armazenar comida nos anos de fartura para alimentar todo o povo nos anos de seca, ele "esqueceu" quem foi Yossef e todas as bondades que ele fez aos egípcios, e se voltou contra os judeus.

Mas a pergunta continua, pois é possível entender que o faraó "esqueceu" quem foi Yossef, mas como é possível também ter esquecido quem é Hashem? A resposta é um fundamento muito importante ensinado pelos nossos sábios: aquele que nega a bondade que recebe de seu companheiro, no final também acabará negando as bondades recebidas de D'us; e aquele que nega as bondades recebidas de D'us é como se estivesse negando Sua existência".

Quando alguém nos faz uma bondade nos sentimos endividados. A própria expressão que dizemos, "Obrigado", implica que agora temos uma obrigação com quem nos fez o bem. É por isso que reconhecer a bondade que os outros nos fazem não é fácil, pois não gostamos de nos sentir endividados com ninguém. Preferimos muitas vezes "ignorar" algo de bom que recebemos. Para isso temos alguns "mecanismos", tais como considerar que a bondade não nos ajudou tanto, que a pessoa não fez mais do que sua obrigação ou que quem nos fez a bondade não precisou de esforço algum para fazê-lo e por isso não merece nenhum agradecimento.

A Torá nos ensina justamente o contrário. Temos que nos educar para reconhecer tudo o que os outros nos fazem de bom, e a principal ferramenta é sempre pensar "Ló Maguia Li Klum" (eu não mereço nada), isto é, tudo o que os outros nos fazem é uma grande bondade, até mesmo se recebem um salário para isso. O motorista de táxi recebe pela corrida, mas sem ele não chegaríamos na reunião importante. A empregada também recebe um salário, mas sem ela a casa não estaria limpa e arrumada.

Um dos principais fatores que levam ao reconhecimento de D'us é o reconhecimento de todas as bondades que Ele faz aos seres humanos. Recebemos uma abundância de Brachót (bençãos) Dele, como dizemos três vezes por dia na Amidá, a principal reza do judaísmo: "Agradecemos... por todos os milagres que ocorrem todos os dias conosco, e pelas maravilhas e bondades de todos os instantes". Porém, muitas vezes estas bondades passam despercebidas em nossas vidas. Por que não enxergamos que ocorrem milagres e bondades a cada instante? Por nosso costume de viver como se merecêssemos tudo, por vivermos com a impressão de que tudo o que necessitamos não é mais do que obrigação dos outros nos darem. E por não sabermos reconhecer o que as pessoas nos fazem de bom, por não conseguirmos sair desta "inércia", acabamos também não conseguindo enxergar o que D'us nos faz de bom. E isso é mais grave do que parece, pois não agradecer a D'us é, de certa forma, uma maneira de negar a Sua existência.

Não podemos mudar tudo de uma hora para outra, mas um bom começo é se educar para conseguir reconhecer pelo menos as bondades das pessoas mais próximas, que muitas vezes nos ajudam sem receber nada em troca e que são, infelizmente, as primeiras para quem esquecemos de dar o nosso reconhecimento. Quem tem um filho sabe o trabalho que dá cuidar, alimentar e educar. Quantas vezes já falamos um obrigado aos nossos pais? Quantas vezes já reconhecemos, em nossos corações, tudo o que eles nos fizeram de bom, por tantos anos? E quanto aos nossos maridos e esposas, sabemos dar valor a tudo o que se esforçam pelo nosso bem estar, ou achamos que não fazem mais do que suas obrigações? Quando vemos a comida pronta na mesa levamos em conta o esforço para comprar os ingredientes, para prepará-los e para arrumar os pratos, ou sentamos na mesa e comemos como reis que foram servidos por seus serviçais?

Pequenas mudanças no cotidiano, como por exemplo fazer com que seja mais constante o uso da expressão "muito obrigado", podem nos ajudar a, pouco a pouco, reconhecer também todos os milagres e maravilhas que D'us faz por nós a cada instante.

Shabat Shalom

Rav Efraim Birbojm

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAIEHI 5769

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APENAS UM PEQUENO FURO - PARASHÁ VAIEHI 5769 (09 de janeiro de 2009)

"Havia um homem muito rico, dono de um castelo com vários andares. Certo dia chegou um visitante, um homem estranho e sombrio. Ele ofereceu comprar o castelo inteiro por R$ 500,00. O dono do castelo riu com a proposta, com a certeza de que aquele homem era um grande tolo. Querendo se divertir às custas dele, o dono do castelo falou que por aquela quantia poderia vender um metro quadrado do jardim. O homem estranho aceitou, mas exigiu que a venda fosse oficializada através de um contrato. O dono do castelo riu da ingenuidade daquele tolo, afinal, o que ele faria com um metro quadrado de jardim? A venda foi feita e formalizada em um contrato.

No dia seguinte, o homem estranho chegou cedo e deixou uma caixa no seu pedaço de jardim. Da caixa começou a exalar um cheiro terrível, que incomodou o dono do castelo. Imediatamente ele foi exigir que o homem retirasse aquela caixa de sua propriedade, mas o homem mostrou o contrato de venda e informou que, já que aquele metro quadrado era sua propriedade, podia fazer o que quisesse. O dono tentou recomprar aquele metro quadrado, ofereceu até dez vezes mais, porém o homem não quis conversa.

O cheiro ficou tão forte que o dono do castelo e sua família tiveram que se mudar para o segundo andar. Com o passar dos dias também o segundo andar ficou inabitável e eles tiveram que se mudar para o terceiro andar. E assim foi até que finalmente o dono e sua família tiveram que abandonar o castelo. No final, aquele homem sombrio ficou com todo o castelo, por causa da venda de um mísero metro quadrado de jardim. O dono então entendeu que na verdade o homem estranho não tinha nada de tolo, era muito esperto. O tolo, o tempo todo, havia sido ele mesmo"

Assim também é o nosso Yetzer Hará (má-inclinação). Ele sabe que não é fácil nos convencer a fazer grandes transgressões. Então tudo o que ele nos pede é apenas uma pequena abertura, e quando nos damos conta, perdemos tudo...
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Na Parashá desta semana, Vaiehi, Yaacov reuniu todos os seus filhos para abençoá-los antes de sua morte. Yaacov também fez com que Yossef jurasse que não o enterraria no Egito, e sim na Mearat Hamachpelá, na terra de Israel, junto com Avraham e Itzchak. Ele insistiu para que Yossef jurasse pois sabia que o faraó se sentiria insultado por Yaacov ser enterrado em Israel, após toda a generosa hospitalidade que os egípcios haviam oferecido. Ser enterrado em Israel significava que, apesar de morarem no Egito, eles não se consideravam egípcios, e portanto sabia que o faraó não permitiria facilmente.

E realmente foi o que aconteceu, o faraó se irritou quando Yossef informou que queria enterrar Yaacov em Israel, e não quis permitir. Quando Yossef viu que não conseguiria convencê-lo com nenhum argumento, contou ao faraó que não tinha escolha pois havia feito um juramento ao seu pai. O Midrash (parte da Torá Oral) conta que o faraó ainda insistiu para Yossef juntar sábios judeus e cancelar o juramento (o que, segundo a lei judaica, é permitido em certos casos). Yossef disse ao faraó que se cancelasse este juramento, também acabaria cancelando um outro juramento que havia feito alguns anos antes, no qual se comprometera a não revelar um grande segredo do faraó. Ao escutar estas palavras o faraó finalmente permitiu que Yaacov fosse enterrado em Israel. Mas deste Midrash surgem duas grandes perguntas: de que juramento Yossef estava falando? E além disso, como Yossef se dirigiu ao faraó, o homem mais poderoso do Egito, com tamanha prepotência, chantageando-o e ameaçando revelar seus segredos caso não aceitasse seu pedido?

Quando o faraó quis colocar Yossef na posição de vice-rei, muitos egípcios foram contra, pois ele era apenas um escravo. O faraó então mostrou que Yossef vinha de uma linhagem nobre e, como ele, sabia falar 70 idiomas, como exigia a lei egípcia para que um homem se tornasse governante. Porém, durante o teste ao qual Yossef foi submetido, o faraó descobriu que Yossef falava um idioma a mais do que ele, o Lashon Hakodesh (língua com a qual D'us escreveu a Torá e criou o mundo). O faraó, envergonhado e com medo que o povo egípcio descobrisse que o deus deles era limitado, fez Yossef jurar que nunca revelaria isso para ninguém.

Nos ensina o livro Messilat Yesharim (Caminho dos justos) que o Yetzer Hará, nosso mal instinto, é profissional em todos os tipos de guerra e sabe exatamente como lutar conosco. Ele sabe que batendo de frente não consegue nos enganar e nos fazer cometer transgressões graves. Então sua tática é ir abrindo pequenas brechas. Ele é como um cachorro, diante de uma porta bem fechada não pode fazer nada, mas uma pequena fresta é suficiente para que consiga empurrar a porta até entrar. Portanto, Yossef não estava sendo prepotente nem estava chantageando o faraó, ele estava apenas ensinando uma lei espiritual. Enquanto ele nunca havia cancelado nenhum juramento, é como se a porta estivesse fechada. Mas a partir do momento em que ele abrisse uma brecha, cancelando um juramento, seria muito mais fácil chegar a cancelar outros juramentos também.

Vimos esta lei se aplicando durante toda a história do povo judeu. Muitos consideram o judaísmo como sendo "extremista" por conter muitas leis. Porém, são justamente estas leis que mantém o judaísmo vivo por mais de 3.000 anos. Se olharmos nosso passado, perceberemos que todos os movimentos de assimilação do povo judeu começaram com pequenas mudanças. No mais recente, Moshe Mendelsohn, criador do Reformismo, queria apenas "tirar o peso" do judaísmo. Qual foi a consequência das "pequenas" mudanças que ele implantou, sob o lema de "seja um bom judeu em casa, mas um bom alemão na rua"? Seu neto, Félix Mendelsohn, compositor da Marcha Nupcial, não era mais judeu.

Esta lei espiritual também se aplica na vida de cada um de nós. Nenhuma transgressão começa maior do que pequenos delitos. Grandes desvios começaram com pequenas atitudes erradas. Muitas vezes damos pouco valor para pequenos maus atos que cometemos, mas podem ser a abertura para o Yetzer Hará. É como se abríssemos um buraco em uma garrafa, por mais insignificante que pareça, se não for consertado, mais cedo ou mais tarde toda a água se esvaziará. Portanto temos que prestar atenção mesmo às menores transgressões, pois no final serão os detalhes que terão feito toda a diferença.

Shabat Shalom

Rav Efraim Birbojm

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAIGASH 5769

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TIRANDO UM PESO DAS COSTAS - PARASHÁ VAIGASH 5769 (02 de janeiro de 2009)

O professor pediu para que os alunos trouxessem para a escola batatas e uma bolsa de plástico, para realizarem uma atividade diferente durante a aula. Então ele pediu para que os alunos separassem uma batata para cada pessoa por quem sentiam alguma mágoa, escrevessem os seus nomes nas batatas e as colocassem dentro da bolsa. Algumas das bolsas ficaram muito pesadas.

A tarefa consistia em, durante uma semana, levar a todos os lados a bolsa com as batatas. Naturalmente as batatas foram se deteriorando com o tempo. Além disso, o incômodo de carregar o dia inteiro aquela bolsa mostrava-lhes o tamanho do peso diário que a mágoa ocasiona. E ao colocar a atenção na bolsa para não esquecê-la em nenhum lugar, os alunos deixavam de prestar atenção em outras coisas que eram mais importantes.

Este é o preço que pagamos todos os dias por mantermos a raiva, a bronca e a negatividade. Quando damos importância ao que os outros nos fizeram de mal ou às promessas não cumpridas, nossos pensamentos enchem-se de mágoa, aumentando o stress e roubando nossa alegria. Perdoar e deixar estes sentimentos irem embora é a única forma de trazer de volta a paz e a tranquilidade.

Jogue fora suas "batatas".
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Na Parashá desta semana, Vaigash, após ver que seus irmãos realmente estavam arrependidos de tê-lo vendido, Yossef finalmente se revelou para eles. Os irmãos mal puderam abrir a boca, pela vergonha do que tinham feito e pelo medo de que Yossef, agora o segundo homem mais poderoso do Império Egípcio, teria a oportunidade de se vingar de forma dura, pois certamente deveria ter guardado rancor no coração pelos últimos 22 anos de sofrimentos. Mas Yossef fez justamente o contrário, tratou-os com carinho e consolou-os dizendo: "Não fiquem tristes nem irritados com vocês mesmos por terem me vendido para cá, pois para manter vocês foi que D'us me mandou diante de vocês" (Bereshit 45:5).

Ensina o Midrash (parte da Torá Oral) que D'us já havia decretado e revelado para Avraham que o povo judeu seria escravizado no Egito, como está dito: "Saiba que seus descendentes serão estrangeiros em uma terra que não será deles. E eles os farão servir e os afligirão por 400 anos. E também a nação a qual eles servirão, Eu a julgarei" (Bereshit 15:13). Como todo escravo, os judeus deveriam ter sido levados ao Egito amarrados em correntes. Yossef estava explicando aos irmãos que a sua venda era parte dos planos Divinos, uma forma que D'us havia encontrado para que Yaacov não precisasse descer forçado ao Egito e pudesse ir de forma honrada. Os irmãos tinham sido apenas um instrumento nas mãos de D'us para cumprir a vontade Dele. Com isso Yossef tranquilizou seus irmãos, mostrando que não havia guardado nenhum rancor.

Mas se é assim, se todos os nossos atos se encaminham automaticamente para cumprir a vontade de D'us, então por que D'us julgou os egípcios e os castigou tão duramente durante a saída do Egito, com as 10 pragas e o afogamento no Mar Vermelho? Afinal, eles estavam apenas cumprindo a vontade de D'us de que os judeus fossem escravos e sofressem com a opressão! Ensinam os nossos sábios que D'us utiliza a livre escolha das pessoas para cumprir a Sua vontade. Se está decretado que uma pessoa deve perder dinheiro, D'us a coloca junto com outra pessoa que, por sua livre escolha, quer roubar. Assim cumpre-se o decreto da pessoa perder dinheiro, mas o ladrão também é punido, pois roubou por sua vontade e escolha.

O mesmo ocorreu com a escravidão do povo judeu. É verdade que os judeus tinham que passar pela escravidão e pelos sofrimentos, mas os egípcios não o fizeram com a intenção de cumprir o que D'us havia decretado, e sim escolheram, por sua má índole, fazer o mal ao povo judeu. D'us somente juntou o povo judeu, que tinha que ser escravizado, com os egípcios, que queriam escravizar. Por isso, apesar de terem cumprido a vontade de D'us, os egípcios foram duramente punidos.

Somos responsáveis por todos os nossos atos, e apesar de que sempre a vontade de D'us se cumpre, seremos cobrados pelo mau uso da nossa livre escolha. Portanto, Yossef não estava dizendo aos irmãos: "Ei, relaxem, vocês não fizeram nada de grave". Ele quis apenas enfatizar que não havia guardado mágoas, apesar deles terem sim cometido um erro ao vendê-lo ao Egito. Ele quis deixar claro aos irmãos que, apesar do erro deles, a vontade de D'us em última instância estava sendo cumprida, e portanto não havia motivos para vingança nem rancor.

Se tivermos este nível de claridade, podemos evitar duas graves transgressões da Torá: "Não se vingue e não guarde rancor" (Vayikrá 19:18). Explica o Sefer HaChinuch que sentimos rancor e vontade de vingança quando alguém nos faz mal e nos machuca. Porém o rancor e a vingança são proibidos pela Torá pois são um grave erro de entendimento. Ninguém pode fazer mal ao outro sem que tenha sido decretado pelo Criador do mundo. Alguém se vinga ou guarda rancor de um oficial de justiça por ter recebido das mãos dele uma cobrança judicial? Óbviamente que não, pois todos sabem que o decreto veio de um juiz, o oficial é apenas um intermediário. Por isso, quando alguém nos faz causa um sofrimento, temos que ter claro que foram os nossos maus atos que causaram isso, e D'us já havia nos decretado este sofrimento. Por isso não temos que pensar em vingança contra o agressor, já que ele não é a causa, é apenas um intermediário; a causa são os nossos próprios maus atos. O que sim podemos fazer é justiça, não com as próprias mãos, mas de acordo com os ensinamentos da Torá.

Isso não é uma tarefa fácil, principalmente quando vemos o povo judeu ser diariamente atacado com mísseis ou bombardeado pela imprensa mundial, claramente anti-semita. Mas é justamente o momento de colocar no coração que nosso problema não é o Hamas, nem os palestinos, nem os jornalistas, eles são apenas instrumentos de D'us. O nosso verdadeiro problema é o ódio gratuito dentro do povo judeu e o nosso afastamento das Mitzvót. Sabendo olhar da maneira correta os acontecimentos, poderemos utilizar nossas energias para eliminar a raiz do problema, ao invés de ficar sempre focando no que é apenas a consequência e não a causa.

Shabat Shalom

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ MIKETZ E CHÁNUKA II 5769

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BUSCANDO O CULPADO PELOS SOFRIMENTOS – PARASHÁ MIKETZ E CHÁNUKA II 5769

"Durante a reunião anual dos alces, o tema principal era a preocupação com os crescentes ataques de leões. Eles estavam buscando uma solução, pois em campo aberto o alce corre muito mais do que o leão. Porém, dentro das florestas eram facilmente alcançados, pois os galhos das árvores se enroscavam nos seus chifres, fazendo com que virassem presas fáceis.

Surgiu então uma idéia: destruir todas as florestas da região. Assim, somente restariam campos abertos e os alces sempre levariam vantagem. A idéia foi prontamente aceita pela maioria e muito festejada. No meio de toda a comemoração levantou-se um alce idoso e falou:

- Vocês são muito jovens, não conhecem a natureza e por isso não percebem o quanto essa idéia é tola. Quando terminarem de destruir a primeira floresta e partirem para a segunda, a primeira começará a crescer de novo. Quando forem destruir a terceira, a primeira já estará praticamente restabelecida, e assim por diante. Todo o trabalho executado será em vão.

Esta intervenção gerou uma grande bagunça, todos os alces começaram a gritar e a falar ao mesmo tempo. Novamente o alce idoso pediu a palavra:

- Eu não vim apenas trazer um problema, eu vim trazer a solução. Ao invés de cortar as florestas que nos atrapalham, porque não cortamos a fonte de todo o problema: os nossos próprios chifres?"

Buscamos sempre os culpados por todos os nossos problemas, ao invés de procurar a fonte de todas as dificuldades no lugar correto: em nós mesmos. Se prestarmos atenção, a grande maioria dos buracos onde caímos foram cavados por nós mesmos.
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Na véspera deste Shabat acenderemos a sexta vela de Chánuka. Ao acender as velas estamos revivendo o milagre que ocorreu durante o domínio grego, na época do Segundo Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Os gregos, a maior potência militar da época, haviam conquistado Jerusalém e impurificado o Beit-Hamikdash. Quando os judeus reconquistaram Jerusalém e o Templo em uma heróica e milagrosa batalha, foram reacender a Menorá, mas havia sobrado apenas um pote de óleo puro. Um milagre aconteceu e o óleo durou por oito dias, tempo suficiente para que fosse produzido mais óleo puro. A Parashá desta semana, Miketz, sempre coincide com a festa de Chánuka. Qual a conexão entre as duas? E por que mencionamos e revivemos tanto o milagre do óleo, enquanto o milagre da batalha não é tão mencionado?

Na Parashá Miketz, Yossef foi elevado a vice-rei do Egito após interpretar os sonhos do faraó. Após sua ascensão ao trono, passaram-se sete anos de muita abundância no Egito e logo depois uma grande fome assolou o mundo inteiro. Yossef, que havia visto nos sonhos do faraó um prenúncio desta seca após os anos de abundância, armazenou uma grande quantidade de comida, suficiente para alimentar todo o povo durante os anos de escassez. A seca atingiu também a terra de Israel, obrigando os irmãos de Yossef a descem ao Egito em busca de comida. Yossef logo reconheceu seus irmãos, mas eles não o reconheceram, pois no momento em que eles o venderam como escravo, 22 anos antes, Yossef era apenas um jovem de 17 anos. Yossef fez seus irmãos passarem por vários testes e os tratou de forma dura, para ter certeza de que estavam arrependidos por terem-no vendido como escravo.

Mas algo nos chama a atenção sobre o comportamento dos irmãos no momento em que passavam pelos testes e sofrimentos. Eles poderiam ter colocado a culpa dos sofrimentos no malvado vice-rei do Egito, que os tratava muito mal sem nenhum motivo. Eles poderiam achar que era tudo uma grande coincidência, um grande azar. Eles poderiam ter reclamado e se queixado contra D'us. Mas em nenhum momento eles reclamaram de D'us ou acharam que D'us estava sendo injusto, nem procuraram em quem colocar a culpa. Durante todos os testes e sofrimentos, a primeira atitude que eles tiveram foi refletir e tentar entender qual era o erro que eles poderiam ter cometido que havia causado, como consequência, aqueles sofrimentos, como está escrito: "E então um disse para o outro: 'Pois nós somos culpados pelo que passou com nosso irmão, pois vimos o seu terrível sofrimento quando ele nos implorou por sua vida, e nós não demos ouvidos. É por isso que este sofrimento recaiu sobre nós' " (Bereshit 42:21). Os irmãos de Yossef eram Tzadikim (justos), sabiam que não existia acaso, sabiam que por trás de cada sofrimento está a mão perfeita e justa de D'us. Por isso imediatamente procuraram o motivo pelo qual estavam sendo punidos, para poderem se arrepender e consertar o erro.

Este fundamento foi o que também salvou a vida dos judeus durante a dominação grega. Quando os gregos invadiram Jerusalém e conquistaram o Beit-Hamikdash (Templo Sagrado), os judeus poderiam ter se resignado a reclamar de D'us ou colocar a culpa nos tiranos gregos que enfernizavam suas vidas. Mas eles não fizeram isso, eles pararam para refletir e tentar entender o porquê daqueles sofrimentos. Se D'us havia ordenado a construção do Beit-Hamikdash, por que havia permitido que os gregos o conquistassem e o impurificassem? Eles entenderam que certamente não estavam fazendo o serviço do Beit-Hamikdash da maneira correta, algo estava faltando. Refletiram e viram que, apesar de realizarem todo o serviço, o faziam com preguiça e desânimo, como se fosse um grande peso. D'us então os puniu, Midá Kenegued Midá (medida por medida), fazendo com que fossem proibidos de realizar qualquer serviço no Beit-Hamikdash.

O povo judeu entendeu o recado de D'us, fizeram Teshuvá (retornaram aos caminhos corretos) e decidiram arriscar suas vidas para ter de volta o Beit-Hamikdash. Quando venceram a batalha e expulsaram os gregos, os judeus estavam espiritualmente impuros por terem entrado em contato com mortos, e por isso teriam que esperar 7 dias para poderem produzir óleo em um estado de pureza. Mesmo que a Halachá (lei judaica) permitia que um óleo impuro fosse utilizado, já que a maioria do povo judeu estava em um estado de impureza, mesmo assim os judeu decidiram fazer mais do que lhes era exigido. Quando os judeus mostraram para D'us que estavam realmente arrependidos e que voltariam a fazer o serviço do Beit-Hamikdash com alegria, Ele fez a Sua parte, mantendo acesa a Menorá por 8 dias consecutivos, até que um novo óleo puro pôde ser produzido.

O milagre do óleo não foi somente para manter a Menorá acesa, foi uma forma de D'us nos mostrar que Ele havia nos perdoado. Apesar do milagre da batalha ter sido muito grande, o milagre do óleo ocorre até hoje, isto é, o milagre de, apesar de muitas vezes apenas fazermos Teshuvá por causa dos sofrimentos que recebemos, mesmo assim D'us nos recebe de volta de braços abertos.

Nossos sábios explicam que estamos vivendo na geração que precede a vinda do Mashiach. Ensina o Rav Tauber, em seu livro "Os dias estão chegando", que o Talmud traz 15 sinais para identificar a época da vinda do Mashiach, e que a maioria dos sinais estão se cumprindo nos nossos dias. Um dos sinais é que a face desta geração será igual à face de um cachorro. O que isto significa? Quando batemos em um cachorro com um bastão, ele imediatamente ataca o bastão, porque não consegue entender que existe alguém por trás que está comandando o bastão. Ele vê o bastão como o motivo de seu sofrimento e o ataca. Exatamente assim se comporta a nossa geração. Quando passamos por sofrimentos e dificuldades, a primeira coisa que fazemos é procurar os culpados ou achar que tudo foi um acaso, um azar. Os culpados são os palestinos, é o Hamas, é o presidente do Irã. As tragédias naturais, como as chuvas em Santa Catarina, que mataram mais de 100 pessoas e deixaram milhares de desabrigados, são apenas desequilíbrios na natureza. Esquecemos que D'us está por trás de tudo isso, nos chamando a atenção, nos despertando.

Nos ensina Shlomo Hamelech (Rei Salomão), o mais sábio de todos os homens: "Não há Tzadik no mundo que faz o bem e não erra". Todos cometemos erros, todos caímos de vez em quando. D'us, por amos aos Seus filhos, nos manda avisos quando erramos. Podemos reviver todos os dias da nossa vida o milagre do óleo, sabendo escutar os sinais que D'us nos manda para podermos consertar nosso atos, ou podemos escolher viver como os gregos, achando que todos os sofrimentos e dificuldades são apenas uma grande coincidência.

"Se eu não tivesse caído, não teria me levantado. Se eu não tivesse sentado na escuridão, não teria trazido sobre mim a luz" (Midrash Tehilim)

SHABAT SHALOM E CHÁNUKA SAMEACH

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

SHABAT SHALOM MAIL - CHÁNUKA 5769

BS"D

A VERDADEIRA RIQUEZA - CHÁNUKA 5769 (19 de dezembro de 2008)

"Em uma aldeia próxima de Cracóvia, na Polônia, morava um camponês muito pobre chamado Itzik, que tinha uma vida muito pacata e sem novidades. Mas algo aconteceu que mudou completamente sua vida. Ele começou a ter um sonho estranho, que se repetia várias vezes. No sonho ele via que sob uma certa ponte de Praga estava enterrado um enorme tesouro, que pertenceria a quem o desenterrasse. Nas primeiras vezes ele não deu importância ao sonho, considerando-o inclusive absurdo, mas após inúmeras repetições, começou a levar a sério. Como poderia ele, que não tinha um centavo, viajar até Praga? A idéia não lhe dava sossego, e apesar de sua esposa insistir para que ele tirasse aquela idéia maluca da cabeça, ele decidiu que daria um jeito de ir até Praga para encontrar o tesouro. Juntou algumas míseras provisões e partiu.

Quando Itzik tinha sorte, viajava de carona em algum veículo que passava. Caso contrário ele caminhava, mendigando restos de comida em hospedarias pelo caminho e dormindo sob as árvores. Assim, depois de muitas semanas, Itzik chegou em Praga e procurou a ponte que aparecia no seu sonho. Encontrou-a e imediatamente começou a cavar. Porém, para sua infelicidade, naquele momento estava passando por ali um policial que, vendo sua atitude suspeita, se aproximou gritando:

- Ei, o que você está fazendo? O que você deseja aqui?

Itzik pensou em inventar alguma mentira, mas sabia que não seria acreditado. Ele não teve outra solução a não ser simplesmente contar toda a verdade. Ele descreveu o seu sonho ao policial e contou detalhes de todas as semanas de esforço e sofrimento para conseguir chegar até Praga. O policial começou a rir:

- Seu tolo, por causa de um sonho bobo você fez esta longa viagem? Bem, eu também tenho tido um sonho repetitivo. Tenho sonhado que em uma pequena aldeia perto de Cracóvia existe uma casinha de madeira, que pertence a um camponês chamado Itzik, e debaixo desta casinha está enterrado um imenso tesouro. Você acha que eu gastaria meu precioso tempo e o meu dinheiro por causa de um sonho bobo desses?

Ao escutar aquelas palavras, Itzik tremeu. Arrumou suas coisas e voltou imediatamente para casa. Ao escavar o chão da sua casa, descobriu um imenso tesouro".

Muitos procuram a maior riqueza de todas, a felicidade, em lugares distantes. Gastam uma energia enorme procurando-a no mundo material. "Quando tiver isso, serei feliz". Mal sabem que a felicidade que buscam se encontra dentro delas mesmas, em suas almas. Não há necessidade de percorrer longas distâncias, pois ela está ali, ao alcance de todos, dentro de cada um de nós.
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Na noite do próximo Domingo (21 de dezembro) acenderemos a primeira vela de Chánuka, revivendo a vitória militar e ideológica contra os gregos, na época do Segundo Templo. Nossos sábios explicam que não foi apenas uma vitória na batalha, foi o fim de um dos exílios do povo judeu, o exílio grego.

A palavra exílio nos lembra da idéia de expulsão, de ser retirado da nossa terra e ser levado para outro lugar. Mas se estudarmos o período de dominação grega, o povo judeu viveu em Israel e nunca houve nenhuma tentativa de nos tirar de lá. Então por que os nossos sábios chamam este período de "Exílio Grego"?

A resposta está nos primeiros versículos da Torá: "No princípio D'us criou os céus e a terra. E a Terra estava desolada e vazia, e havia escuridão sobre a face do abismo, e o espírito de D'us pairava sobre a face das águas. E disse D'us: "Haja luz", e houve luz" (Bereshit 1:1-3). Há um Midrash (parte da Torá Oral) que que nos ensina que o exílio grego já estava indicado nos primeiros versículos da criação do mundo, nas palavras "e havia escuridão". Como esta escuridão foi afastada? Com a luz que D'us criou no primeiro dia. Mas que luz é esta, já que os astros somente foram criados no quarto dia? Esta luz é uma luz espiritual, não uma luz física. A escuridão era, portanto, uma ausência de espiritualidade. Esta é a essência do exílio grego.

O Helenismo, a cultura grega, glorificava o ser humano, tanto seu corpo quanto seu intelecto. Para os filósofos gregos, o mundo era governado por leis naturais inteiramente acessíveis ao intelecto humano. A cultura Ocidental é o legado desta visão grega. Muitos vivem imersos em um mundo onde não existe nenhuma realidade além do mundo material que nossos olhos enxergam. Outro legado grego é a "moralidade relativa", que nega a existência de um certo e errado absolutos pois se apóia na capacidade intelectual do ser humano de definir o certo e o errado. Isso causa com que muitas pessoas vivam completamente desprovidas de sentido em suas vidas, o que pode ser visto nos inúmeros casos de depressão, que ataca até mesmo jovens e crianças. Segundo os ensinamentos que ficaram dos gregos, somos apenas átomos organizados, um mero acaso no infinito universo. O entendimento profundo do universo foi substituído por explicações superficiais apenas porque eram mais entendidas pelo limitado intelecto humano.

O judaísmo, por outro lado, ensina que as leis da natureza existem, mas estão subordinadas a uma realidade superior. O intelecto humano é a ferramenta mais poderosa e confiável do ser humano, mas nada mais do que isso. Existe uma realidade moral e espiritual objetiva, mesmo que nem sempre o intelecto e nossos sentidos físicos possam captá-las e compreendê-las em sua totalidade.

A batalha foi difícil, e muitos judeus se deixaram seduzir pelas idéias gregas. Mesmo vivendo em Israel, o povo judeu estavam em exílio, não um exílio físico, mas sim um exílio espiritual. A escuridão da filosofia grega ameaçava contaminar todo o brilho do judaísmo. O judaísmo milagrosamente venceu a batalha, mas a guerra ainda não terminou, pois apesar dos gregos não mais existirem, seu legado continua, como definiu Winston Churchill no seu livro 'A história da Segunda Guerra mundial': "Nenhum outro povo conseguiu, como os judeus e os gregos, deixar uma marca tão forte no mundo inteiro, cada um em um ângulo completamente diferente". A luta continua, entre o entendimento de que existe uma Força Superior versus a vontade de acreditar somente no que os olhos enxergam. Entre a filosofia de que este mundo material é apenas um meio versus a idéia de que o mundo material é o propósito de tudo.

Não foi por coincidência que a vitória judaica sobre os gregos culminou em um milagre relativamente pequeno: um pote de óleo que deveria durar 1 dia mas durou 8 dias. Para os pensadores gregos, o mundo material é tudo o que temos. O óleo queimando por 8 dias é um símbolo que deixa para o mundo a idéia de que dentro do mundo material dos gregos existe uma outra dimensão. O desafio dos judeus é ver além do mundo físico e elevá-lo, permitindo que o potencial espiritual possa brilhar.

Para comemorar nossa vitória colocamos velas em nossas janelas, para que brilhem e iluminem a escuridão. Uma iluminação não apenas física, mas principalmente espiritual. É a mensagem de que, apesar de muitos pensarem que o ser humano é apenas um monte de células casualmente organizadas, a realidade é que dentro de cada um de nós brilha uma alma, esperando o momento de ser acendida e preencher seu potencial espiritual. Essa é a mensagem de Chánuka, esta é a mensagem do povo judeu para o mundo. Esse é o trabalho para o qual fomos escolhidos como "Luz para as nações".

SHABAT SHALOM E CHÁNUKA SAMEACH

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAISHLACH 5769

BS"D

ENCURTANDO A DISTÂNCIA ESPIRITUAL - PARASHÁ VAISHLACH 5769 (12 de dezembro de 2008)

"Em uma aula o professor perguntou aos seus alunos:

- Por que as pessoas gritam quando estão bravas umas com as outras?

Os alunos não sabiam a resposta, mas muitos tentaram arriscar. Um dos alunos respondeu que as pessoas gritam porque perdem a calma, mas a resposta não convenceu o professor, pois perder a calma não explica o ato de gritar com alguém que está perto de você. Outro aluno respondeu que as pessoas gritam porque querem que a outra pessoa escute. Mas isso também não convenceu o professor, afinal, se duas pessoas estão uma do lado da outra, é suficiente falar baixo para ser escutado. Várias outras respostas surgiram, mas nenhuma convenceu o professor. Até que um dos alunos se levantou e falou:

- Acho que eu sei a resposta. Quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância, precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro, pois maior a distância entre seus corações. Mas ao contrário, quando duas pessoas se amam, elas falam suavemente, pois seus corações estão muito perto um do outro. E quando o amor é muito intenso não necessitam sequer falar, apenas um olhar carinhoso basta para seus corações se entenderem."

Esta é a lição que fica: quando duas pessoas discutem, devem tomar cuidado para não deixar que seus corações se afastem, devem evitar dizer palavras que os distanciem mais, pois podem chegar a uma distância tamanha que não encontrarão mais o caminho de volta.
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A Parashá desta semana, Vaishlach, nos conta sobre a volta de Yaacov para casa, depois de passar muitos anos fugindo de seu irmão Essav. Essav era o filho primogênito de Itzchak e tinha direito a uma Brachá (benção) especial. Porém, como estava ligado somente à busca de prazeres do mundo material, ele desprezou seu direito espiritual da primogenitura e vendeu-a para Yaacov por um prato de lentilhas. Mas quando Essav viu que Yaacov havia recebido a Brachá no seu lugar, ele se arrependeu, odiou seu irmão com todas as suas forças e decidiu em seu coração que iria matá-lo. Yaacov fugiu para a casa de seu tio Lavan, onde casou-se e construiu uma família. Passados 34 anos, ele acreditava que o ódio de Essav já havia passado e decidiu voltar.

Porém, a Parashá nos ensina justamente o contrário. Yaacov enviou mensageiros para buscar uma reconciliação com Essav, mas eles voltaram com um terrível relato: Essav vinha ao encontro de Yaacov acompanhado de 400 homens, certamente não em missão de paz. O encontro seria explosivo, e Yaacov se preparou para a inevitável batalha sangrenta. Mas algo estranho aconteceu no caminho, pois a Parashá conta que finalmente os irmãos se encontraram, se abraçaram e choraram um sobre o ombro do outro. O que ocorreu que causou esta mudança tão drástica nos acontecimento?

Conhecemos as leis do mundo material e sabemos o quanto elas são rígidas. Se jogamos para cima uma maça, a força da gravidade faz com que a maça caia de volta. Da mesma forma, o mundo espiritual também tem suas leis rígidas. Nos ensina Shlomo Hamelech (Rei Salomão), o mais sábio de todos os homens, em seu livro Mishlei (Provérbios), uma das leis espirituais que regem o mundo: "Da mesma forma que a água reflete o rosto da pessoa, assim também o coração do homem reflete o coração de seu companheiro". Quando uma pessoa olha para a água, ela vê seu próprio rosto refletido. Se ela sorri, vê um rosto sorridente, mas se ela está irritada, vê refletido um rosto tenso e irritado. Nos ensina Shlomo Hamelech que assim também ocorre entre as pessoas, vemos refletido nas outras pessoas o nosso próprio comportamento. Se sorrimos recebemos de volta um sorriso, se gritamos recebemos de volta um grito. O que sentimos por outra pessoa no nosso coração, ela também sente por nós.

Yaacov conhecia muito bem as leis do mundo espiritual. Quando estava voltando e recebeu a notícia de que seu irmão estava vindo contra ele com um exército, entendeu que o ódio era grande demais, maior do que havia imaginado, pois continuava fervendo mesmo depois de 34 anos. Ele entendeu que se Essav o odiava tanto era porque ele provavelmente também deveria estar mantendo no coração, mesmo sem perceber, um ódio pelo seu irmão. A Torá nos ensina que devemos odiar o pecado e não o pecador. Por mais que Yaacov estava correto em odiar os atos abomináveis de seu irmão Essav, ele entendeu que havia ido além, havia guardado em seu coração um grande ressentimento por Essav. Quando percebeu isso, Yaacov começou imediatamente a se esforçar para arrancar do coração todo o ódio que estava guardado. E finalmente, quando eles se encontraram, o ódio do coração de Yaacov já havia sido retirado e, como um espelho, o ódio do coração de Essav também desapareceu.

Essa lei espiritual também se aplica para nós. Quando temos algum problema de relacionamento com outra pessoa, é muito fácil colocar a culpa no outro. Mas Yaacov nos ensinou que se há algo de errado no relacionamento, certamente há algo de errado no nosso próprio coração. Como em um espelho, não adianta tentar mudar o reflexo sem mudar algo em nosso próprio comportamento.

Quando há um incêndio, todos sabem que não se combate fogo com fogo. Gritos não resolvem problemas, apenas os pioram. Em momentos de nervosismo, falar de maneira tranquila pode mudar o rumo das coisas. Guardar rancor faz mal para nós e para os outros. Um sorriso, um pedido de desculpas quando erramos e um abraço carinhoso são atos aparentemente simples, mas que podem tocar no fundo da alma de uma pessoa. É fácil criticar a violência no mundo, o difícil é cada um dar a sua contribuição para a paz.

"A vida é como jogar uma bola na parede. Se você joga uma bola azul, recebe de volta uma bola azul. Se joga uma bola com força, recebe de volta uma bola com força. Por isso, nunca "jogue uma bola" na vida de forma que você não esteja pronto a recebê-la de volta" (Albert Einstein).

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

SHABAT SHALOM MAIL - PARASHÁ VAIETZE 5769

BS"D

QUEM É O VALENTE? - PARASHÁ VAIETZE 5769 (05 de dezembro de 2008)

O rabino Chizkiahu Madini, que se tornou um grande estudioso de Torá, conta que quando era jovem não tinha nenhum talento especial para o estudo, enquanto muitos outros jovens do Colel (centro de estudos de Torá para pessoas casadas) onde ele estudava se destacavam pelo brilhantismo. Apesar disso ele sempre era o primeiro a chegar e estudava com dedicação. Logo começou a ter bons resultados e a chamar a atenção das outras pessoas. Um dos outros estudantes do Colel começou a ficar com muita inveja e bolou um plano para caluniá-lo e fazer com que fosse expulso. O invejoso subornou uma empregada árabe, que todos os dias vinha fazer a limpeza do local, para que ela dissesse a todos que aquele jovem estudante havia tentado agarrá-la.

Em uma certa manhã a empregada árabe entrou na sinagoga e viu que apenas o jovem estudante já havia chegado e estava imerso nos seus estudos. Quando ela viu que os outros estudantes começavam a entrar no prédio, saiu da sinagoga gritando que havia sido atacada e agarrada à força. Todos ficaram indignados com o comportamento daquele jovem pervertido e começaram a agredi-lo com ofensas e palavras duras. O rapaz conseguiu fugir antes dos outros estudantes chegarem ao nível de agredi-lo fisicamente. A história ficou conhecida em toda a cidade, causando um grande Hilul Hashem (diminuição do nome de D'us no mundo), pois todos acreditaram cegamente na empregada. O único que não acreditou foi o Rosh Colel (rabino chefe), que conhecia bem o rapaz e sabia que ele seria incapaz de fazer algo assim. Apesar dos protestos, manteve o rapaz no Colel e imediatamente despediu a empregada.

Depois de algum tempo o dinheiro do suborno terminou e a empregada árabe foi procurar o rapaz que ela havia caluniado. Ela chorou muito, pediu perdão pelo que havia feito e se comprometeu a ir desmentir em público tudo o que havia ocorrido, revelando a todos que um dos estudantes do Colel a havia subornado para que ela espalhasse a calúnia. A única coisa que ela pediu em troca de limpar o nome do rapaz foi que ele falasse com o Rosh Colel e o convencesse a readmiti-la no emprego, pois ela não tinha mais dinheiro nem mesmo para comprar comida.

O rapaz começou a sentir uma guerra se travando dentro dele. Por um lado ele estava feliz pela oportunidade de limpar seu nome e provar para todo mundo que era inocente. Mas um outro pensamento o incomodava, pois um grande Hilul Hashem já havia sido causado, e se a verdadeira história viesse à tona um novo Hilul Hashem seria causado pelo comportamento vergonhoso do outro estudante. Ele seria humilhado em público, perderia o emprego e o respeito de todos. Por isso talvez seria melhor continuar aguentado a humilhação calado, até que a raiva das pessoas passasse. A luta interna era terrível e a cada instante ele mudava de idéia. Finalmente ele virou-se para a empregada e falou:

- Sobre o que você me pediu para convencer o Rosh Colel a recontratá-la, eu concordo em tentar. Mas eu te proíbo, com todas as minhas forças, de contar a qualquer um sobre o suborno e a calúnia!

O rabino Chizkiahu Madini conta que no momento em que ele tomou aquela difícil decisão, que poderia colocar em risco todo o seu futuro como estudante de Torá, ele sentiu que todas as Fontes de sabedoria haviam sido abertas diante dele. Ao invés de qualquer dano, ele meritou uma grande ajuda dos Céus e se tornou um grande e destacado estudante de Torá.
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Na Parashá desta semana, Vaietze, Yaacov fugiu para escapar da raiva de seu irmão Essav, que queria matá-lo. Foi para a casa de seu tio Lavan, que tinha duas filhas, Rachel e Lea. Yaacov se apaixonou por Rachel, a filha mais nova, não por sua beleza física, mas por suas características espirituais. Como não tinha nenhum dinheiro para o dote, Yaacov trabalhou sete anos por Rachel.

A Torá nos conta que Lavan era uma pessoa extremamente desonesta em todos os seus atos e tentou enganar Yaacov durante todos os anos em que ele trabalhou por Rachel. Yaacov era exatamente o oposto, uma pessoa correta e honesta. Mas Yaacov não era tonto, ele sabia que seu tio faria de tudo para enganá-lo e tentou se precaver de todas as maneiras possíveis. E assim está escrito: "Yaacov amou Rachel, e então ele disse (para Lavan): 'Eu trabalharei para você sete anos por Rachel, a sua filha, a mais nova" (Bereshit 29:18). Por que Yaacov teve que falar "a sua filha, a mais nova"? Ele falou "a sua filha" pois sabia que se falasse apenas "Rachel", Lavan traria aos final dos sete anos uma outra mulher chamada Rachel. E Yaacov também falou "a mais nova" pois imaginou que Lavan poderia trocar o nome de suas filhas. E se mesmo assim Lavan tentasse enganá-los, Yaacov combinou com Rachel um código que ela deveria dizer no momento do casamento, quando estivesse com a cabeça coberta pelo véu e não fosse possível enxergar seu rosto. Mas a Torá nos ensina que, apesar de todos os esforços de Yaacov, Lavan teve sucesso em trocar as filhas. Como isso foi possível?

Nos ensina o Midrash (parte da Torá Oral) que o povo judeu, durante a época do Primeiro Beit-Hamikdash (Templo Sagrado), cometeu o terrível pecado da idolatria. D'us decidiu destruir o Beit-Hamikdash e exilar o povo judeu para sempre. Imediatamente as almas dos patriarcas e das matriarcas começaram a implorar por misericórdia. Mas a transgressão era tão grave aos olhos de D'us que nem os méritos de Avraham, nem de Itzchak nem de Yaacov eram suficientes. Somente quando Rachel chorou e implorou por perdão D'us escutou e falou: "Suas lágrimas não foram em vão, Rachel. Pelos seus méritos Eu trarei no futuro o povo judeu de volta do exílio". Qual foi o grande mérito de Rachel?

No dia do casamento de Rachel com Yaacov, ela estava muito feliz, afinal havia encontrado um grande Tzadik com que poderia construir uma casa com muita espiritualidade. Porém, no decorrer do dia começou a perceber que algo estranho estava acontecendo. Ao invés de seu pai Lavan prepará-la para o casamento, quem estava sendo preparada era sua irmã Lea. Ela entendeu que as suspeitas de Yaacov estavam corretas, pois Lavan ia mesmo tentar enganá-los. Quando Lea estava saindo para o casamento, Rachel lembrou-se do código que havia combinado com Yaacov. Ficou pensando o que aconteceria quando Lea fosse desmascarada sob a Chupá, diante de centenas de convidados. Ficou imaginando a vergonha e a humilhação que ela passaria na frente de todos. Juntando todas as suas forças, Rachel correu até Lea e contou-lhe o código. Yaacov havia se precavido contra todas as formas de enganação, mas nunca havia lhe passado pela cabeça que Rachel poderia chegar naquele nível espiritual quase sobre-humano de abrir mão de sua felicidade para não envergonhar sua irmã em público. E somente assim foi possível que realmente Lavan enganasse Yaacov.

Quando a alma de Rachel apresentou-se diante de D'us para pedir misericórdia pelo povo judeu, ela falou: "Criador do Universo, eu esperei sete anos para me casar com o meu amado Yaacov. Meu pai tramou para me trocar pela minha irmã Lea, e quando eu percebi que Lea seria envergonhada se a trama fosse descoberta, então eu tive compaixão pela minha irmã e ensinei para ela o código. Eu superei meus próprios sentimentos e não fui egoísta. Eu permiti a presença de uma concorrente na minha própria casa. Portanto, se eu fui capaz de fazer isto, Você, que é infinitamente misericordioso, também pode perdoar o Seu povo que, por uma falha, colocou um concorrente na Sua casa". D'us concordou com Rachel e prometeu, pelos méritos dela, trazer de volta o povo judeu.

Vivemos em um mundo onde o valente é aquele que não leva desaforo para casa e que defende a sua honra através do uso da violência. Valente é aquele com língua afiada, rápido em responder qualquer ofensa com palavras duras. Mas esta definitivamente não é a visão da Torá, como nos ensina o Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas): "Quem é o valente? Aquele que vence a sua má-inclinação". Muitos na história conseguiram conquistar cidades mas não conseguiram conquistar seus próprios instintos.

A salvação do povo judeu virá pelos méritos de Rachel. Dela aprendemos o enorme valor de uma pessoa fechar a boca para não humilhar outra pessoa em público. Os nossos sábios ensinam que o mundo é sustentado por aquele que fecha a boca no momento da discussão. Passar por cima da raiva não é sinal de covardia, é sinal de grandeza, pois se você bate em um animal, ele imediatamente revida. O que nos eleva acima de todo o mundo material é a capacidade de não revidar, a força de manter o controle, mesmo nas condições mais adversas.

Shabat Shalom

Rav Efraim Birbojm